Acórdão nº 3037/15.1T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 15 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelEUG
Data da Resolução15 de Fevereiro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães (1) Sumário: 1- O Tribunal da Relação só deve alterar a matéria de facto quando formar a convicção segura da ocorrência de erro na apreciação dos factos impugnados, sendo, em caso de dúvida, de manter o decidido em 1ª Instância, onde os princípios da imediação e oralidade assumem o seu máximo esplendor, dos quais podem resultar elementos decisivos na formação da convicção do julgador, que não passam para a gravação; 2- A responsabilidade civil pressupõe, em regra, culpa do agente (dolo ou negligência), incidindo sobre o lesado o ónus de provar a culpa dos lesantes - artigos 483º e 487º do Código Civil (tal como os restantes pressupostos daquela); 3- Para efeitos de indemnização do dano biológico (autónoma), na sua vertente patrimonial, só relevam as implicações de alcance económico.

As demais vertentes do dano biológico, que traduzem sequelas e perda de qualidade de vida do lesado sem natureza económica, são ponderadas em sede de danos não patrimoniais; 4- A indemnização a arbitrar pelo dano biológico, consubstanciado em relevante limitação ou défice funcional sofrido pelo lesado, que traduz uma capitis deminutio na vertente geral, deverá compensá-lo, apesar de não imediatamente refletida em perdas salariais ou na privação de uma específica capacidade profissional, quer da relevante e substancial restrição às possibilidades de obtenção, mudança ou reconversão de emprego e do leque de oportunidades profissionais à sua disposição, quer da acrescida penosidade e esforço no exercício da sua atividade profissional corrente, de modo a compensar as deficiências funcionais que constituem sequela das lesões sofridas – em adição ou complemento da indemnização fixada pelas perdas salariais prováveis, decorrentes do grau de incapacidade fixado ao lesado; 5- Assim, o défice funcional permanente não impeditivo de exercício da atividade profissional do lesado mas que implique um maior esforço no desempenho dessa atividade ou a supressão ou restrição de outras oportunidades profissionais ou de índole pessoal, no decurso da vida expetável, traduz um dano biológico indemnizável autonomamente, pois que se materializa em perdas de natureza económica; 6- Não se mostrando viável, o que acontece em regra, estabelecer o quantum indemnizatório com base em cálculo aritmético de rendimentos específicos, deve recorrer-se à equidade (art. 564º, nº2 e 566º nº3, ambos do Código Civil) dentro dos padrões delineados pela jurisprudência em função do tipo de gravidade das sequelas sofridas; 7- A indemnização por danos não patrimoniais prevista no artigo 496.º, n.º 1 e 4, do CC e a fixar por equidade, tendo em atenção os fatores referidos no artigo 494.º do mesmo Código, visa, além compensar o dano sofrido, reprovar a conduta culposa do autor da lesão, devendo, por isso, o grau de culpa deste, também, ser devidamente sopesado e ponderado na fixação daquela indemnização.

8- Tal compensação, a fixar equitativamente pelo tribunal, deve traduzir a ponderação: da extensão e gravidade dos danos causados, do grau de culpa do lesante, da situação económica deste e a do lesado e das demais circunstâncias relevantes do caso, nomeadamente, a idade do lesado, as desvantagens que este tenha sofrido e os critérios e valores usuais na jurisprudência em casos similares, nos termos do nº4, do art. 496º e art. 494º, ambos daquele diploma legal; 9- Os preceitos anteriormente referidos devem ser aplicados com prudência e bom senso, pois têm como efeito deixar sem indemnização parte dos danos reais, o que é suscetível de gerar injustiças absolutas e relativas para os lesados, devendo, para as evitar, seguir-se critérios que permitam obter um modelo indemnizatório que conduza a uma maior igualdade, certeza e segurança jurídica, sem se perder de vista as circunstâncias do caso; 10- Fixada a indemnização com base na equidade, o Tribunal superior só deve intervir quando os montantes fixados se revelem, de modo patente, em colisão com os critérios jurisprudenciais que vêm a ser adotados, para assegurar a igualdade. Não ocorrendo oposição, a ponderação casuística das circunstâncias do caso deve ser mantida, já que o julgador se situou na margem de discricionariedade que lhe é consentida.

I.

RELATÓRIO Rosalina propôs a presente ação declarativa, de processo comum, contra a A. - Companhia de Seguros, SA, G. Companhia de Seguros, SA e F. G. A., pedindo a condenação dos Réus a pagarem-lhe: - a indemnização global líquida de € 58.125,00, acrescida dos juros de mora vincendos à taxa legal a contar da data da propositura da ação até efetivo pagamento; - e a indemnização que vier a ser fixada em decisão ulterior, pelas consultas e tratamentos a que ainda vai ter de se sujeitar e da terceira pessoa que vai necessitar de contratar ao longo de toda a sua vida.

Alegou, para tanto, os danos patrimoniais e não patrimoniais por si sofridos em consequência do acidente de viação, ocorrido por conduta ilícita e culposa dos condutores dos veículos seguros nas rés seguradoras e de um veículo desconhecido, mas de matrícula portuguesa.

As rés seguradoras apresentaram-se a contestar, alegando a sua versão do acidente e invocando a contribuição da autora para a produção dos danos e impugnam os danos reclamados.

O F. G. A. apresentou-se, igualmente, a contestar, impugnando os factos alegados.

*Dispensada a audiência prévia, foi elaborado despacho saneador, fixado o objeto do litígio e enunciados os temas de prova.

*Procedeu-se a julgamento, com observância das formalidades legais.

*Foi proferida sentença com o seguinte Dispositivo: “ Pelo exposto, julgo parcialmente procedente a acção e, em consequência, condeno solidariamente os réus A - Companhia de Seguros, SA, G. Companhia de Seguros, SA e F. G. A.

a pagar à autora: - a quantia de € 2.040,00 (dois mil e quarenta euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a citação até integral pagamento; e - a quantia de € 7.225,00 (sete mil e duzentos e vinte e cinco euros), acrescida de juros de mora a contar da data desta sentença até integral pagamento; absolvendo-os do restante pedido”.

*A Autora apresentou recurso de apelação pugnando por que a referida decisão seja revogada e substituída por outra. Formulou, para o efeito, as seguintes CONCLUSÕES: 1ª. - não se questiona, no presente recurso, a parte da douta sentença recorrida, em que a mesma se pronuncia sobre a culpa na produção do sinistro, em relação aos três (03,00) condutores dos veículos automóveis segurados das Recorridas Companhia de Seguros (…) e do veículo automóvel desconhecido, pelo qual responde o Réu/Recorrido F. G. A.

; 2ª. - já que, de acordo com a prova produzida e com os factos provados, essa culpa é imputável aos três (03,00) condutores desses três (03,00) veículos automóveis; 3ª. – na percentagem fixada pela douta sentença recorrida, sem prejuízo do regime da solidariedade estatuído no artigo 497º., nº. 2, do Código Civil; 4ª. – razão pela qual, qualquer das três (03,00) Rés é responsável pelo pagamento do total dos montantes indemnizatórios que, a final, vierem a ser fixados; 5ª. – sem prejuízo do direito de regresso, a exercer entre essas três (03,00) responsáveis; 6ª. – ficou provado que a Autora/Recorrente, na altura da ocorrência do acidente de trânsito que deu origem à presente acção, não fazia uso do cinto de segurança; 7ª. – não ficou provado que a falta do uso desse cinto de segurança teve qualquer influência na verificação dos danos – lesões corporais – sofridos pela Autora/Recorrente ou no seu agravamento; 8ª. – não poderia, pois, a sentença recorrida levar a efeito qualquer redução em relação aos montantes indemnizatórios fixados; 9ª. – muito menos, a redução de 15%, que é manifestamente excessiva e injustificada; 10ª. - discorda, também, a Recorrente em relação ao montante indemnizatório/compensatório que lhe foi atribuído, a título de indemnização por danos de natureza não patrimonial; 11ª. - o valor de 8.500,00 €, fixado pela douta sentença recorrida, é insuficiente para ressarcir/compensar os danos a este título sofridos pela Recorrente, tendo em conta a gravidade das lesões sofridas e das sequelas delas resultantes; 12ª. - pelo que adequada e justa se reputa a quantia de 20.000,00 €, se reclama; 13ª. - o valor 2.000,00 €, fixado a título de indemnização pela Incapacidade Parcial Permanente, para o trabalho – Défice Funcional permanente da Integridade Físico-Psíquica -, de 04,00 pontos, é manifestamente insuficiente, para ressarcir a Recorrente dos danos, a este título, sofridos; 14ª. – a Autora/Recorrente contava, à data do sinistro dos presentes autos, 71 anos de idade, ficou a padecer de uma IPP – Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica - de 04,00 pontos, exercia a actividade/profissão de doméstica, a que corresponde, no mínimo, um ordenado de 550,00 € mensais e a expectativa de vida activa, para as mulheres, cifra-se, actualmente, nos 82,00 anos de idade; 15ª. – o montante de 2.000,00 €, fixado a este título, é, assim, insuficiente; 16ª. – justo e equitativo é o valor reclamado, no articulado da petição inicial, de 20.000,00 € e que ora, também, se reclama; 17ª. - decidindo de modo diverso, fez a sentença recorrida má aplicação do direito aos factos provados e violou, além de outras, as normas dos artigos 496º., nº. 1, 562º. e 564º., nºs. 1 e 2, do Código Civil.

18ª. – quanto ao restante que não foi posto em crise nas presentes alegações de recurso, deve manter-se o doutamente decidido pelo Tribunal de Primeira Instância – Instância Central Cível, Juiz 3, de Viana do Castelo.

*A 1ª Ré, atualmente denominada A. P.- Companhia de Seguros, SA ofereceu contra-alegações pugnando por que se negue provimento ao recurso e, em consequência, se confirme, integralmente, a sentença recorrida concluindo:

  1. Dos autos resulta ter sido a projeção da Recorrente para o chão do autocarro que determinou o embate (no mesmo) com a região occipital, sendo...

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