Acórdão nº 159/09.1TBMTR-B.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 15 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelSANDRA MELO
Data da Resolução15 de Fevereiro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

I.

Relatório Nos presentes autos de apelação em embargos de terceiro figura como embargante e Apelada: -- P. REIS (…) Figura como embargada e Apelante: -- A Caixa …, C.R.L. (… A embargante pediu que fosse ordenada a suspensão imediata dos termos do Proc. Nº159/09.1TBMTR e, a final, que se declare que é proprietária dos imóveis que identifica no artigo 3º da petição inicial e comproprietária, na proporção de um terço (1/3), de outro prédio, descrito no mesmo artigo, prédio descrito em 3º-20., e seja ordenado o cancelamento do registo da penhora feita naqueles autos de execução e que onera os vinte sete prédios que descreve.

Para tanto alegou, em síntese: -- Foram-lhe doados verbalmente vinte e sete prédios, tendo exercido sobre estes posse boa para usucapião, desde 1990, encontrando-se inscritos no registo a seu favor, pelo que beneficia da presunção da titularidade prevista no artigo 7º do Código do Registo Predial.

Foi proferido despacho indeferindo a inquirição de uma testemunha, por esta ser parte primitiva nos autos principais e vir a ser notificada para contestar os embargos, caso fossem recebidos, como foram.

A embargada contestou, salientando que à data da penhora os prédios não estavam registados em nome da embargante e que a penhora foi registada definitivamente, pelo que o registo operado a favor da embargante lhe é inoponível, sendo o título de que aquela beneficia de discutível fiabilidade, por ser uma justificação notarial.

Foi proferido despacho saneador tabular.

Proferiu-se despacho a admitir os requerimentos probatórios juntos aos autos, à exceção da inquirição da testemunha A. Reis, por o mesmo ter a qualidade de parte.

Em sede de audiência de julgamento, a embargada afirmou que o executado A. Reis, arrolado como testemunha simultaneamente pela embargada e embargante não era parte nos autos.

Foi proferido despacho que salientando o trânsito em julgado do despacho que declarou que A. Reis é parte nos autos e que este foi citado, indeferiu o requerido e determinou a continuação da audiência de julgamento.

* Tendo-se procedido a julgamento, veio a ser proferida sentença com a seguinte decisão: “Pelo exposto, decide-se julgar procedentes os presentes embargos de terceiro, e, subsequentemente, determina-se o levantamento da penhora e o cancelamento do respetivo registo relativo aos bens imóveis melhor identificados em 6) dos Factos Assentes.

Custas pela Exequente/Embargada (art.527.º do Código de Processo Civil).” O presente recurso de apelação foi interposto pela embargada, defendendo que se verifica a preterição do litisconsórcio necessário, que o conceito de terceiro para efeito de registos a atender deve ser diferente do seguido na sentença e que a prova deveria ser valorada de forma diferente.

Apresenta as seguintes conclusões: CONCLUSÕES 1. exequente CCAM interpôs execução contra A. Moura, F. A. de Moura, F. G. de Moura, A. Reis e A. Santos.

  1. A embargante P. Reis veio deduzir embargos de terceiro contra a exequente, aqui recorrente, Caixa … CRL.

  2. Ora, os embargos de terceiro são um incidente da instância e consubstanciam uma ação declarativa que corre por apenso a outra de natureza executiva.

  3. A nova relação processual que se estabelece traduz-se num acréscimo ao número de partes envolvidas na ação executiva, os terceiros embargantes. Estes encabeçam o lado ativo da relação processual e exequente e executados o lado passivo da mesma.

  4. Em cumprimento do disposto nos artigos 335º e 348º do C.P.C., estamos perante uma situação de litisconsórcio passivo necessário legal, previsto no artigo 33º do mesmo diploma legal.

  5. Porém, a embargante interpôs os embargos de terceiro apenas contra a exequente CCAM, e não, como devia, também contra os executados.

  6. Assim, ao não terem os embargos de terceiro sido deduzidos igualmente contra os executados, estamos perante um caso de ilegitimidade, o que, ao abrigo do disposto na al. a) do artigo 577º e seguinte do C.P.C., configura uma exceção dilatória de conhecimento oficioso, que conduz à absolvição da instância.

  7. Tal deveria ter sido apreciado em sede de despacho saneador, mas, não o tendo sido, foi suscitada a sua apreciação pela embargada em sede de audiência de discussão e julgamento, e requerida a absolvição da instância da embargante CCAM, o que não foi atendido pelo Tribunal “a quo”.

  8. No sentido de que os embargos de terceiro devem ser propostos contra as partes da execução (exequente e executados), sob preterição do litisconsórcio necessário e que pelo facto de tal não ter ocorrido verifica-se ilegitimidade passiva por preterição do aludido litisconsórcio, o que constitui uma exceção dilatória do conhecimento oficioso, conducente à absolvição da instância, se orienta toda a jurisprudência dos tribunais superiores (Cf. Ac. TRL – Proc. 101-B/2000.L 1-6, de 17/12/2009).

  9. Pelo que, ao não absolver da instância a embargada, nos embargos de terceiro aqui em apreço, o Tribunal “a quo”, violou o disposto no artigo 576º do C.P.C.

  10. Assim, com a imediata absolvição da instância da embargada, deve ficar prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no recurso.

  11. A douta sentença proferida adere a uma conceção restrita de terceiros para efeitos de registo, defendida pelo Prof. Manuel de Andrade, pela qual são considerados terceiros os adquirentes, de boa-fé, de um mesmo transmitente comum, de direitos incompatíveis, sobre a mesma coisa.

  12. Esta conceção foi acolhida pelo acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 3/99, de 18 de Maio.

  13. De acordo com esta conceção, a penhora não seria uma situação enquadrável neste conceito restrito de terceiros.

  14. Porém, existe uma conceção ampla de terceiros para efeitos de registo, defendida pelos Professores Antunes Varela e Henrique Mesquita, pela qual são considerados terceiros, para efeitos de registo predial, todos os que, tendo obtido registo de um direito sobre determinado prédio, veriam esse direito ser arredado por qualquer facto jurídico anterior não registado ou registado posteriormente.

  15. Esta conceção foi acolhida pelo acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 15/97, de 20 de Maio.

  16. De acordo com esta conceção, a penhora seria uma situação enquadrável neste conceito restrito de terceiros.

  17. Contrariamente ao afirmado na douta sentença recorrida, o conceito de terceiro para efeitos de registo não é unívoco e desde há muito que se arrasta na jurisprudência e na doutrina esta controvérsia.

  18. Repare-se que, no curto período de dois anos, foram proferidos dois acórdãos uniformizadores de jurisprudência, sobre a mesma matéria, em sentido absolutamente contraditório, sendo ainda certo que o último (3/99, de 18 de Maio) mereceu 12 votos de vencido, tal é a controvérsia que o tema suscita.

  19. Discordamos, com total respeito pelas diversas interpretações, da coneção adotada na douta sentença recorrida.

  20. Não é absolutamente obrigatória a jurisprudência uniformizada pelo STJ no último Acórdão referido.

  21. Não obstante, entre nós, o registo não possuir eficácia constitutiva, “deve, pelo menos, assegurar a qualquer interessado com legitimidade para inscrever atos no registo – nos quais haja ou não intervindo o titular inscrito – que, a ter existido esse direito, ele ainda se conserva integrado na respetiva esfera jurídica, isto é, que não foi ainda transmitido a outra pessoa” – Cf. Manuel de Andrade, in Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. 2, pp. 18 e ss.

  22. De facto, não se vislumbram razões plausíveis para discriminar negativamente, para efeitos da regra do artigo 5.º do CRP, todos aqueles que, confiando na situação publicitada através do registo e exercendo uma faculdade que a lei lhes atribui (v.g. o registo de uma penhora, sem a vontade ou colaboração do titular), daqueles que, sobre os bens inscritos no registo, adquiram direitos com o assentimento do titular inscrito.

  23. Comungamos da perspetiva de Vaz Serra (RJJ, ano 103º, p. 156), quando diz: “se um prédio for comprado a determinado vendedor e for penhorado em execução contra esse vendedor, o comprador e o penhorante são terceiros: o penhorante é terceiro em relação à aquisição feita pelo comprador e este é terceiro em relação à penhora, pois os direitos do comprador e do penhorante são incompatíveis entre si e derivam do mesmo autor”.

  24. A adoção do conceito restrito de terceiro para efeitos de registo predial, que serviu de orientação à douta sentença recorrida, posterga os princípios do registo predial e da certeza e segurança jurídica a ele associados, negando proteção àqueles que confiaram na aparência criada pelo registo, ficando sem se saber para que serve afinal o registo predial e qual a sua eficácia.

  25. Pelo que, pugnamos pela adoção do conceito amplo de terceiros para efeitos de registo predial, acolhido pelo acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 15/97, de 20 de Maio.

  26. Acresce que, salvo melhor entendimento em sentido contrário, o juiz “a quo” deve realizar o juízo lógico que trilhou na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, em obediência às regras comuns da lógica, da razão e da experiência, para lá das regras do conhecimento científico.

  27. Deve ainda, face à prova testemunhal, realizar operações de cotejo com os restantes meios de prova, não podendo alhear-se das regras da experiência.

  28. O Juiz “a quo” não realizou tal juízo lógico e, consequentemente, a decisão posta em crise padece de adequada fundamentação.

  29. A douta sentença recorrida dá como provados, entre outros, os seguintes factos: 31. - A AE procedeu à penhora dos bens que infra se discriminam, tendo procedido ao registo predial da respetiva penhora, mediante a Ap. 728 de 28/03/2012… (n.º 6) - A embargante adquiriu os vinte e sete prédios por doação, meramente verbal, de seu tio-avô António R., no ano de 1990. (n.º 7) - Desde 1990 que a embargante entrou na posse e fruição dos referidos vinte e sete prédios, os quais vem possuindo, por si e por intermédio de outrem, como sua legítima dona… (n.º 8) - A embargante por si e antecessores de...

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