Acórdão nº 2683/15.8T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 08 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelRAQUEL BAPTISTA TAVARES
Data da Resolução08 de Fevereiro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I. Relatório Maria e marido José, residentes na Rua …, Vizela, e Miguel e mulher Manuela, residentes na Rua …, Vizela, intentaram contra Manuel e mulher Marta, residentes na Rua das ..., n.º 142, ..., Vizela, a presente acção de processo comum, peticionando, pela sua procedência: - Que seja reconhecido o seu direito ao uso pleno de uma servidão de passagem, sem qualquer restrição que não a resultante da lei e dos bons costumes; - A condenação dos Réus na remoção do portão do local onde o colocaram ou, caso assim se não entenda, a condenação dos demandados na entrega definitiva das chaves efectuada no âmbito dos autos de providência cautelar em apenso (com consequente entrega de nova chave sempre que for feita qualquer intervenção/alteração na fechadura); - A condenação dos Réus na remoção do alcatrão colocado [no caminho de servidão] ou, alternativamente, a rebaixá-lo ao nível a que o pavimento se encontrava anteriormente; - A condenação dos Réus na remoção a título definitivo das pedras de granito colocadas na entrada do portão bem como na reparação dos danos provocados no muro deles, demandantes, no prazo máximo de 15 dias; - A condenação dos Réus em absterem-se de praticar quaisquer actos que impeçam ou dificultem a passagem deles, demandantes, a pé, de carro, tractor ou qualquer outro meio para o prédio deles, Autores; - A condenação dos Réus no pagamento, a seu favor, de uma indemnização no montante global mínimo de €1.000, correspondente a €250 por cada um dos demandantes.

Alegam, para tanto, e em síntese, serem donos e legítimos proprietários do prédio situado no Lugar …, com uma área de 333 m2, inscrito na matriz sob o art. 111.º e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 333, sendo que a onerar um prédio propriedade dos Réus, que identificam como o descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ... e inscrito na respectiva matriz sob o art. 222.º, e a favor desse imóvel de sua propriedade se encontra constituída, por contrato, uma servidão de passagem. Subsidiariamente, alegam a constituição da mencionada servidão por usucapião, pois que há mais de 30 anos, por si e seus antepossuidores, que utilizam o caminho em causa para acederem ao logradouro do prédio de sua propriedade, o que fazem sem oposição de ninguém, à vista de todas as pessoas e sempre na convicção de exercerem um direito próprio.

Mais alegam que em finais de Agosto de 2014 os Réus não só mandaram colocar um portão na entrada do caminho de servidão como dois blocos de granito na frente do portão que dá acesso ao prédio que é de sua propriedade a partir desse caminho de servidão e pavimentaram o referido caminho, criando, desta forma, um declive de cerca de 40 cm, o que os impede a eles, demandantes, de utilizarem o caminho vindo de referir e de por ele acederem ao seu imóvel.

Aduzem que por força destas condutas, e ante a impossibilidade de utilizarem o caminho em causa, a vindima do ano de 2014 demorou um tempo superior ao usual, tendo-se visto forçados a transportar à mão, pela parte interior do prédio de que são proprietários, os cestos contendo as uvas, e a procederem a uma limpeza profunda da zona calcetada do interior desse prédio, a fim de evitar danos permanentes na calçada. Reclamam, por isso, o pagamento de uma indemnização no valor de €250 por cada um dos demandantes.

Regularmente citados, contestaram os Réus, por um lado excepcionando a ineptidão da petição inicial, com fundamento em ininteligibilidade da causa de pedir, até porque, afirmam, sendo o título invocado para a constituição do referido direito de servidão o contrato, a servidão vinda de referir, a existir, ter-se-á extinto por confusão (reunião na mesma pessoa do prédio serviente e do prédio dominante), por outro lado impugnando a factualidade alegada e por fim acrescentando que a invocada servidão de passagem sempre seria desnecessária, porquanto o prédio propriedade dos Autores tem acesso directo e sem incómodos à via pública.

Foi exercido o contraditório relativamente à excepção deduzida e realizada audiência prévia.

Proferido despacho saneador, onde se julgou inepta a petição inicial quanto ao pedido de condenação dos Réus na reparação dos danos provocados no muro, indeferindo-se a arguida excepção quanto ao mais, e se definiram o objecto do litígio e os temas da prova.

Veio a efectivar-se a audiência de discussão e julgamento com a prolação de sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva: “Pelo exposto, o Tribunal decide julgar a presente acção parcialmente procedente por parcialmente provada e consequentemente condenar os RR. a: - reconhecerem que se encontra constituída a favor do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 333 e inscrito na matriz sob o art. 111.º, e onerando o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ... e inscrito na respectiva matriz sob o art. 222.º, de que são proprietários, uma servidão de passagem, a pé e de tractor, para cultivo, aragem e colheita dos frutos decorrentes da actividade agrícola/vinícola; - absterem-se de praticar quaisquer actos que impeçam ou dificultem a passagem dos demandantes, a pé ou de tractor, para o prédio dominante; - entregarem definitivamente as chaves entregues no âmbito dos autos de providência cautelar em apenso bem como a entregarem nova chave sempre que for feita qualquer intervenção/alteração na fechadura; - rebaixarem o pavimento do caminho de servidão na zona de acesso ao portão dos AA. que deita para tal caminho ao nível a que se encontrava anteriormente; - removerem a título definitivo as pedras de granito colocadas na entrada do portão desse portão, absolvendo-os do mais peticionado.

Custas a cargo de AA. e RR. na proporção de ¼ para os primeiros e ¾ para os segundos.

Registe e notifique.” Inconformados, apelaram os Autores da sentença, concluindo as suas alegações da seguinte forma: “CONCLUSÕES: 1. O presente recurso vem interposto da Sentença proferida pela Exma. Senhora Juíza de Direito do Juízo Local Cível de Guimarães, Juiz 3, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Processo N.º 2683/15.8T8BRG, que determinou a constituição de uma servidão de passagem por usucapião, a favor do prédio de que os AA. São proprietários, onerando o prédio pertencente aos RR..

  1. Salvo o devido respeito, não actuou bem a Meritíssima Juíza a quo ao julgar da forma como decidiu, como de seguida se demonstrará.

  2. Com efeito, os Recorrentes não se conformam com a douta decisão, uma vez que consideram que, salvo o devido respeito, o Meritíssimo Tribunal a quo fez uma errada apreciação da prova produzida e da aplicação jurídica aplicável.

    Porquanto, 4. Entendeu a Meritíssima Juiz considerar constituída uma servidão de passagem, a pé e de tractor, para cultivo, aragem e colheita dos frutos decorrentes da actividade agrícola/vinícola, a favor do prédio dos AA. e onerando, por conseguinte, o prédio dos RR..

    Contudo, 5. Antes de mais, deveria a decisão proferida ter dado como provados e com base nos extensos fundamentos supra elencados, a b) dos factos considerados não provados.

  3. Os AA. e RR. são proprietários e vizinhos de terrenos contíguos há vários anos, mantendo uma relação de vizinhança que já provinha dos seus pais e avós, na qual fora constituída uma servidão de passagem.

  4. Conforme refere o artigo 1547º, n.º 1 do Código Civil, “As servidões prediais podem ser constituídas por contrato, testamento, usucapião ou destinação do pai de família” (sublinhado nosso).

  5. Estes títulos constitutivos diferem das servidões legais porquanto são constituídas por um acto voluntário do homem, onde se inclui o contrato enquanto encontro de vontades das partes.

  6. Pelo que, a constituição de uma servidão de passagem por contrato no qual se manifesta a intenção de uma das partes sujeitar o seu prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente à contraparte, nos termos do artigo 1543º do Código Civil, é plenamente válida.

  7. Conforme documentado nos presentes autos, o pai do R. marido e o pai da 1ª A. mulher e 2ª A. marido celebraram um contrato de compra e venda, no ano de 1979, no qual o primeiro vendeu ao segundo o prédio rústico denominado “Leira A”, tendo, no mesmo acto, comprado uma faixa de terreno ao segundo outorgante, com a área de 150 m2, largura de 3,20 m2 e comprimento de 40,30 m.

  8. No negócio jurídico realizado, ambas as partes venderam uma parcela de terreno, adquirindo, simultaneamente, outra parcela de terreno, pelo que ambos figuram como compradores e vendedores no mesmo negócio jurídico realizado.

  9. Conforme entendimento demonstrado pela jurisprudência, “O direito de servidão predial pode ser constituído, inter alia, por contrato exclusivamente dirigido a esse fim, ou especialmente a outro fim dirigido, como é o caso do contrato de compra e venda de um prédio em que o alienante e o adquirente convencionam a servidão sobre o prédio alienado em proveito de outro da titularidade do primeiro.” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo n.º 03P3316, de 30.10.2003).

  10. De facto, no momento da escritura de compra e venda, os pais do RR. e dos AA. decidiram, livremente, estipular uma servidão de passagem, na qual os agora RR. colocavam na disponibilidade dos aqui AA. a passagem pela faixa de terreno por aqueles adquirida, ao referirem “Que para evitar futuras dúvidas esclarecem que se mantém a servidão de passagem pelo caminho já existente na referida faixa de terreno conforme uso e costume”.

  11. Pelo que, os contraentes aceitaram que o pai dos AA. reservasse para si o direito de servidão sobre o terreno que tinha vendido ao pai dos RR. para, dessa forma, aceder ao terreno ora adquirido na mesma escritura de compra e venda.

  12. Assim, não podia o douto Tribunal ter entendido da forma como decidiu porquanto se demonstra de forma clara e segura a constituição de uma servidão de passagem por contrato de compra e venda, no qual se refere a sua constituição conforme vontade...

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