Acórdão nº 3499/11.6TJVNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 08 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelJO
Data da Resolução08 de Fevereiro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I- Relatório 1- José e Maria, instauraram ação declarativa de condenação contra a sociedade, JF Ldª, alegando, em breve resumo, que são donos de um prédio urbano que identificam, onde moram há mais de 20 anos, o qual é contíguo a um outro, pertença da Ré, em que a mesma desenvolve a sua atividade industrial no ramo têxtil e tecelagem de fio.

Inicialmente, as instalações fabris da Ré situavam-se a 50 metros de distância da morada dos AA.. Mas, depois, foram ampliadas, com a construção de pavilhão de 1.300 m2 de área, situado a 14 metros de distância da sua referida morada, no qual a Ré passou a exercer a sua atividade de forma continua e sem para isso estar licenciada.

Sucede que a potência, o número e a proximidade dos teares provocam na sua habitação um ruído e vibrações permanentes que os impedem de levar uma vida normal, designadamente, de ali dormir e descansar, o que lhes causa um enorme desgosto, irritação e nervosismo, afetando a sua saúde psicológica e física, assim como do seu agregado familiar.

O ruído e vibrações indicados provocaram, por outro lado, rachadelas na sala, quartos, cozinha e corredores da sua mencionada habitação.

Acresce ainda o facto do segundo edifício mandado construir pela Ré lhe cortar parte da exposição solar de que beneficiava a sua casa.

Daí que terminem pedindo:

  1. A condenação da Ré a encerrar as suas instalações fabris, em virtude da construção do novo edifício ser ilegal e não possuir licença de construção; b) Caso improceda este pedido, deve a Ré ser condenada a não laborar nas ditas instalações, por os níveis de ruido e vibração provocados na sua casa serem superiores aos legalmente admissíveis; c) Se assim não for entendido, que se condene a Ré a eliminar ou reduzir para valores legalmente admissíveis os níveis de ruido e vibração causados na sua habitação.

d) Em qualquer caso, pedem que a Ré seja condenada a pagar-lhes a quantia de 100 mil euros (atenta a ampliação do pedido admitida), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da citação até integral pagamento.

2- A Ré contestou refutando esta pretensão, porquanto, além de licenciada a sua atividade e construções, também não provoca aquela atividade o ruido e vibrações alegados pelos AA.

Daí que peçam a improcedência desta ação e a sua absolvição do pedido.

3- Em resposta, os AA. reafirmaram a sua posição inicial.

4- Depois de apensada à ação que Manuel instaurou contra a referida Ré, JF, Ldª, chegaram as partes a acordo nessa ação, o qual foi judicialmente homoLCado.

5- A seu tempo, saneou-se o processo e realizaram-se as perícias requeridas.

6- Por fim, teve lugar a audiência de julgamento, após a qual foi proferida sentença que julgou a pretensão dos AA. parcialmente procedente, por provada, e consequentemente, condenou a Ré a cessar a sua atividade no período noturno, que se situa entre as 22,00 horas e as 06,00 horas, e bem assim no dia de descanso semanal, o domingo, além de que a condenou ainda a indemnizar cada um dos AA. em 10.000,00€, pelos danos não patrimoniais sofridos.

7- Inconformada com esta sentença, dela recorre a Ré, terminando a sua motivação com as seguintes conclusões: “1. O Tribunal fez uma errada apreciação da prova quanto aos factos provados n° 16; 17; 18 e 19; 25; 26; 27; 55, 57, 58, 59, 63 e 64; 69; 71 e 113.

2. A errada apreciação da prova decorre em larga amplitude da circunstância do conflito de direitos já ter sido resolvida no decurso do presente processo, nele se incluindo a providência cautelar que decidiu a obrigação da Ré em executar as obras descritas a fls. 695 verso e 696 desse apenso.

3. A matéria de facto incorretamente dada como provada, nos termos supra expostos, descurou a existência de um “antes” e um “depois” neste processo, em especial no âmbito da providência cautelar.

4. O “antes”, o alegado incómodo, terminou com a execução das obras, o “depois”, que cessou com o alegado incómodo, começou após a partir daí.

5. O “antes” situou-se entre as datas das primeiras reclamações, bem situada pelo Tribunal a quo entre o dia 15 de Abril de 2008 - factos n° 79 e 80 dados como provados - e a data das últimas intervenções efetuadas, que podem ser localizadas entre finais de 2010 e inícios de 2011.

6. O “depois” está sustentado na prova pericial produzida na ação principal, que serviu para demonstrar que aquelas medidas alcançaram o efeito pretendido.

7. Quanto ao ruído, observámos pelo relatório acústico realizado pelo Ministério da Economia em Maio e Junho de 2012 que a Recorrente cumpria com o critério de incomodidade e quanto à vibração, temos o relatório da LC, realizado em Março de 2016, que vem dizer que os valores medidos não excedem os critérios recomendados para a utilização de edifícios residenciais em período noturno, retomando, dizemos nós, as conclusões a que a SPS tinha chegado em Dezembro de 2010.

8. O ensaio às vibrações realizado pelo LNEC, em Novembro de 2013, não deve merecer qualquer credibilidade.

9. É uma perícia incompleta, porque não foi realizada no período noturno; deficientemente feita, porque não foi medida a vibração com a fábrica parada; metodoLCicamente errada, porque se aplicou uma norma técnica que em nada se equipara ao caso vertente (apura somente a vibração impulsiva, que não a vibração contínua constatada); obscura, porque não explica o porquê dessa “pseudo” violação e, por último, desvirtuada nas suas conclusões atentos os vícios anteriores.

10. Os relatórios médicos juntos aos autos, à semelhança das declarações dos Autores e das testemunhas por si arroladas (aquelas que estiverem todas reunidas em casa dos Autores no domingo que antecedeu a sua inquirição, porque todas falaram nisso), salvo o devido respeito que merecem, não têm condão de separar o trigo do joio, de evidenciar o “antes” e o “depois”, porque entroncam todas num único e exclusivo denominador comum: aquilo que os Autores declararam e nada mais do que isso.

11. São os próprios Autores quem, em sede de declarações de parte, vieram afirmar que “o barulho está pior” pelo que está tudo dito, quanto à credibilidade das suas afirmações.

12. Note-se que o Tribunal a quo foi perspicaz ao notar que in casu existia bastante exagero nas queixas/alegações apresentadas pelos Autores, ao ponto de considerar não provado (parcialmente) certos factos - veja-se, na parte “Factos prejudicados, não provados ou não provados parcialmente”, os factos n° 17, 18 e 19, 20, 21, 22, 25, 26, 27, 33, 36, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 61, 62, 65, 66, 67, 68, 70, 71 e 72, mas devia e podia ter ido mais além.

13. Note-se igualmente que a última ampliação fabril da Recorrente data de 2002, laborando desde então em período noturno, mas os Autores só começaram a queixar-se em 15.04.2008 e é o próprio Autor José que admite que só se queixou em 2008 em virtude de ter visto obras de aterro para construção do terceiro pavilhão, que não foi avante.

14. O que fundou as reclamações não foi tanto o ruído e a vibração mas sim a expetativa de terem a fábrica novamente ampliada e mais perto da sua casa de habitação, daí não terem efetuado qualquer reclamação antes dessa data, nomeadamente nos seis anos anteriores, desde que aquela última ampliação ocorreu.

15. Não deixa ainda de ser sintomático que o Autor José, em sede de declarações de parte, tenha admitido que a sua esposa Maria nunca deixou de pernoitar no quarto onde habitualmente dormia, quarto esse que é o que fica mais próximo da fábrica e quando existiam outros quartos (mais dois) naquela casa, mais distantes daquela unidade industrial.

16. Este conjunto de factos permitem concluir que não estamos perante pessoas de especial sensibilidade às baixas vibrações, ao ponto de afastar o critério do homem médio e aproximar a pessoa individualizada.

17. Numa lógica de razoabilidade, do dever ser, não seria expetável, lógico, que alguém aceitasse voluntariamente colocar-se numa situação de desconforto, o caso da Maria, e que até argumentasse que ia dormir para um barraco (que não se deu como provado - facto n° 51), o caso do José, se de facto esse incómodo existisse.

18. Uma coisa é a perceção da vibração, outra diferente é o incómodo. A primeira existe e continuará a existir, a segunda já não.

19. O Tribunal fez uma errada apreciação da prova quanto aos factos não provados n° 86; 87; 90; 93, 94 e 95; 103 e 104; 106; 107; 108; 109; 110; 111 e 112.

20. Os Autores não vivem num local ermo. Eles residem numa zona mista, onde convivem casas de habitação com indústrias, onde é percetível o elevado e constante tráfego da EN 206 que liga Famalicão à Guimarães (todos os relatórios acústicos o confirmam), onde passam viaturas junto ao caminho, onde os cães ladram, enfim, onde são sujeitos ao normal e suportável devir da sociedade moderna.

21. A supressão do terceiro turno inviabiliza a atividade da empresa.

22. A prova dessa factualidade emana dos documentos 14 a 18, das declarações prestadas pelo Diretor Financeiro da Recorrente e, inclusive, por constituírem em larga medida factos notórios, sem necessidade de grande prova adicional, atenta a circunstância de não se ver interesse em pedir autorização à Inspeção do Trabalho para poder laborar em regime contínuo se tal não fosse estritamente necessário por motivos económicos e de mercado.

23. O Tribunal aplicou indevidamente o disposto no art. 335° n° 2 do Código Civil, atento o ultrapassado conflito entre os direitos de personalidade dos Autores e o direito à iniciativa económica da Ré.

24. É certo que nada é absoluto, mas os Autores não são pessoas de especial sensibilidade ao ruído e às vibrações (se assim fosse não se poriam a fazer reclamações só porque receavam uma ampliação da unidade fabril, nem dormiriam na cama que sempre dormiram) nem nenhuma prova aponta sequer nesse sentido, ao ponto de merecerem uma tutela reforçada, só porque sim, só porque continuam a queixar-se.

25. Uma medida como a aplicada, que...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT