Acórdão nº 646/12.TBBCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 01 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelCARVALHO GUERRA
Data da Resolução01 de Fevereiro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 1ª Secção Civil do Tribunal da Relação de Guimarães:* J. F.

propôs a presente acção com processo comum e forma ordinária contra o “Banco A, SA, Sociedade Aberta”, pedindo a condenação do Réu a restituir-lhe a quantia de euros 307.151,05, acrescida dos juros legais, desde a data da propositura da ação, até efetivo e integral pagamento, quantia fixada após redução do pedido operada em 05.09.2016.

Para tanto alega em síntese que, por via da longa relação que mantinha com o Réu, quer enquanto seu cliente, quer enquanto gerente de empresas que eram clientes do Réu, foi sedimentando uma grande relação de confiança nas recomendações do Réu em matéria de investimentos e aplicações financeiras, no pressuposto, conhecido e entendido pelo Réu, de que era avesso e contrário a efectuar aplicações com risco, ou seja, em que o capital por si investido pudesse sofrer depreciação, ou que não obtivessem liquidez e fossem imediatamente fungíveis em numerário à primeira solicitação.

Porém, abusando dessa confiança depositada pelo Autor, o Réu veio a adquirir diversos produtos financeiros aplicando nos mesmos as economias que o Autor tinha depositadas no Banco sem que as mesmas fossem autorizadas pelo Autor.

O Réu não informou ou esclareceu o Autor de que estas aplicações poderiam envolver risco de perda de capital e juros, bem sabendo que o Autor jamais concordaria com a aquisição de tais títulos caso estes envolvessem risco de perda de capital. O Autor assinou duas autorizações de débito e aquisição desconhecendo qual o sentido, significado e conteúdos dos títulos em alusão, sendo certo que desconhecia as empresas a que os mesmos se reportavam.

Conclui o Autor, dizendo que a actuação do Réu não assentou em qualquer contrato prévio, escrito ou verbal, que lhe conferisse o direito de proceder àqueles investimentos em representação do Autor e que esses investimentos não autorizados e não informados causaram-lhe prejuízos no valor de euros 307.151,05.

O Réu, regularmente citado, veio contestar invocando as excepções de incompetência territorial e prescrição e dizendo em síntese que o Réu, na pessoa dos seus funcionários, agiu sempre de acordo com a vontade do Autor e com as instruções recebidas do mesmo e que a responsabilidade pelo pagamento é da inteira responsabilidade da entidade emitente, facto do qual o Autor sempre teve conhecimento. Acrescenta que o Autor foi informado das características dos produtos financeiros adquiridos e sempre recebeu os avisos de lançamento e extractos onde vinham descritos e inscritos os investimentos efetuados e que eram emitidos mensalmente.

O Autor respondeu à matéria das excepções no sentido da sua improcedência.

Foi proferido despacho saneador, tendo sido julgada improcedente a excepção de incompetência territorial, selecionaram-se os factos assentes e a base instrutória.

A final, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, condenou o Réu a pagar ao Autor a quantia correspondente ao valor do capital investido, acrescido dos juros legais, deduzido de todos os montantes a título de capital e juros recebidos, cujo apuramento se relegou para liquidação de sentença.

Desta sentença apelou o Réu, que conclui a sua alegação da seguinte forma: 1ª. o julgamento da matéria de facto vertido na decisão recorrida, na parte em que dá como provada a versão trazida a estes autos pelo Autor é, data vénia, chocante pois reflecte uma realidade que não resultou de qualquer prova produzida nestes autos e que é, aliás, contrária àquela e às próprias regras da experiência comum: a impugnação da matéria de facto é, pois, extensa, mas sinalagmaticamente não mais extensa do que o erro de julgamento em que o Tribunal a quo laborou consistindo o caso dos autos um manifesto exemplo onde o duplo grau de jurisdição deve ser efetivamente garantido.

2ª. A presente acção não é mais do que o reflexo dos tempos em que vivemos, em que certos e experientes investidores, em lugar de encaixarem as perdas de cabeça tão erguida quanto amealharam durante décadas os fartos ganhos, procuram responsabilizar os Bancos por apostas que esclarecidamente quiseram, aproveitando-se de uma empírica presunção de ilicitude que paira sobre a atuação das instituições de crédito no nosso país: daí que seja resoluta a nossa indignação face ao julgamento da matéria de facto.

3ª. Nos presentes autos, o Autor insurge-se contra o Banco Recorrente por alegadamente ter aplicado, sem para tal estar autorizado, o seu dinheiro na subscrição de sete títulos obrigacionais e ainda por não o ter esclarecido dos riscos inerentes à subscrição de dois produtos financeiros daquela natureza cuja autorização (porque existe documento escrito assinado por si) confessa ter dado, sob pretexto de ser pessoa totalmente avessa a risco, facto que era do conhecimento do Banco.

4ª. Ora, tendo resultado provado que o Autor, experiente empresário de profissão há mais de 20 anos, no período de mais de dez anos que precedeu às subscrições em causa nestes autos e enquanto cliente da rede de retalho do banco, por si e só por si, através de ordens expressas transmitidas por si ao banco nesse sentido, destinou mais de 5 milhões de euros a investimentos em acções, obrigações e fundos de obrigações, fazendo suas as mais-valias que obteve com a venda daqueles instrumentos financeiros e encaixando as perdas que sofreu: tendo resultado isto provado (além de outros factos descritos em texto e que neste particular relevam) como é que o tribunal a quo conclui, sem nenhuma prova nesse sentido, que o banco sabia que o Autor era avesso e contrário a efectuar aplicações com risco de perda de capital?; 5ª. Tendo resultado provado que a subscrição das obrigações em causa nestes autos e que tiveram lugar em 2007 foram comunicadas ao Autor por carta, que este recebeu avisos de lançamento das mesmas, que mensalmente recebe os extractos onde vinham descritos os investimentos, com menção da volatilidade dos títulos, nunca se tendo insurgido quanto a estes documentos, que fez suas as quantias creditadas a títulos de juros, estando tudo isto provado, como é que o Tribunal a quo, sem qualquer prova nesse sentido, dá também como provado que o Autor não deu ordem de subscrição daquelas obrigações, fazendo tábua rasa da jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal de Justiça citado em texto que rege que estes documentos constituem prova plena das ordens em valores mobiliários?; 6ª. De todo o modo, sempre se diga que era ao Autor que cabia provar os factos constitutivos do seu direito – falta de autorização e violação do dever de informação – e não ao banco fazer prova do seu contrário, apesar de o banco Recorrente estar convicto que logrou fazer essa prova.

7ª. Nenhuma das testemunhas arroladas pelo Autor demonstrou ser conhecedora da relação existente entre este e o Banco A, nem tão pouco ter assistido ao que quer que fosse a respeito das subscrições em causa nestes autos: e não se diga, tal como fez o tribunal a quo, que o facto daquelas testemunhas terem afirmado que o Autor apenas investia e queria investir em depósitos a prazo ditos tradicionais nas instituições de crédito onde prestam serviços, permite concluir que o Autor não efectuou as subscrições que estão em causa nestes autos e as duas que subscreveu o fez sem estar ciente dos riscos, até ponderando as próprias declarações do Autor em sede de depoimento de parte que se demonstraram comprometidas e contraditórias!...

8ª. Ao invés, as testemunhas que o banco apresentou são os funcionários bancários da rede Private que a tudo assistiram, tendo prestado depoimentos directos, isentos e totalmente consistentes com as regras da experiência comum, não tendo o tribunal a quo sequer apresentado qualquer justificação para ter feito total tábua rasa destes depoimentos: 8.1ª) o gestor de conta A. M. que acompanhou o Autor desde a passagem da rede de retalho para o Private em 2007 e com ele reuniu várias vezes e a quem foram transmitidas pelo Autor, de forma esclarecida, as ordens de subscrição em causa nos autos, que esta testemunha executou, assim como muitas e muitas outras, com as mesmas características, que não são aqui questionadas e que constam dos inúmeros extractos juntos aos autos; 8.2ª) a especialista de investimento, S. S., que preparou e apresentou discriminadamente ao Autor uma proposta de investimento que continha a descrição do tipo das obrigações em causa nestes autos e que, em 2009, passou a ser gestora do Autor, a quem entregou, a pedido deste, as fichas técnicas de todos os títulos em causa e que afirma que o Autor é um comerciante de mão cheia, experiente e informado e que foi ele que deu as ordens que estão no centro da presente acção; 8.3ª) o Diretor da rede Private, N. A., que reuniu com o Autor em Agosto de 2009 e que afirma peremptoriamente que o Autor sabia as características das obrigações que tinha subscrito; 8.4ª) a especialista de investimento, Maria, que veio explicar pormenorizadamente ao Tribunal que as obrigações em causa nestes autos, à data em que foram subscritas, eram vistas pelas próprias agencias internacionais de rating como um investimento prudente, com um grau de risco médio/baixo e que foi assim que foi apresentado ao Autor, sendo que ninguém esperava que iria haver uma mudança de paradigma no sistema financeiro, com a crise de 2007/2008, que conduziu a uma desvalorização abrupta destes títulos; 8.5) a acrescer, a farta prova documental constante dos autos, nomeadamente os extractos da conta de títulos do Autor e referente à rede de retalho, os extractos da conta do Autor referentes ao...

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