Acórdão nº 505/15.9.T8BCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 01 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução01 de Fevereiro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes na 1ª Secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães: 1. RELATÓRIO Os Recorrentes, instauraram a presente acção contra os Recorridos, pedindo que:

  1. Se declare que autores são donos e legítimos proprietários do imóvel, condenando o réu a reconhecer aos autores o direito de propriedade sobre o imóvel em causa e parcialmente ocupado pelo réu.

  2. Se condene o réu a restituir aos autores a parte do imóvel que ilicitamente ocupa, entregando-o livre de pessoas e bens.

  3. Se condene o réu a pagar aos autores €.100,00 por cada mês de ocupação ilegal do imóvel, desde de 30 de Setembro de 2014 até a entregar definitiva do mesmo.

    O réu, contestou a acção e simultaneamente deduziu reconvenção.

    Termina o seu articulado pedindo que: a)seja declarada a excepção dilatória de ilegitimidade passiva; b) seja o réu absolvido de todos os pedidos contra si formulados.

    Em reconvenção, pede que: a) se declare e reconheça a aquisição por usucapião do direito de propriedade do réu/reconvinte sobre a parcela de terreno onde está implantada a casa do mesmo, as áreas, confrontações e demais elementos identificativos a serem fornecidos pela perícia topográfica a efectuar; b) se condene os autores/reconvindos a reconhecer o direito referido; c) se ordene a rectificação da descrição do prédio dos autores/reconvindos, melhor identificado no art. 1.º da petição inicial, junto da Conservatória do Registo Predial, no que diz respeito à área. Pede ainda que os autores/reconvindos sejam condenados em multa e indemnização a atribuir ao réu/reconvinte em montante não inferior a €.3.000,00 por litigância de má fé.

    A pedido de ambas as partes, foi admitida a intervir na qualidade de ré/reconvinte a Recorrida A. F..

    Esta declarou que fazia seus os articulados apresentados pelo réu.

    Na audiência de julgamento, os autores pediram que seja declarada a nulidade da aquisição por usucapião invocada pelos réus, por violação das normas urbanísticas que proíbem os loteamentos ou destaques ilegais (cfr. acta de fls. 266), tendo os réus/reconvintes, defendido que não assiste razão aos autores.

    Instruída a causa, e realizada a sua audiência de julgamento, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo.

    “Pelo exposto, o Tribunal decide: A. Julgar a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolver os réus Manuel e A. F. dos pedidos formulados pelos autores José e Maria.

    1. Julgar a reconvenção parcialmente procedente e, em consequência: a. Reconhece-se os réus/reconvintes como proprietários da parcela de terreno de área não concretamente apurada mas sempre superior a 118 m2 e inferior a 154 m2 (e que corresponde à área da construção e ao pátio que se situa entre a construção e as escadas), que fazia parte do prédio identificado em 3) dos factos provados.

  4. Condenam-se os autores/reconvindos José e Maria a reconhecer que os réus/reconvintes são proprietários da parcela de terreno de área não concretamente apurada mas sempre superior a 118 m2 e inferior a 154 m2 (e que corresponde à área da construção e ao pátio que se situa entre a construção e as escadas), que fazia parte do prédio identificado em 3) dos factos provados.

  5. No mais absolvem-se os autores/reconvindos José e Maria do pedido.

    1. Absolvem-se os autores/reconvindos José e Maria do pedido de condenação como litigantes de má fé.

      As custas da acção são suportadas pelos autores e as custas da reconvenção são suportadas por autores e os réus, na proporção de 2/3 e 1/3, considerando o desfecho dos vários pedidos formulados pelos réus/reconvintes.” *Não se conformando com a decisão, dela apelaram os Autores, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que a seguir se reproduzem: 1. O Tribunal “a quo” deveria, salvo do devido respeito, ter dado como provado que “Antes de 1993, o réu ocupou uma pequena casa situada em parte do prédio identificado em 3), com cerca de 40 m2, por autorização e consentimento dos anteriores proprietários.”, como o revelaram os depoimentos dos AA. e das testemunhas Joana e Tiago.

      1. Deste fato provado deriva imediatamente a posse dos RR. foi sempre precária ou mera detenção, pelo que, com dispõe o art.º 1290.º do Código Civil, não podem adquirir para si, por usucapião, o direito possuído.

      2. Do mesmo modo, deveria ter sido dado comos provados que “Na data da celebração da escritura de compra e venda referida em 1), o réu solicitou aos autores que o deixassem continuar a habitar na casa referida em 13), pelo estrito período de tempo necessário a que conseguisse reunir as condições financeiras para reconstruir a casa referida em 10), em elevado estado de degradação” e “Nunca até Agosto de 2014, o réu se arrogou proprietário do imóvel, muito pelo contrário, sempre afirmou perante os autores e toda a freguesia que habitava imóvel por consentimento destes e que esperava ter condições financeiras para reparar a sua casa no terreno contíguo, onde pretendia passar a viver”, como o demonstram os depoimentos prestados pelos recorrentes e pela testemunha Joana.

      3. Destes factos provados fica assim demonstrado que a posse dos RR. Não tem animus, pelo que também assim não poderiam os RR. adquirir por usucapião.

      4. Acresce ainda que é entendimento dos recorrentes não ser permitida ou reconhecida a aquisição por usucapião de uma parcela de terreno de um prédio urbano que contrarie disposições legais imperativas respeitantes ao loteamento ou ao destaque, pois estamos perante uma operação urbanística ilegal.

      5. Na verdade, aquisição por usucapião pelos recorridos contraria as normas imperativas contidas nos artigos 4.º, n.º 1 e 2, alínea a) e artigo 6.º n.º 1 alínea d), n.º 4 e 8 do Decreto Lei 555/99, de 16/12, Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, pois reflete uma operação de loteamento da qual resultam dois lotes, sendo um, pertença dos RR., e o outro dos recorrentes, sem que tivesse sido emitido qualquer alvará de loteamento, nem qualquer tipo de licença, não podendo igualmente tratar-se de um destaque legal, porquanto não foi alegado nem provado que a construção existente dispõe de projecto aprovado pela Câmara Municipal B.

      6. As normas legais quando ao licenciamento de operações de loteamento ou de destaque são a natureza imperativa, considerando os fins públicos que entidades públicas prosseguem nesta matéria.

      7. As normas relativas ao ordenamento do território proíbem os loteamentos ou destaques ilegais, enquanto resultado, também proíbem os meios indirectos de lá chegar, como acontece com a usucapião, se a posse que se invoca contraria disposições legais imperativas como as que disciplinam o loteamento, o destaque ou o fraccionamento de prédios, assim, aquele acto jurídico está ferido de nulidade, atento o disposto nos artigos 294.º e 295.º do Código Civil.

      8. Acresce, ainda, que permitir uma operação urbanística ilegal através da usucapião teria a consequência de se estabelecer um prazo de prescrição para as infracções urbanísticas, quando o vício da nulidade que decorre da legislação sobre loteamentos pode ser invocado a todo o tempo e por qualquer pessoa. Com uma decisão dessa natureza, o juiz estaria a impor prazos para a nulidade de actos e para a tomada de medidas de reposição da legalidade urbanística.

      9. Por conseguinte, face às limitações impostas à validade destas operações urbanísticas, não podem os actos de posse baseados num facto proibido pelas leis de loteamento permitir uma aquisição por usucapião na medida em que contrários a uma disposição de carácter legal imperativo (artigo 294.º do Código Civil).

      10. A aquisição por usucapião pelos recorridos da parcela de terreno de área não concretamente apurada mas sempre superior a 118 m2 e inferior a 154 m2 (e que corresponde à área da construção e ao pátio que se situa entre a construção e as escadas), que fazia parte do prédio inscrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...9, da freguesia de …, o prédio urbano sito no …, composto de casa de rés-do-chão com 45 m2, logradouro com 200 m2, que confronta de norte e sul com Ricardo, nascente Joana e poente com caminho, o qual pela ap. 35/921229, foi averbado a favor de Joana casada com Tiago, por sucessão por morte de Joaquim, viúvo, é dividir este prédio urbano em dois novos prédios ou, melhor, criar um novo prédio, a partir de um prédio já existente e previamente descrito, o que constitui uma verdadeira operação urbanística.

      11. Ora, dos autos não resulta que esta operação urbanística tenha sido precedida de qualquer procedimento administrativo que configure um loteamento urbano ou sequer um destaque legalmente admissível.

      12. Como tal, não se encontram reunidos, em face do referido regime legal, os pressupostos para que possa ser considerada válida a operação urbanística que decorre a aquisição por usucapião em causa nos autos, pelo que deve a mesma ser considerada nula.

      13. Decorre do artigo 202.º do Código Civil que a constituição de relações reais sobre uma coisa e, consequentemente, a aquisição da propriedade por usucapião de uma parcela de um imóvel pressupõe a sua autonomização material e jurídica – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06032014 –, não sendo a nossa ordem jurídica favorável a que sejam objecto de relações jurídicas partes de imóveis sem a sua prévia autonomização.

      14. Daí que fosse necessário, enquanto facto constitutivo da pretensão formulada, a alegação e demonstração da observância dos procedimentos legais obrigatórios à regularidade da respectiva operação urbanística que consistiu na criação de um imóvel a partir da divisão de um outro, em concreto, os procedimentos urbanísticos respeitantes aos loteamentos ou destaque por estar em causa uma parcela de terreno urbano onde foi edificada uma casa pelos recorridos.

      Nestes termos e nos melhores de direito deve ser concedido provimento ao presente recurso e alterada a douta decisão recorrida nos termos pugnados.

      Em contra alegações os Recorridos concluem… A. Porque face às conclusões vertidas no recurso apresentado pelos recorrentes...

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