Acórdão nº 290/15.4T8PRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 01 de Fevereiro de 2018
Magistrado Responsável | JO |
Data da Resolução | 01 de Fevereiro de 2018 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO: S. A., residente no lugar do …, freguesia de …, em Vila Real, intentou a presente acção declarativa, com processo comum, contra S. A. e mulher, R. P., e M. R. e marido, R. R., todos residentes na mesma freguesia, os primeiros no lugar da … e os segundo no lugar do …, pedindo a condenação destes a reconhecerem o seu direito de propriedade sobre ¼ indiviso de um prédio, que identifica, e a reconhecerem que lhe assiste o direito de preferência na aquisição da quota indivisa, igualmente correspondente a ¼, que os primeiros RR venderam aos segundos RR, sendo estes substituídos pelo demandante na respectiva titularidade e ordenando-se o correspondente registo de aquisição a seu favor.
Devidamente citados os RR, apenas os segundos vieram contestar, sustentando que o preço acordado e pago foi superior ao declarado na escritura pública, ascendendo a €10.000,00, e bem assim que a parcela de terreno vendida se encontra delimitada do restante terreno há cerca de 80 anos e que desde então a vêm possuindo como seu fossem seus únicos proprietários, pelo que a adquiriram por usucapião, peticionando, em via reconvencional, o reconhecimento desse seu direito.
Pugnam ainda pela improcedência da acção.
Notificado, o A. respondeu à reconvenção, admitindo que o prédio foi dividido materialmente, mas sustentando que essa divisão viola a proibição de fracionamento constante do artigo 1376º do Código Civil e que, a ser considerada admissível, a parcela dela resultante confina com a sua, pelo que sempre lhe assistiria direito de preferência relativamente à transmissão operada, ao abrigo do disposto no artigo 888º do Código Civil, deduzindo a pertinente alteração do pedido e da causa de pedir.
Após contraditório dos Reconvintes e convite ao aperfeiçoamento dirigido ao Autor e a que este correspondeu, foi realizada audiência prévia, no decurso da qual se proferiu despacho saneador, admitindo-se a reconvenção e a alteração da causa de pedir e do pedido, seguido de despacho a identificar o objecto do litígio e a identificar os temas de prova, que não mereceu qualquer reparo.
Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença a julgar totalmente improcedentes a acção e a reconvenção.
Inconformado, o Autor interpôs recurso, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões: 1 - Estando em causa na presente acção de preferência o preço real do respectivo negócio que os próprios contratantes alegaram ter sido simulado em virtude de o declarado na escritura ser muito inferior ao real, respectivamente 500€ e 10.000€, aceita-se que fosse admitida prova testemunhal por haver um princípio de prova documental; 2 - Contudo, tendo os segundos RR (compradores) alegado que o preço por eles referido como sendo o real (10.000€) foi pago em duas prestações iguais (de 5.000€ cada uma), o princípio de prova documental existe em relação à primeira delas consistindo em documento comprovativo de uma transferência bancária desse valor de uma conta da titularidade dos compradores para outra dos vendedores; 3 - Em relação à outra prestação (também de 5.000€) alegadamente paga em dinheiro, considerou-se na sentença também constituir um princípio de prova documental um comprovativo de transferência da quantia de 6.000€ da conta dos RR compradores para a conta do pai da Ré mulher compradora e comprovativo do levantamento, no mesmo dia, dessa mesma importância; 4 - Ora, a nosso ver, esses dois documentos (um comprovativo de transferência e outro de levantamento) de forma alguma poderiam considerar-se princípio de prova documental do pagamento da referida segunda prestação, pela simples mas decisiva razão de que não ostentam qualquer relação objectiva com o aludido pagamento. Além disso, porque tendo sido alegado que o indicado montante (6.000€) tinha sido para pagar a prestação (5.000€) e à solicitadora (1.000€), este último pagamento só foi efectuado cerca de mês e meio depois. Além disso, como também era preciso pagar as demais despesas (custos da escritura e registo) é de presumir que também a essas se destinasse o levantamento efectuado (até porque os RR não alegaram ter utilizado outro dinheiro), caso em que a respectiva importância já não seria suficiente; 5 - Sendo acolhido, como esperamos, este nosso entendimento com a consequente anulação da decisão de dar como provado o pagamento da referida segunda prestação, tanto basta para a acção ser julgada procedente, reconhecendo-se ao A. o seu direito de preferência pelo preço constante da escritura, ou pelo preço de 5.000€ que este aceita e admite ter sido efectivamente pago; 6 - Mesmo que assim não se entenda, deverá anular-se a decisão da matéria de facto correspondente ao alegado preço real e respectivo pagamento (pontos 9, 10, 11 e 12 da "Fundamentação" da sentença recorrida porque se baseou nos depoimentos dos 1ºs RR. vendedores, já que, tendo sido requeridos pelos 2ºs RR. compradores e não tendo eles contestado, nunca podiam resultar em confissão, sendo que o A. tomou expressa posição no sentido de não serem admitidos; 7 - Se também assim não se entender, não podia a Mma Juiz a quo desatender o depoimento da co-Ré vendedora por ser "hesitante e reticente" e "revelar uma evidente parcialidade". Tratando-se de uma pessoa que teve participação directa e pessoal na escritura e, precisamente, por isso, dizendo ter visto nessa circunstância, o pagamento (em notas) da alegada segunda prestação, o facto de o seu depoimento não ser credível devia ser analisado e valorado como tal para, em conjugação com os demais, servir de base à decisão sobre a factualidade em questão; 8 - Acresce que a restante prova produzida se mostrou insuficiente e inquinada das maiores contradições e inverosimilhanças, mais que suficientes para o julgador não poder furtar-se a sérias e insanáveis dúvidas, tanto bastando para que a matéria em causa não pudesse ser dada como provada; 9 - Desde logo, quanto à Ré mulher vendedora que tanto diz que viu o dinheiro como logo a seguir diz que não sabe (v. min. 9.20) e a seguir volta a dizer que viu mas não saber mais nada (v. min. 11.35). Além disso, disse que quem pagou foi o Zé (só podendo referir-se ao pai da Ré compradora (v. min. 9.20), J. R., quando este afirmou peremptoriamente nem sequer ter ido à escritura e o marido dela disse quem lhe deu o dinheiro foi o R. R. (v. min. 6.45); 10 - Também o depoimento do Réu marido vendedor S. A. foi de molde a suscitar muitas dúvidas, nomeadamente quanto à declaração do preço na escritura (v. min. 2.53) e à razão da respectiva simulação, assim como quanto ao alegado preço da compra e venda ("o que lhe veio à cabeça"- v. min. 7.40) e por dizer que os compradores não regatearam quando, segundo a testemunha M. M., o máximo que aquele terreno poderia valer era 3 ou 4.000€ ( v. min. 4.00) e 10.000 "nunca, nem pensar" (v. min. 5.58). De igual ou maior inverosimilhança com a consequente falta de credibilidade se reveste o mesmo depoimento no tocante à posse do prédio. Decerto que ninguém acreditará que o dono de um prédio revele total desconhecimento ("não tenho ideia nenhuma" - v. min. 8.00) sobre quando esse seu prédio passou para as mãos de outra pessoa; 11 - Igualmente pouco credível se mostrou o depoimento do pai da Ré mulher compradora, o mencionado J. R.. Desde logo, porque, apesar de dizer ter sido ele a tratar de tudo com a solicitadora (v. min. 12.13), nem saber se ele próprio ou outra pessoa falou com os vendedores sobre o preço a constar da escritura (v. min. 14.10). Não menos incompreensível é o facto de primeiro dizer que foi a Lamego no dia da escritura porque acompanhava sempre o genro (R. R. - Réu marido comprador) para depois dizer que também precisou de lá ir para depositar um cheque (v. min. 22.20 e 22.42) e apesar de andar sempre com o genro, não o acompanhou na circunstância mais importante que foi a celebração da escritura (v. min. 12.13), além de que a testemunha M. F. (funcionária bancária com quem tratavam de tudo na Banco A, agência de Lamego) o desacreditou ao praticamente assegurar que naquele dia (da celebração da escritura) "nem um nem outro" (referindo-se ao sogro e genro) fizeram qualquer outra transacção, além da transferência e levantamento de 6.000€ (v. min. 12.04), ou seja, não foi efectuado qualquer depósito; 12 - Por tudo quando fica exposto, o recorrente entende que, com base numa mais correcta análise e valoração crítica e conjugada de toda a prova, devia concluir-se pela não demonstração da factualidade constante dos pontos 9, 10, 11 e 12 da "Fundamentação" da sentença recorrida cuja decisão contrária expressamente se impugna; 13 - Assim não se tendo entendido e decidido entende o A. que a sentença recorrida não traduz a melhor e mais correcta interpretação e aplicação ao caso das pertinentes disposições legais, nomeadamente dos artigos 393º, 394º e 342º, nº1, 453, nº3 e 1410, nº1, todos do C. C. Civil, enfermando ainda de incorrecta análise e valoração da prova produzida.
Termina, pedindo que se julgue procedente a acção, reconhecendo-se-lhe o direito de preferência pelo preço constante da escritura ou pelo preço de 5.000€ ou, subsidiariamente, que se determine a anulação da decisão de mérito da causa para, após despacho da decisão da matéria de facto, lhe ser dada a oportunidade de se pronunciar quanto ao exercício do seu direito de preferência pelo preço real dado como provado e, no caso afirmativo, proceder ao depósito da quantia em falta correspondente à diferença entre o preço declarado e o que se deu como provado (10.000€).
Igualmente inconformados, os RR/Reconvintes também recorreram, concluindo a sua alegação nos seguintes termos: 1 - Na presente ação o autor/reconvinte propunha-se ver reconhecido o direito de preferência na aquisição da quota indivisa de 1/4 que os réus/reconvintes adquiriram através de escritura de compra e venda com referência ao prédio rústico, de que são comproprietários na proporção de 3/4 (três quartas)...
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