Acórdão nº 5091/16.0T8VNF-B.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 01 de Fevereiro de 2018
Magistrado Responsável | MARIA JO |
Data da Resolução | 01 de Fevereiro de 2018 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
I - RELATÓRIO 1.1.
Decisão impugnada 1.1.1.
Nos autos principais de insolvência relativos a Empresa X, Limitada, com sede na Rua …, em Braga (que com o nº 5091/16.0T8VNF-B.G1 correm termos pelo Juízo de Comércio de Vila Nova de Famalicão, Juiz 2), foi proferida sentença em 12 de Agosto de 2016, declarando a insolvência da dita Sociedade, que a ela se apresentou em 10 de Agosto de 2012.
1.1.2.
O Ministério Público deduziu o presente incidente de qualificação de insolvência, nos termos do art. 188º, nº 1 do C.I.R.E., pedindo que a pertinente a Empresa X, Limitada fosse considerada culposa.
Alegou para o efeito, em síntese: inexistir contabilidade da Insolvente relativa ao ano de 2016; e ter vindo a Sociedade a acumular prejuízos nos exercícios económicos relativos aos últimos três anos, sem que se tenha apresentado tempestivamente à insolvência.
1.1.3.
O Administrador de Insolvência apresentou o parecer a que alude o art. 188º, nº 3 do C.I.R.E.
, defendendo que a insolvência deveria ser qualificada como fortuita.
Alegou para o efeito, em síntese, e relativamente à inexistência de contabilidade organizada da Insolvente: apenas não existir a mesma desde 1 de Janeiro de 2016, estando ainda a demais devidamente depositada na Conservatória do Registo Comercial; no período em falta, a Insolvente já não tinha actividade, pelo que a omissão reconhecida não teria impedido significativamente a percepção sobre a sua verdadeira situação patrimonial e financeira; e sendo os activos os que sempre existiram e constam dos mapas de Depreciações e Amortizações, e não tendo a Insolvente quaisquer stocks - por se dedicar exclusivamente à cedência de mão-de-obra na execução de empreitadas de construção civil -, não se teria verificado qualquer dissipação do seu património.
Compreender-se-ia, por isso, que não qualificasse o incumprimento da omissão de contabilidade organizada «em termos substanciais», e «com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor».
Defendeu, assim, não se encontrar verificado o condicionalismo previsto no art. 186º, nº 2, al. h), do C.I.R.E..
Já relativamente à falta de oportuna apresentação à insolvência, prosseguindo uma exploração deficitária nos últimos três exercícios, esclareceu em síntese que: a Insolvente teria acreditado tratar-se de uma conjuntura momentânea, resultante da crise económica que afectava o país e, de forma especial, o sector de actividade em que se inseria (construção civil); a sua expectativa não se confirmou unicamente mercê de uma inspecção inesperada levada a cabo pela Autoridade Tributária, que lhe exigiu o pagamento de impostos e coimas fiscais, tornando-lhe desde aí impossível a liquidação da generalidade das suas obrigações; e o pagamento das mesmas mostrava-se assegurado até então, por meio de suprimentos, sendo estes que permitiram manter a actividade da Insolvente após o enceramento do exercício de 2012 (em que se tornou possível concluir pela sua insolvência iminente, dado que já não dispunha de meios próprios capazes de liquidar a totalidade das suas responsabilidades vencidas, nem veio a ter capacidade para gerar proventos económicos para o efeito).
Compreender-se-ia, por isso, que: a Insolvente não tivesse dívidas a fornecedores; os créditos salariais em mora se referissem apenas aos meses de Julho e Agosto de 2016 (sendo que a indemnização devida aos trabalhadores pelo término do seu contrato só se teria constituído após a declaração de insolvência); as dívidas para com a Administração Tributária, apesar de referentes a impostos de 2012 a 2014, só tenham sido liquidadas em 2016; e as dívidas para com o Instituto da Segurança Social se referissem a contribuições dos meses de Maio a Julho de 2016, com excepção dos juros referentes às contribuições pagas fora de prazo ao longo dos anos.
Defendeu, assim, não se encontrar verificado o condicionalismo previsto no art. 186º,nº 2, als. h) e i) do C.I.R.E..
1.1.4.
O Ministério Público pronunciou-se, nos termos do art. 188º, nº 4 do C.IR.E., pedindo que: a insolvência de Empresa X, Limitada fosse considerada culposa, nos termos do art. 186º, nº 1, e nº 3, al. a), do C.I.R.E.; e que fosse afectado por essa qualificação o seu gerente, J. S. (sendo, nomeadamente, inabilitado por um período entre dois a dez anos para o exercício do comércio, e para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa, fosse determinada a perda de quaisquer créditos seus sobre a Insolvente ou sobre a Massa Insolvente, condenando-se ainda o Requerido na restituição dos bens ou direitos eventualmente já recebidos em pagamento desses créditos, e fosse ainda o mesmo condenado a indemnizar os Credores da Insolvente nos montantes não satisfeitos, até às forças do respectivo património), nos termos do art. 189º, nº 2, als. a), c), d) e e), do C.I.R.E..
Alegou para o efeito, em síntese: ser J. S., na qualidade de sócio e gerente da Insolvente - que se dedicava à construção civil -, o único responsável pela sua gestão, administração e representação; não ter o mesmo apresentado a Sociedade à insolvência, a partir do encerramento do ano de 2012, altura em que a mesma já não gerava riqueza (ascendendo os resultados líquidos negativos dos exercícios de 2013, 2014 e 2015 a € 108.811,93), nem tinha meios próprios capazes de liquidar a totalidade das suas responsabilidades já vencidas, nomeadamente à Segurança Social e a Autoridade Tributária e Aduaneira; e ter desse modo permitido o vencimento de novas dívidas (e respectivos juros de mora), ascendendo os créditos reconhecidos a € 90.134,79.
Defendeu, assim, ter a falta de oportuna apresentação de Empresa X, Limitada à insolvência agravado o seu iminente estado de insolvência, encontrando-se por isso verificado o circunstancialismo previsto no art. 186º, nº 3, al. a), do C.I.R.E..
1.1.5.
Foi notificada a Insolvente (Empresa X, Limitada) e citado o Requerido (J. S.) como possivelmente afectado pela qualificação da insolvência como culposa, para, querendo, se oporem, nos termos do art. 188º, nº 6 do C.I.R.E..
1.1.6.
O Requerido (J. S.) deduziu oposição, pedindo que a insolvência fosse qualificada como fortuita.
Alegou para o efeito, em síntese, exigir o preenchimento do art. 186º, nº 1 do C.I.R.E. que o devedor tenha - dolosamente ou com culpa grave - alterado consciente e voluntariamente os factos, por forma a ocultar bens ou evitar pagamentos aos respectivos credores, com reflexo na origem ou no agravamento da situação de insolvência, o que não teria ocorrido no caso dos autos.
Mais alegou ser Empresa X, Limitada uma empresa pequena, que nunca apresentou lucros extraordinários, tendo sofrido com a crise económica que afectou o país em geral e o sector da construção civil em particular, sem que porém tenha alguma vez deixado de cumprir com os seus compromissos, assegurando o pagamento de salários, e o devido à Segurança Social, à Autoridade Tributária e a fornecedores; e que apenas o deixou de fazer quando foi objecto de uma inspecção levada a cabo pela Autoridade Tributária, face a valor da prestação mensal que a mesma então lhe impôs, o que sucedeu precisamente pouco tempo antes de se apresentar à insolvência (sendo este facto que a despoletou, e não qualquer actuação sua).
1.1.7.
Foi proferido despacho: saneador (certificando tabelarmente a validade e a regularidade da instância); identificando o objecto do litígio («O objecto do litígio prende-se com a verificação dos pressupostos legais que permitam qualificar a insolvência da sociedade Empresa X, Lda. como culposa, afectando J. S. e, na positiva, saber o respectivo grau de culpa») e enunciando um único tema da prova («Se foi incumprido o dever de requerer a declaração de insolvência»).
1.1.8.
Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, qualificando a insolvência de Empresa X, Limitada como fortuita, lendo-se nomeadamente na mesma: «(…) No caso agora em apreço, o senhor Procurador da República baseou o seu parecer na verificação, a seu ver, das circunstâncias previstas na alínea i) do nº2 do artigo 186º e al. a) do nº 3 desse mesmo artigo 186º do CIRE, alegando que a não apresentação à insolvência causou o aumento do passivo pelo contínuo vencimento de juros das obrigações vencidas e pela desvalorização do património nesse período.
Quanto ao fundamento do contínuo vencimento de obrigações e de juros das obrigações vencidas, tal é uma consequência que decorre automaticamente da passagem do tempo. Não pode por si só levar a concluir que se procedeu à agravação da situação de insolvência.
Na verdade, o nexo causal entre a omissão da conduta e o agravamento da situação da insolvente não se presume.
Assim, importa considerar que a mera presunção de culpa grave não é suficiente para se qualificar a insolvência como culposa, sendo ainda necessária a verificação dos restantes pressupostos enunciados no nº 1 do artigo 186º do C.I.R.E., designadamente o nexo de causalidade entre a conduta culposa do sócio-gerente gerente e a situação de insolvência ou o agravamento desta. Não é suficiente para apurar o nexo de causalidade o mero decurso da passagem do tempo.
Ora, nada na matéria de facto apurada permite afirmar a existência de tal imputação objetiva, isto é, de que a aludida omissão do sócio-gerente da insolvente haja tido como consequência o agravamento da situação de insolvência. No mesmo sentido foi entendido nos Acórdãos da Relação do Porto de 26-11-2009, 15-7-2009, 20-10-2009, nos Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 12-3-2009, 3-5-2015, 11-5-2017, 11-7-2017, e no acórdão da Relação de Lisboa de 22-1-2008, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Diz-se expressamente no já citado Ac 11-7-2017 do TRG: “A censurabilidade do comportamento do devedor ou dos seus administradores é um juízo feito pelo tribunal sobre a atitude ou motivação de um e de outros, segundo o que pode ser...
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