Acórdão nº 1197/16.3GBBCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 05 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelALDA CASIMIRO
Data da Resolução05 de Fevereiro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães, Relatório No âmbito do processo comum, perante Tribunal Singular, nº 1197/16.3GBBCL que corre termos no Juízo Local Criminal de Barcelos (J1), do Tribunal da Comarca de Braga, foi o arguido, Tiago, casado, nascido a 21.09.1982 na freguesia e concelho de Barcelos, filho de A e de B, residente na Rua …, Barcelos, condenado, como autor material de um crime p. e p. pelo art. 108º, nºs 1 e 2, do D.L. 422/89, de 2.12., na pena de 8 meses de prisão, substituídos por igual tempo de multa, à taxa diária de € 5,00, e na pena de 120 dias de multa, à mesma taxa, num total de 360 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, no montante global de € 1.800,00.

Em conformidade com o disposto nos arts. 109º, nº 1 a 3, do Cód. Penal e 116º do D.L. 422/89, foi declarado perdido a favor do Estado o material de jogo apreendido; e de acordo com o disposto no art. 117º do D.L. 422/89, foi declarado perdido a favor do Fundo de Turismo o montante pecuniário apreendido nos autos.

* Sem se conformar com a decisão, o arguido interpôs recurso pedindo que seja declarada e reconhecida a nulidade da acusação (o que levará à sua absolvição da prática do crime de exploração ilícita de jogo pelo qual foi condenado); ou caso assim não se entenda, que se reconheça a violação do disposto no art. 410º, nº 2, alínea a) do Cód. Proc. Penal; ou caso assim também não se entenda, que se apliquem penas parcelares e pena única adequadas e substancialmente inferiores.

Para tanto, formula as conclusões que se transcrevem: I. DA NULIDADE DA ACUSAÇÃO PÚBLICA E DA IMPOSSIBILIDADE DA SUA SANAÇÃO A. Antes de tudo o mais, importa referir que da douta Acusação Pública dirigida contra o Arguido resulta, cristalinamente, que a mesma omite as características das máquinas/computador e os respetivos jogos, que alegadamente as mesmas desenvolvem, bem como, a respetiva ilicitude de cariz criminal, uma vez que do texto Acusatório apenas resulta, em suma, que a máquina apreendida à ordem dos presentes autos desenvolve “jogos de fortuna ou azar” (sendo esta entendida como mera formulação de direito/legal).

B.

De facto, o eventual modo de execução do crime, o que integra tipicidade objetiva do ilícito não está especificadamente enunciado, descrito ou descriminado na douta Acusação Pública, e apesar de a douta Acusação remeter para um qualquer “Relatório Pericial” realizado à ordem dos presentes autos, tal procedimento [remissão] viola o princípio do acusatório e do contraditório, tal qual resulta preceituado no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.

C.

Com efeito, os princípios do acusatório e do contraditório, enquanto princípios estruturantes do processo penal, movem-se necessariamente na essência do sistema processual, tendo este que assegurar todas as garantias e prerrogativas de defesa, ou seja, salvaguardando um processo penal justo e equitativo – Neste sentido se pronunciou o nosso Egrégio Tribunal Constitucional, no Acórdão nº 172/92 (Cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional, 22º volume, página 350).

D.

Na verdade, o princípio do contraditório, encarado do ponto de vista do arguido, pretende, antes de mais, realizar o seu direito de defesa, conforme referiu a Comissão Constitucional, no seu Parecer nº 18/81, publicado em Pareceres da Comissão Constitucional, volume 16º, página 147, seja, o sentido essencial do principio do contraditório “está, de uma forma mais geral, em que nenhuma prova deve ser aceite em audiência, nem nenhuma decisão (mesmo só interlocutória) deve aí ser tomada pelo juiz, sem que previamente tenha sido dada ampla e efectiva possibilidade, ao sujeito processual contra o qual é dirigida, de a discutir, de a contestar e de a valorar.” E.

Consequentemente, a descoberta da verdade material em processo penal há-de, portanto, necessariamente compaginar-se com aquelas garantias de defesa do arguido, pelo que, só assim se reconhecerá, como corolário do princípio do acusatório, o da vinculação temática do tribunal e da correlação entre a acusação e a sentença, e neste ponto, conforme também já se pronunciou Jorge Figueiredo Dias (em Direito Processual Penal, Coimbra, 1974, pág. 45), a concepção típica de um “processo acusatório”, implica a “estrita ligação do juiz pela acusação e pela defesa”, em sede de determinação do objecto do processo como em sede de poderes de cognição e dos limites da decisão, bem como refere o mesmo autor, acerca do princípio da vinculação temática do Tribunal, como efeito consubstanciador dos princípios da identidade, da unidade ou indivisibilidade e da consunção do objecto do processo penal, afirma que “Deve pois firmar-se que o objecto processo penal é o objecto da acusação, sendo este que, por sua vez, delimita e fixa os poderes de cognição do tribunal (…) e a extensão do caso julgado.” F. Por outro lado e consequentemente, existe um princípio basilar no nosso ordenamento processual penal que é o da correlação entre a acusação e a sentença, assim, como a acusação fixa o objecto do processo, o julgamento incide sobre a matéria da acusação e o Tribunal não pode, por sua iniciativa, ou por iniciativa da parte acusadora, apreciar questões que não se encontram descritas na Acusação, uma vez que está em causa, também intrinsecamente relacionado, o princípio da identidade do processo, que representa precisamente a conceptualização de que o objecto da acusação se deve manter idêntico, desde a sua manifestação até à sentença final.

G.

Ora, o princípio da identidade do objecto do processo significa, desde logo, que obrigatória e necessariamente existe uma correlação entre a acusação deduzida e a sentença proferida, sendo que, ao se imputar ao arguido factos absolutamente novos, estranhos ao objecto de todo o processo desenvolvido, se está a ofender directamente o princípio do acusatório, contraditório e da vinculação temática.

H.

Isto posto, as alterações introduzidas de forma “silenciosa”, ilegítima e ilegal no texto acusatório e, por conseguinte, na matéria de facto dada como provada, o Arguido só teve conhecimento aquando da Leitura da respectiva Sentença, sendo que o Dign.º Tribunal “a quo” jamais poderia tomar em consideração factos que nunca e em momento algum foram comunicados ao Arguido e que não resultavam do texto acusatório.

I.

Na verdade a tentativa de o Dign.º Tribunal colmatar a insuficiente acusação que vem dirigida contra o aqui Arguido, por a mesma efectuar meras remissões para documentos juntos aos autos e por a mesma não descrever (com a mínima exigência possível, nos termos do artigo 283º, nº 3 do C.P.P.) a conduta criminosa do Arguido, não se poderá entender como uma mera simplificação da acusação que possa ser suprida, por forma a desconsiderar-se por completo a pessoa do Arguido (com todas as prerrogativas e garantias que o envolvem), bem assim de qualquer comunicação para que pudesse de forma leal apresentar os respectivos meios de defesa.

J.

Deste modo, a nulidade de que padece todo o texto acusatório, nos termos do disposto no artigo 283º, nº 3 do C.P.P., não poderá miraculosamente ser suprida, por tal pretensão ser absoluta e totalmente contrária aos mais elementares princípios que envolvem o nosso processo penal e supra descritos, o que deverá em sede do presente recurso ser reconhecido, para todos os devidos e legais efeitos e com todas as consequências daí advenientes.

K.

Todo o supra exposto, vem também sendo defendido pela nossa Jurisprudência, entre muitos outros, veja-se os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 08-10-2014 e de 11-10-2017 (no âmbito do processo nº 248/15.3GDVFR), bem assim o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 21-06-2017 (no âmbito do processo nº 89/12.0EACBR – este disponível em www.dgsi.pt), razão pela qual, se entende que tendo em conta a ilegítima e ilegal actuação do Dign.º Tribunal “a quo” determinará a absolvição do aqui Recorrente.

SEM PRESCINDIR, II. DO VÍCIO, POR INSUFICIÊNCIA PARA A DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA L.

Caso não se entenda nos termos supra expostos, o que não se concede, entende o aqui Recorrente que analisada atentamente a douta sentença recorrida, constatamos que o Dign.º Tribunal “a quo” não se pronunciou sobre questões que devesse apreciar, nomeadamente, as condições sócio económicas do Arguido, por forma a, assim, cumprir de forma idónea e independente todos os circunstancialismo, em caso de condenação, previstos no artigo 71º e 47º, ambos do C.P.

M.

Na verdade, sob o Dign.º Tribunal recorrido impendia o poder dever de indagar a situação económica, familiar e profissional do Arguido, que independentemente de não ter comparecido à audiência de discussão e julgamento, nada obstaria, conforme decorre da prática judicial corrente, que fosse elaborado o competente e legal relatório social, sendo que, malograda e de forma surpreendente, conforme se constata pela douta Sentença ora sindicada, o Tribunal “a quo” na pena aplicada ao Arguido, não teve em consideração a sua situação pessoal, social e económica, para a determinação da medida da pena, sendo a própria Fundamentação da Sentença aqui recorrida, totalmente omissa quanto a tal factualidade.

N.

Tais factos, são essenciais e indispensáveis para a determinação da medida da pena, por forma a aplicar uma decisão justa e equitativa, determinando e quantificando, segundo os critérios que são definidos pelo nosso sistema penal, adjectivo e substantivo, uma pena de acordo com o grau de culpabilidade do Arguido, bem assim, tendo em consideração a sua condição pessoal e sócio-económica, o que, aliás, nunca o Tribunal logrou apurar, nos termos dos artigo 340º e 370º, ambos do C.P.P..

O.

Sendo que, actualmente um tal entendimento plenamente pacífico na nossa Jurisprudência, veja-se, entre outros, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 06-11-2013, no âmbito do Proc. nº 03P3370, do Tribunal da Relação de Guimarães de 11-06-2012, no âmbito do Proc. nº 317/11.9GTVCT.G1, do Tribunal da Relação de Évora...

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