Acórdão nº 663/13.7TBAMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 22 de Fevereiro de 2018

Magistrado ResponsávelFERNANDO FERNANDES FREITAS
Data da Resolução22 de Fevereiro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

SUMÁRIO I – Na reapreciação da decisão da matéria de facto cumpre à Relação observar o que dispõe o art.º 662.º do C.P.C., sem excluir que, como consta da “Exposição de Motivos”, foi intenção do legislador reforçar os poderes da Relação, com o objectivo primordial de evitar o julgamento formal, apenas baseado no ónus da prova, privilegiando o apuramento da verdade material dos factos, pressuposto que é de uma decisão justa.

II - Os baldios, que são logradouro comum dos vizinhos de certa comunidade local, podendo ser moradores de uma ou mais freguesias ou de parte delas, não integram a propriedade individual de cada um desses vizinhos, ditos compartes.

III – Os compartes, para o exercício dos actos de representação, disposição, gestão e fiscalização relativos aos baldios respectivos, organizam-se através de uma assembleia, um conselho directivo e uma comissão de fiscalização.

IV - Quer a assembleia de compartes, quer os outros dois órgãos de gestão, deliberam validamente por maioria simples dos membros presentes, tendo o respectivo presidente o voto de qualidade, o que no caso da assembleia se torna significativo dado que esta funcionará com qualquer número de compartes presentes na segunda data que tenha de ser designada por motivo da falta de quorum de funcionamento na data inicialmente designada.

V – Na teoria do negócio jurídico a inexistência assume três modos de ser: i) a inexistência ôntica, que é a que se verifica quando o negócio de que se trata não foi de todo celebrado, não ocorreu, não aconteceu, tratando-se de uma mentira ou de uma falsidade; ii) a inexistência qualificativa em que o acto ou o negócio existem como algo, mas não enquanto tal; iii) a inexistência por mera imposição da lei, que corresponde a um acto de autoridade e de hostilidade do Direito que impõe, como consequência de vícios particularmente graves, uma sanção equivalente à inexistência.

VI – A irregularidade da convocatória para a assembleia de compartes e da própria assembleia, por motivos procedimentais, tem como consequência a simples anulabilidade da assembleia, à semelhança do estabelecido no art.º 177.º do C.C. para as associações.

** ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

  1. RELATÓRIO I.- A Assembleia de Compartes dos Baldios X, representada pelo seu Conselho Directivo, pessoa colectiva sedeada no Lugar …, freguesia de V., concelho de Terras de Bouro, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra: - Assembleia de Compartes dos Baldios P., representada pelo seu Concelho Directivo, com sede no Lugar …, freguesia de V., concelho de Terras de Bouro; - Assembleia de Compartes dos Baldios A., representada pelo seu Concelho Directivo, com sede no Lugar …, freguesia de V., concelho de Terras de Bouro; -“JA Construções, Lda.”, pessoa colectiva com sede social no Lugar do …, da mesma freguesia de V.; - Assembleia de Compartes dos Baldios C e B, sito no lugar do ..., ainda da mesma freguesia de V., representada pelo seu Conselho Diretivo; e - “Irmãos D, Ldª – Indústria de Madeiras”, com sede social na Rua …, freguesia de …, Concelho de Amares, pedindo a condenação das Rés a: a) reconhecerem que o prédio rústico designado por “Monte C e Monte B” é também fruído pela Assembleia de Compartes dos Baldios X e, consequentemente, a reconhecerem o direito da Autora de explorar esse terreno e retirar dele os proveitos que ele proporciona ou possa proporcionar; b) não mais perturbarem o exercício do seu direito de posse e fruição sobre esse prédio, abstendo-se de actos que o violem, nomeadamente a absterem-se de efectuar qualquer corte de árvores e demais actos incompatíveis com o direito de exploração dela, Autora; c) as 1ª e 2ª Rés a reunir com a Autora sempre que pretendam deliberar sobre o prédio baldio designado por “Monte C e Monte B”, convocando-a, para o efeito, cumprindo os trâmites legais e os usos e costumes” (já com a correcção introduzida aquando da audiência de julgamento).

  1. as 1ª, 2ª e 4ª Rés a restituírem-lhe, a ela Autora, a parte que lhe cabe do preço recebido pelos negócios celebrados, acrescido de juros à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento; e) as Rés a procederem, a suas próprias expensas, à reflorestação do prédio rústico em apreço, na proporção das árvores cortadas; f) as Rés no pagamento solidário a ela, Autora, de montante a quantificar em sede de liquidação de sentença, a título de indemnização pelos prejuízos morais e patrimoniais sofridos com a venda e corte ilegítimos de árvores, acrescida dos respectivos juros à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.

    Fundamentando, alegou que em comum com a 1ª. e a 2ª. Rés têm vindo a administrar desde tempos imemoriais o terreno baldio denominado Monte C e Monte B e que, sem o consentimento e a sua convocação para a respectiva reunião, os conselhos directivos das 1ª. e 2ª. Rés deliberaram autorizar o corte de pinheiros nos referidos baldios e a sua venda, deliberações estas que, assim, são nulas e ineficazes relativamente a si, Autora.

    Acrescentou que as 1ª, 2ª. e 4ª. Rés receberam das 3ª. e 5ª. Rés depósitos de caução no valor de € 200,00 e € 800,00, respectivamente, pelos lotes de madeira constituídos e que estas últimas trataram de começar a abater e só um embargo extrajudicial conseguiu suster, embora apenas de forma temporária, pois rapidamente foram eleitos os corpos gerentes da 4ª. Ré, apenas com o intuito de prosseguir com o abate dos pinheiros, a qual desde então tem vindo a apresentar-se como dona e proprietária dos terrenos baldios em questão.

    Posteriormente, a 5ª. Ré iniciou o corte de pinheiros e eucaliptos igualmente sem a concordância da Autora, o que motivou novo embargo extrajudicial que, no entanto, não evitou que se concretizasse aquele corte.

    Citadas, a 2.ª Ré contestou alegando que a partir de meados de 2013 o monte baldio é administrado pela 4.ª Ré e não pelos Conselhos Directivos de compartes de cada um dos lugares. Referiu, ainda que ao contrário do que afirma, a Autora foi convocada para a reunião onde foram tomadas as deliberações em questão, convocatória esta que foi efectuada segundo os usos e costumes e, ainda, por carta registada com aviso de recepção que o presidente da Autora se recusou receber. Defende, assim, que o corte das árvores efectuado é legal e, como tal, é válido e eficaz relativamente à Autora.

    Concluiu, pedindo a improcedência da acção e a sua absolvição dos pedidos.

    A 3.ª Ré apresentou contestação alegando que apenas celebrou um contrato de compra e venda de madeiras com a 4.ª Ré ao abrigo do qual procedeu ao corte das árvores no monte em questão nos autos. Acrescentou que os valores que pagou são os normalmente praticados no mercado e que o corte efectuado não pode considerar-se prematuro e muito menos prejudicial. Terminou, pedindo a improcedência da acção e a sua absolvição dos pedidos.

    Por sua vez, as 2.ª, 4.ª e 5.ª Rés apresentaram contestação excepcionando o caso julgado e impugnando parte da matéria de facto alegada na petição inicial, defendendo também estas Rés que todas as deliberações tomadas são válidas, não padecendo de qualquer vício. Concluíram pela improcedência dos pedidos.

    Os autos prosseguiram os seus termos vindo a proceder-se ao julgamento que culminou com a prolação de douta sentença que, julgando totalmente improcedente a acção, absolveu as Rés de todos os pedidos.

    Inconformada, traz a Autora o presente recurso pedindo a revogação da supra transcrita sentença e a sua substituição por outra que julgue procedente a acção e condene as Rés no petitório formulado.

    Contra-alegaram as Rés propugnando pela improcedência do recurso.

    Este, foi recebido como de apelação com efeito devolutivo.

    Foram colhidos os vistos legais.

    Cumpre decidir.

    **II.- A Apelante formulou conclusões que são transcrição das alegações.

    Como observam as Apeladas, não obedeceu ao dever de síntese imposto pelo n.º 1 do art.º 639.º do Código de Processo Civil (C.P.C.).

    Aqui chegados, porém, e uma vez que lhe não foi feito o convite a que alude o n.º 3 daquele art.º 639.º, transcrever-se-ão apenas as conclusões que se têm por essenciais ao enquadramento das questões que pretende ver reapreciadas, ainda que mantendo a numeração original.

    V. Resultou da posição das partes nos respetivos articulados, que, desde tempos que escapam à memória dos vivos, e ininterruptamente, os compartes da Autora gozam e retiram as utilidades que esse baldio pode, natural ou espontaneamente, oferecer, nomeadamente para efeitos de recolha de lenha, pinhas e matos, de culturas e outras fruições, sempre à vista e com conhecimento de toda a gente, sem oposição de ninguém, nomeadamente das Rés.

    VI. Com efeito, a Primeira Ré, no artigo 7.º da sua contestação, afirma que são os compartes dos Baldios C e B que detêm a posse plena do referido prédio baldio, reconhecendo, assim, que são os compartes de X, A e P que detêm essa posse, porquanto não há distinção entre os Compartes dos Baldios C e B e os compartes daqueles três Lugares.

    VII. Também resultou das declarações prestadas pelo Presidente do Conselho Diretivo da Autora, e ainda do depoimento da Primeira Ré, da Segunda Ré e da Quarta Ré, que são os compartes da Autora legítimos possuidores e fruidores desse prédio rústico, em comum com os compartes da Primeira e Segunda Rés, respetivamente.

    XI. À luz do princípio da autodeterminação das comunidades, cada uma das comunidades elege, separadamente, o seu conselho diretivo e os demais órgãos sociais, sendo que a assembleia geral delibera e o conselho diretivo executa essas deliberações. Assim, e conforme resultou demonstrado, de acordo com os usos e costumes, a administração do Monte C e da Monte B tem cabido à Autora, representada pelo seu Conselho Diretivo, à Assembleia de Compartes dos Baldios P., representada pelo seu Conselho Diretivo, e à Assembleia de Compartes dos Baldios do lugar de A, representada pelo seu Conselho Diretivo.

    XII. Os documentos n.ºs 3 e 4...

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