Acórdão nº 5396/15.7T8VNF.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 10 de Maio de 2018
Magistrado Responsável | MARIA CRISTINA CERDEIRA |
Data da Resolução | 10 de Maio de 2018 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO Maria intentou a presente acção de anulação de deliberações sociais, sob a forma de processo comum, contra F. – Fiação, Lda.
, pedindo que sejam declaradas nulas ou anuladas as deliberações sociais aprovadas na sessão ordinária da Assembleia Geral da Ré de 26/05/2015.
Para fundamentar a sua pretensão, alega, em breve síntese, que é titular de duas quotas no capital social da Ré, no valor de € 212 500,00 e € 37 500,00, titularidade essa que lhe adveio por sentença proferida na acção de divisão de coisa comum que identifica.
Em 26/05/2015 foi realizada a Assembleia Geral ordinária da Ré, com a ordem de trabalhos indicada no artº. 3º da petição inicial, tendo na mesma sido aprovadas, sem o voto favorável da Autora, as seguintes deliberações sociais: - quanto ao primeiro ponto da ordem de trabalhos – foram aprovados o relatório de gestão, o balanço e contas referentes ao exercício de 2014; - quanto ao segundo ponto da ordem de trabalhos - «relativamente aos resultados líquidos apurados no exercício de dois mil e catorze, no montante global de oitenta e oito mil oitocentos e cinquenta e quatro euros e oitenta e sete cêntimos, foi deliberado constituir reservas legais no montante de quatro mil quatrocentos e quarenta e dois euros e setenta e quatro cêntimos, reserva especial para lucros retidos e reinvestidos de setenta e seis mil euros e constituir reservas livres no montante de oito mil quatrocentos e doze euros e treze cêntimos.» Mais alega que, na senda de que tem sucedido desde o ano de 2010 (ano em que faleceu o seu pai e anterior sócio), a deliberação social aprovada é abusiva e nula, porquanto visou vedar à A. o acesso a qualquer benefício inerente à participação social de que é titular, bem como a perpetuação dos gerentes (que são os demais sócios – a tia e o irmão da A.) no controlo e fruição absolutos e exclusivos de todos os activos da sociedade, retirando à participação social da A. todo o valor financeiro e societário, sendo a actuação daqueles guiada pelo objectivo de colocar a A. à margem do funcionamento e dos negócios da sociedade Ré.
Após tecer algumas considerações de natureza conclusiva relativamente ao controlo e utilização dos activos da Ré pelos demais sócios, em seu próprio benefício, e arguir a nulidade ou, pelo menos, a anulabilidade das deliberações sociais em causa, acrescenta que foi vedado à A. integrar a Assembleia Geral com o fundamento de que “uma vez que nos termos do disposto no artº. 242º-A do Código das Sociedades Comerciais, a divisão de quotas quanto à Drª Maria é ineficaz relativamente à sociedade, uma vez que esta não registou a referida aquisição por divisão, nem promoveu esse registo”.
Sobre esta matéria alega que dispunha do prazo de dois meses desde o trânsito em julgado da decisão proferida na acção de divisão de coisa comum (ou seja, até 4/07/2015), não podendo ser exigível à A. que renunciasse ao prazo legal de que dispunha para registar a divisão das quotas, nem sendo esse registo condição para que a A. fosse aceite a participar na Assembleia Geral realizada em 26/05/2015, o que, em seu entender, gera nulidade.
Conclui, acrescentando que a situação financeira da sociedade Ré permite a distribuição de lucros, pois aquela não carece de ser dotada de meios financeiros para além dos que já tem, face ao seu avultado activo e ao seu elevado volume de negócios, nunca tendo sido aventada a eventual necessidade da Ré em ser dotada de mais dinheiro, não necessitando esta do montante emergente dos resultados do exercício de 2014.
A Ré apresentou contestação, impugnando a matéria alegada pela Autora não documentada e refutando a sua pretensão, por, em suma, não reconhecer como verdadeiras as acusações da Autora.
Termina, pugnando pela improcedência da presente acção.
Findos os articulados, realizou-se a audiência prévia, na qual estiveram presentes os mandatários de ambas as partes, tendo sido proferido despacho saneador, que conheceu do mérito da causa por o Tribunal “a quo” considerar que «a matéria assente pelo acordo das partes ou provada por documentos é suficiente e a necessária para a apreciação do pedido formulado, resultando inútil a produção da prova requerida pelas partes, dado que a matéria que resulta controvertida não se mostra relevante para a boa decisão da causa ou para alterar a decisão a proferir», tendo concluído «pela inexistência de qualquer nulidade na deliberação em apreço, ou causa de anulabilidade», julgando a acção improcedente e absolvendo a Ré do pedido contra ela formulado.
Inconformada com tal decisão, a Autora dela interpôs recurso para este Tribunal da Relação, invocando a violação do princípio do contraditório por ter sido proferida uma decisão surpresa sem que tivesse tido oportunidade de se pronunciar sobre a possibilidade da presente acção ser decidida no saneador, bem como do princípio do dispositivo por o Tribunal ter ultrapassado os limites da alegação da A. e, por sua própria iniciativa, definido os limites da demanda totalmente fora dos limites traçados pelas próprias partes e até fora de todo o enquadramento legal e factual que tinha sido delineado pela Ré na sua contestação.
Defendeu, ainda, naquele recurso que a petição inicial integra a factualidade mais do que suficiente para o prosseguimento dos autos e para a produção de prova correspondente, com vista à sua procedência, mas caso assim não se entenda, deveria ter havido lugar à prolação de convite ao aperfeiçoamento, sendo que ao não ter dado cumprimento a tal dever, o Tribunal recorrido incorreu em nulidade insanável, emergente da violação do disposto no artº. 590º, nº. 4 CPC.
Termina pugnando pela procedência do recurso e substituição da sentença recorrida por acórdão que determine o prosseguimento dos autos até final, com produção de prova tendo em vista a procedência do pedido.
A Ré contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
O recurso foi admitido por despacho de fls. 180 e remetido a este Tribunal da Relação.
Foi proferido acórdão nesta instância superior que decidiu julgar procedente o recurso de apelação interposto pela Autora e, em consequência, revogar a decisão recorrida, determinando-se que o Tribunal “a quo” convide a recorrente a suprir as insuficiências da alegação de facto e de direito constantes da petição inicial, nos termos expostos.
Na sequência da notificação feita à Autora e em cumprimento do determinado por este Tribunal da Relação, foi apresentada nova petição inicial aperfeiçoada em que é alegada, para além da matéria articulada na primitiva petição, nova matéria factual e ainda de carácter conclusivo, explanada nos artºs 20º a 75º, 84º a 88º e 188º a 194º.
A Ré, por sua vez, apresentou nova contestação, na qual mantém a posição assumida na primeira contestação, alegando, ainda, a omissão de invocação de factos concretos e suficientes que permitam sustentar a pretensão da A., na nova petição inicial, por verificar que esta reincide no juízo especulativo, recorre fastidiosamente a juízos conclusivos e não alega um único facto concreto que permita concluir por um aperfeiçoamento processualmente capaz, no sentido de sustentar a sua pretensão.
Termina, defendendo a validade e legalidade das deliberações sociais em causa e pugnando pela improcedência do pedido.
Em 20/12/2017 realizou-se nova audiência prévia, na qual foi proferido despacho que considerou que a A., no novo articulado, extravasou o convite que lhe foi feito para aperfeiçoamento da petição inicial, ao pronunciar-se sobre alegações da Ré neste processo posteriores à apresentação da primeira petição inicial e ao alegar factos de ocorrência posterior ao da apresentação da primeira petição inicial e, consequentemente, considerou como não escritos os artºs 67º e 73º a 75º da petição inicial aperfeiçoada.
Foi, também, proferido despacho saneador que conheceu do mérito da causa por o Tribunal “a quo” considerar que os factos alegados pela A. se mostram suficientes e os necessários para proferir decisão, fazendo consignar que altera o entendimento professado no saneador sentença proferido em 22/02/2016, referindo que «a matéria assente pelo acordo das partes ou provada por documentos é suficiente e a necessária para a apreciação do pedido formulado, resultando inútil a produção da prova requerida pelas partes, dado que a matéria que resulta controvertida não se mostra relevante para a boa decisão da causa ou para alterar a decisão a proferir», tendo decidido pela procedência da acção e anulado, nos termos do artº. 58º, nº. 1, al. b) do Código das Sociedades Comerciais, a deliberação social tomada na Assembleia Geral da sociedade Ré realizada a 26/05/2015, na parte em que decidia distribuir os lucros do exercício de 2014 no montante global de € 88 854,87 constituindo reservas legais no montante de € 4 442,74, reserva especial para lucros retidos e reinvestindo € 76 000,00 e constituindo reservas livres no montante de € 8 412,13, privando a A. do recebimento da sua parte dos lucros.
Inconformada com tal decisão, a Ré dela interpôs recurso, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões [transcrição]: 1. O presente recurso vem interposto do despacho saneador/sentença que anulou a deliberação social tomada na Assembleia Geral da ré realizada a 26-05-2015, na parte em que decidiu não distribuir lucros do exercício de 2014, no montante global de oitenta e oito mil, oitocentos e cinquenta e quatro euros e oitenta e sete cêntimos constituindo reservas legais no montante de quatro mil quatrocentos e quarenta e dois euros e setenta e quatro cêntimos, reserva especial para lucros retidos e reinvestindo setenta e seis mil euros e constituindo reservas livres no montante de oito mil, quatrocentos e doze euros e treze cêntimos.
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Não existe na decisão recorrida, seja na parte expositiva, seja na parte dispositiva, seja nos factos provados, seja na sua apreciação segundo as regras de direito, qualquer...
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