Acórdão nº 1059/17.7T8VRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 10 de Maio de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA AM
Data da Resolução10 de Maio de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Carlos e esposa Maria instauraram a presente acção de condenação com processo comum contra o Banco Y, S.A., pedindo que: A) Fosse o negócio celebrado entre A.A. e R. anulado, por erro na base do negócio, e condenado o R., à devolução aos AA de € 80.000,00, acrescidos de juros vencidos, no montante de € 15.728,22, e juros vincendos até integral pagamento; B) Se assim não se entendesse, que fosse o R. condenado a pagar aos A.A. uma indemnização no valor de € 80.000,00, acrescida de juros vencidos, no montante de € 15.728,22, e juros vincendos até integral pagamento; C) Se ainda assim não se entendesse, que fosse o negócio celebrado entre os A.A. e o R. resolvido, e condenado o R. à devolução de € 80.000,00, acrescidos de juros vencidos, no montante de € 15.728,22, e juros vincendos até integral pagamento.

Em síntese, invocaram que: Por documento datado de 11-07-2012, o A. deu instruções ao então Banco X para subscrever valor mobiliário com a designação “Telecomunicações 2016 6,25%”, correspondente a obrigações ou Notes, que, no mercado, têm a denominação “400,000,000.00 6.25 per cent Notes due 2016”, no montante de € 80.000,00, tendo como emitente a Telecomunicações, SGPS, S.A.

Subscreveu o referido valor mobiliário porque o então gestor de conta do A. lhe disse que não havia qualquer risco de não receber o capital investido, no termo do prazo, que a PT pagaria 100% do capital investido, não o tendo informado dos riscos especiais envolvidos na operação proposta, nomeadamente o risco de perda da totalidade do capital investido.

Posteriormente, houve também uma significativa alteração do risco do produto subscrito, nomeadamente devido à alteração da entidade emitente, alteração que não foi informada aos A.A., assim como não lhes foi informado o direito que tinham ao reembolso antecipado.

Por força da medida de resolução aplicada pelo Banco de Portugal, transferiram-se do Banco X para o Banco Y, os activos, passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do Banco X, entre eles os direitos emergentes da relação de intermediação financeira estabelecida entre si e o Banco X.

*O Banco Y contestou, pugnando pela sua absolvição do pedido, com fundamento, nomeadamente, na sua ilegitimidade substantiva, que se traduz no facto de a medida de resolução do Banco X e as deliberações do Banco de Portugal que a integraram, não terem transferido para si a responsabilidade emergente da violação de deveres por parte do Banco X na comercialização e intermediação financeira que levou à subscrição pelo A. dos valores mobiliários em causa.

* Os A.A. pugnaram pela improcedência do invocado.

*Por considerar que os autos reuniam todos os elementos que permitiam conhecer, sem necessidade de produção de prova, do mérito da causa (nos termos do art. 595º, n º 1, b), do C.P.C.), foi proferida a seguinte decisão: “Julgo a acção improcedente, e, em consequência, absolvo o R. do pedido…”.

*Não se conformando com a decisão proferida, dela vieram os AA interpor o presente recurso de Apelação, apresentando Alegações e formulando as seguintes Conclusões: “1) A decisão proferida de que ora se recorre não é uma decisão de mérito, mas sim uma decisão sobre uma exceção dilatória - a de (pretensa) ilegitimidade do R. (art. 577.°, e), CPC), pelo que foi violado o disposto no art. 595.° do CPC.

2) Tendo proferido de imediato a sentença que consta da ata da audiência prévia e não sendo feita, na fundamentação e decisão, qualquer referência ao alegado pelos AA em sede de resposta às exceções, nomeadamente quanto à não verificação da ilegitimidade do R, forçoso é concluir que o tribunal a quo violou o art. 591.°, CPC, bem como o princípio da igualdade das partes (art. 4.°, CPC) e o dever de fundamentação da sentença (art. 607.° 3, CPC).

3) De acordo com a deliberação de 03 de agosto de 2014, do Banco de Portugal, não é de aplicar ao caso a subalínea vii) porquanto os seus requisitos não se encontram preenchidos, já que as responsabilidades, in casu, não eram exigíveis à data de 03 de agosto de 2014, porque, como alegam os AA., além de só terem tido conhecimento das características essenciais do produto financeiro em 2016 (anulabilidade), a ausência de informação do direito ao reembolso antecipado bem como a alteração das circunstâncias (geradores de responsabilidade) ocorrem em 2015.

4) Pelo que se transferiram para o BANCO Y as responsabilidades geradas no âmbito da esfera do Banco X.

5) A transmissão dos ativos e passivos decorreu conforme o CVM e o CCiv., contrariamente ao entendimento do TRIBUNAL A QUO.

6) As responsabilidades que resultam de factos omissivos praticados depois de 03 agosto de 2014, na sequência da custódia dos títulos, nomeadamente, a omissão do dever de comunicação do direito ao reembolso antecipado, que ocorreu em meados de 2015, são assacadas ao Banco Y.

7) O TRIBUNAL A QUO considerou este tema de forma errada, tratando do mesmo modo a responsabilidade resultante da intermediação com a responsabilidade resultante da custódia dos títulos.

8) O TRIBUNAL A QUO violou, pois, com a decisão proferida, os arts. 405°, 437° e 483° CC e bem assim o art. 304° CVM.

9) Nos termos do disposto nos arts. 3.° e 608.°, 2, CPC, o TRIBUNAL A QUO tem de se pronunciar sobre todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, o que não fez, já que se alegaram na PI factos geradores da violação de deveres dos quais resultaram o seu incumprimento para o Banco Y, verificados após agosto de 2014.

Nestes termos e nos mais de direito, cujo douto suprimento de V. Exas se invoca, deverá ser a decisão do tribunal de primeira instância revogada, declarada nula, e ordenado o prosseguimento dos autos com a produção da prova…”*O recorrido veio apresentar contra-alegações nas quais pugna pela manutenção da decisão recorrida.

*Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes (acima transcritas), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, as questões a decidir são: - A de saber se a decisão proferida é uma decisão de mérito; - Se foram transferidos para o Banco Y as responsabilidades imputadas pelos AA ao Banco X; - Se existe responsabilidade do Banco Y pela alegada violação do dever de informação dos AA, decorrente do registo e do depósito dos títulos naquele Banco.

*Os factos a considerar para a decisão das questões colocadas são os mencionados no relatório deste acórdão, para os quais remetemos.

*Da questão da ilegitimidade substantiva do R.

Os Recorrentes alegam desde logo que o tribunal recorrido não proferiu uma verdadeira decisão de mérito, mas antes uma decisão sobre uma exceção dilatória – da ilegitimidade do R -, o que fez, além do mais, sem atender ao que foi por eles alegado a esse respeito na audiência prévia.

Ou seja, entendem os recorrentes que o tribunal recorrido subsumiu erradamente a sua decisão aos casos previstos no artigo 595.°, alínea b) do CPC, uma vez que não foi proferida uma verdadeira decisão de mérito, mas somente uma decisão sobre uma exceção dilatória invocada, de onde não poderia resultar a absolvição do R. dos pedidos.

Mas sem razão, como é bom de ver.

Do que tratou a decisão recorrida foi da verdadeira questão de mérito da acção – da apreciação da transferência da responsabilidade imputada pelos AA ao Banco X para o Banco Y -, considerando-se, a final, que não tinha ocorrido essa transferência de responsabilidade, entendendo-se que se estava perante uma exceção peremptória inominada, de ilegitimidade substantiva do Banco Y, que levou à sua absolvição dos pedidos, nos termos previstos no artº 595º nº1, b) in fine do CPC.

Ou seja, distinguiu-se na sentença recorrida - de forma correta em nosso entender -, a legitimidade processual (ou formal) do R para a ação, da sua legitimidade substantiva (ou substancial) que se prende com a sua titularidade efectiva para a demanda.

Assim, a legitimidade processual prevista no artigo 30.° do CPC, é um pressuposto adjetivo de que depende o conhecimento do mérito da causa, que se afere pelo interesse do autor em demandar e o do réu em contradizer. Esse interesse, nos termos do nº 3 daquele artigo, é atribuído aos sujeitos da relação controvertida, tal como é desenhada pelo autor na petição inicial, o que significa que ao apuramento da legitimidade processual interessa apenas a alegação da titularidade da relação controvertida pelo autor, não se exigindo a verificação da sua efetiva titularidade, razão pela qual ela será, as mais das vezes, determinável através da mera análise do pedido e causa de pedir, independentemente da verificação dos factos que integram a última.

Como nos ensinam A. Varela, J. M. Bezerra, Sampaio e Nora (Manual de Processo Civil, 2ª Edição, Coimbra Editora, pág. 129) ser parte legítima na ação “…é ter o poder de dirimir a pretensão deduzida em juízo ou a defesa contra ela oponível. A parte terá legitimidade como autor, se for ela quem juridicamente pode fazer valer a pretensão em face do demandado, admitindo que a pretensão exista; e terá legitimidade como réu, se for ela a pessoa que juridicamente pode opor-se à procedência da pretensão, por ser ela a pessoa cuja esfera jurídica é diretamente atingida pela providência requerida.” Para o apuramento da legitimidade há apenas que atender à materialidade fáctica descrita pelo A. na petição inicial e dela cotejar a utilidade e o prejuízo que da procedência ou improcedência da ação pode advir para as partes, abstraindo-se da relevância jurídica substantiva da matéria da mesma ação (Ac. STJ de 29.01.2003, disponível em www.dgsi.pt).

Diferentemente, a legitimidade substantiva é um requisito de procedência do pedido, uma vez que tem que ver com a efetividade da tal relação material, interessando já ao mérito da causa e, constitui, por isso, no entender de alguma parte da doutrina e da jurisprudência, uma exceção perentória inominada que leva à absolvição do R. do pedido (tese que foi sufragada pelo tribunal...

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