Acórdão nº 1193/13.2TBBGC-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 30 de Maio de 2018

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução30 de Maio de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO Em 30-12-2013, o credor Pedro, requereu, no Tribunal de Bragança, a insolvência da sociedade comercial “X – Energias Renováveis, Unipessoal, Ldª”.

Deduzida oposição, tal insolvência foi declarada por sentença de 02-05-2014.

Não foi declarado aberto nela o incidente de qualificação, tal tendo sido relegado para momento posterior.

Nessa mesma sentença, invocando e citando o texto legal do artº 39º, nº 1, do CIRE (1), o tribunal exarou: “In casu, face à factualidade apurada, verifica-se que o património da Requerida não é presumivelmente suficiente para satisfazer as custas do processo e dívidas da massa insolvente, pelo que se profere decisão nos termos do artº 39º do CIRE.”.

Foram feitas as publicações inerentes (salientando a insuficiência do património e advertindo para a possibilidade de ser requerido o complemento) e respectivas notificações.

Tal sentença transitou em julgado e não foi requerido o seu “complemento”.

Por despacho de 23-06-2014, no qual se invoca o disposto no artº 39º [2], nº 7, alínea b), do CIRE [3], foi expressamente declarado findo o processo de insolvência, ordenadas as inerentes comunicações, e determinada a notificação do Administrador de Insolvência “para dar cumprimento ao disposto nos artigos 39º, nº 7, alínea c) [4], e 188º, nº 2, do CIRE” [5], apesar de não ter sido declarado aberto o incidente de qualificação.

Após diversas vicissitudes e repetidas notificações ao administrador da insolvência, espelhadas nos autos, para dar cumprimento a tal determinação, aquele, apenas em 20-04-2017, juntou aos autos, invocando o disposto nos artºs 39º, nº 1, e 232º, nº 5, o que apelidou de “relatório de qualificação da insolvência”[6] e no qual concluiu considerá-la como culposa (fls. 238 a 246).

Então, por despacho de 29-04-2017 (fls. 306), foi declarado – sem específica fundamentação expressa para tal – aberto o incidente de qualificação de insolvência, com carácter limitado, mandado instruir o mesmo por apenso com o referido relatório e ordenada Vista ao Ministério Público.

Após outras vicissitudes relativas ao apoio e ao patrocínio judiciários da insolvente e do seu sócio gerente (aqui apelante), em 15-05-2017, foi autuado o presente incidente de qualificação de insolvência, com o relatório/parecer, documentos ao mesmo juntos e cópia do citado despacho de 29-04-2017 que tal ordenou (fls. 2 a 61).

(7) Em 06-06-2017, o Ministério Público apresentou o seu Parecer (fls. 62 a 66) promovendo que a insolvência seja qualificada como culposa, indicando prova.

Por despacho de 09-06-2017, ordenou-se o cumprimento do disposto no nº 6, do artº 188º, do CIRE.

(8) O requerido foi citado.

Não foi apresentada qualquer oposição.

Por despacho de 24-09-2017.

-Exarou-se: “A Insolvente, notificada na pessoa da sua então Mandatária para deduzir oposição, não o fez, verificando-se que lhe foi indeferido o pedido de protecção jurídica na modalidade de nomeação de patrono que apresentou, de forma tempestiva, e com efeitos interruptivos do prazo que estava em curso, na sequência da renúncia ao mandato feito por aquela.

Assim, independentemente de in casu ser ou não obrigatória a constituição de advogado, por força do disposto no artigo 47.º, n.º 3, alínea b), do C.P.C., e por maioria de razão, determino que o presente incidente prossiga os seus termos processuais.”; -Dispensou-se a realização de audiência prévia; -Fixou-se em 750,00€ o valor da acção; -Sanearam-se, apenas tabelarmente, os autos; -Identificou-se o objecto do litígio; -Indicaram-se os temas da prova; -Apreciou-se e decidiu-se sobre as provas a produzir.

-Designou-se a data para a audiência de julgamento.

Em 27-10-2017, realizou-se a audiência de julgamento, nos termos e com as formalidades narradas na acta respectiva (fls. 87), no seu decurso tendo sido ouvidos o Administrador da Insolvência o Credor Pedro, a contabilista H. A. e o sócio-gerente da insolvente José.

Por fim, com data de 31-10-2017 (fls. 86 a 98), foi proferida a sentença, que culminou na seguinte decisão: “Face ao exposto, nos termos do disposto no artigo 189.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, decido: i) qualificar como CULPOSA a insolvência de X – Energias Renováveis, Unipessoal, L.da; ii) declarar JOSÉ abrangido por esta qualificação e, por conseguinte, decretar a sua INIBIÇÃO quer para administrar patrimónios alheios quer para o exercício do comércio ou para a ocupação de qualquer cargo de titular de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa, pelo período de 2 (dois) anos, a contar do registo da presente sentença na competente conservatória; iii) Condenar o Requerido José a INDEMNIZAR, até às forças do respectivo património, o Credor PEDRO no montante do seu crédito não satisfeito. “ O requerido/condenado José, dizendo-se inconformado com a sentença, interpôs dela recurso (fls. 105 a 143) para esta Relação, alegando (em 77 páginas), apresentando 103 conclusões, que foi convidado a sintetizar e aperfeiçoar.

As conclusões, na sequência apresentadas, são as seguintes: “I. Pela douta sentença recorrida, a insolvência da empresa X – ENERGIAS RENOVÁVEIS, UNIPESSOAL, LDA. veio a ser qualificada como CULPOSA, quando deveria ter sido qualificada como FORTUITA. Na verdade, a situação de insolvência não foi criada nem agravada em consequência de qualquer atuação dolosa ou com culpa grave do Recorrente, tendo resultado apenas de fatores imponderáveis e fora do controle do Recorrente.

II. O Recurso é admissível e tempestivo, apesar do valor da causa, face à inconstitucionalidade da norma extraída das disposições conjugadas do artigo 15.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, e artigos 304.º, primeira parte, e 629.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, interpretadas no sentido de que não cabe recurso de decisões proferidas no incidente de qualificação da insolvência cujo valor, determinado pelo ativo do devedor, seja inferior ao da alçada do tribunal de primeira instância. Essa inconstitucionalidade resulta da violação do direito ao recurso de decisões judiciais que diretamente afetam direitos, liberdades e garantias, decorrente do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição e já foi declarada por douto Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 280/2015 de 16/06/2015, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

III. A douta sentença recorrida padece de vício de violação de Lei. Na verdade, o relatório do Senhor Administrador da Insolvência, bem como o consequente despacho de abertura de incidente de qualificação foram produzidos nos presentes autos de forma extemporânea, pelo que deve a douta sentença recorrida ser revogada com esse fundamento.

IV.

Na verdade o incidente de qualificação da insolvência é aberto em 21/04/2017, ou seja, quase 3 anos depois de ter sido decretada a insolvência (em 02/05/2014) e de ter sido declarado findo o processo de insolvência (em 23/06/2014), nos termos do artigo 39º, n.º 1 al. b).

V.

Efetivamente, após a alteração legislativa introduzida pela Lei nº 16/2012, em que o incidente de qualificação da insolvência deixou de ser obrigatório, o CIRE apenas prevê a abertura do incidente de qualificação em duas situações e/ou momentos: (i) ou oficiosamente na sentença em que se declara a insolvência; (ii) ou um momento posterior, se o juiz o considerar oportuno em face das alegações que, a propósito dessa matéria, sejam efetuadas pelo administrador da insolvência ou por qualquer interessado.

VI. No caso sub judice, a Meritíssima juiz a quo considerou não ter elementos que justificassem a abertura do incidente de qualificação nos termos da al. i), do n.º 1, do art.º 36.º, do C.I.R.E., a contrario, no momento em que foi decretada a insolvência da X em 02/05/2014, pelo que apenas poderia abrir tal incidente face às alegações que fossem posteriormente apresentadas pelo administrador ou por terceiro.

VII. Por sua vez, após a alteração introduzida pela Lei nº 16/2012, o parecer do Administrador de insolvência sobre a qualificação da insolvência pode ser de dois tipos: (i) Ou o relatório é emitido quando já foi aberto o incidente de qualificação, no prazo de 20 dias nos termos do artigo 188º, nº 3 do CIRE (que equivale ao parecer a que a lei aludia antes da referida alteração). Neste caso, como o incidente de qualificação já foi aberto, o parecer é um ato obrigatório e corresponde ao cumprimento do dever funcional. Assim, ainda que tardiamente, o aludido parecer pode e deve ser apresentado e admitido; (ii) Ou o relatório é emitido com as alegações previstas no atual nº 1 do artigo 188º, quando o incidente de qualificação não foi aberto por iniciativa do juiz.

VIII. Nos presentes autos, não tendo o incidente sido aberto oficiosamente, está em causa o relatório previsto no artigo 188º, nº 1 do CIRE) – estando aqui em causa, não a prática de um ato que seja obrigatório, por fazer parte de um procedimento ou incidente já em curso, mas sim a iniciativa processual – que pode ou não ser exercida, não sendo obrigatória – tendo em vista a eventual abertura do incidente de qualificação da insolvência.

IX. Nos termos do n.º 1, do art.º 188.º do CIRE, o Administrador teria 15 dias, após apresentação do relatório mencionado no artigo 155º (ou, tendo em conta o disposto no art. 36º, nº 4, nos quinze dias subsequentes ao 45.º dia subsequente à data da prolação da sentença de declaração da insolvência, caso não haja lugar à aludida assembleia) para requerer a qualificação da insolvência como culposa.

X. Tal prazo de 15 dias, ao contrário do entendimento perfilhado na douta sentença recorrida, tem a natureza de prazo perentório - não sendo um prazo meramente regulador ou ordenador (como é o caso do prazo de 20 dias estabelecido no artigo 188º, n.º 3), pois o que se prevê no artigo 188º, n.º 1 é uma verdadeira iniciativa processual...

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