Acórdão nº 8250/15.9T8VNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 30 de Maio de 2018

Magistrado ResponsávelHELENA MELO
Data da Resolução30 de Maio de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães: I – Relatório Maria, M. C., Jorge e M. T.

interpuseram a presente acção com processo comum contra José e T. R..

Alegaram, para o efeito, a aquisição, por contrato de compra e venda, pela primeira autora e por seu então marido, já falecido, H. T. (de quem as AA. Maria e M. T. são filhas), de duas fracções autónomas, destinadas uma a comércio e outra a garagem.

Os RR., por sua vez, são proprietários de outras duas fracções autónomas adjacentes àquelas e ocupam parte da fracção destinada a comércio e a totalidade da fracção destinada a garagem.

Mais referem que tal ocupação ocorre através do prolongamento das paredes delimitativas das fracções dos RR..

Invocaram que são proprietários das referidas fracções, em toda a área das mesmas inscrita em sede de registo predial e descrita no título constitutivo da propriedade horizontal, quer por via derivada – por força do referido contrato - , quer por usucapião. Referem ainda que se encontra registada a seu favor a aquisição das referidas fracções.

Pedem, assim, os AA. que sejam declarados proprietários dessas fracções e a condenação dos RR. a reconhecê-lo e a absterem-se de aí praticarem qualquer acto perturbador desse direito.

Mais pedem que os RR. sejam condenados a pagar-lhes a quantia necessária à demolição das paredes existentes e à reconstrução das mesmas em observância das áreas referentes às suas fracções.

Pretendem ainda a condenação dos RR. a pagar-lhes indemnização por força da privação do uso das aludidas fracções.

Contestaram os RR., alegando, a título de excepção, que são proprietários das áreas reivindicadas pelos AA., sendo que adquiriram as suas fracções no exacto estado em que as mesmas actualmente se encontram.

Mais referem que vêm praticando actos de posse sobre as referidas áreas, sendo delas proprietários, em toda a área delimitada pelas respectivas paredes, por via de usucapião.

Invocaram ainda a excepção de abuso de direito, dando conta que as paredes das aludidas fracções foram construídas no local onde se encontram a pedido dos AA..

Alegaram ainda a excepção de prescrição referente ao pedido indemnizatório formulado.

Pugnaram, assim, pela improcedência total da acção.

Realizou-se audiência prévia, no âmbito da qual foi proferido despacho saneador, tendo sido indicado o objecto do processo e organizados os temas da prova.

Procedeu-se a julgamento e a final foi proferida sentença com o seguinte teor: Pelo exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência: - declaro e condeno os RR. a reconhecer que os AA. são proprietários, em comum, das fracções “J” e “Q”, descritas na Conservatória de Registo Predial sob os nºs … – J e … - Q, com as áreas, respectivamente, de 138 m2 e 41 m2; - condeno os RR. a absterem-se da prática de qualquer acto perturbador do direito de propriedade dos AA. sobre as referidas fracções “J” e “Q”, na totalidade das mencionadas áreas de 138 m2 e 41 m2, respectivamente; e - condeno os RR. a destruir e a reconstruir as paredes das fracções “K” e “R”, descritas na Conservatória de Registo Predial sob os nºs … – K e … – R, de forma a restituírem aos AA. a totalidade dos 41 m2 da fracção “Q” e dos 48 m2 da fracção “J”, sendo que tal reconstrução situar-se-á no local a apurar em sede de incidente ulterior de liquidação.

Mais absolvo os RR. do demais peticionado pelos AA..

Ambas as partes interpuseram recurso.

Os RR. concluíram as suas alegações do seguinte modo: QUANTO PRESUNÇÃO DO REGISTO DOS AUTORES 1.ª A presunção registal de titularidade constante do art. 7.º do C. Registo Predial – preceito em que se diz que “o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define” – não abarca os elementos da descrição registal, mas apenas o que resulta do facto jurídico inscrito tal como foi registado, uma vez que o que se regista (o objecto do registo), como decorre do art. 2.º do C. Registo Predial, são os factos jurídicos (a compra e venda, a permuta, a sucessão) e não as situações jurídicas a que se pretende dar publicidade (o direito de propriedade ou outros), motivo por que a presunção (de titularidade constante do art. 7.º) diga respeito e se reporte apenas e só à inscrição predial, que é o único acto registal em causa (a descrição não é um registo, mas o suporte para o mesmo) – conclusão extraída do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 26 de Novembro de 2013, acima citado 2.ª Mesmo no caso da propriedade horizontal, é inquestionável que a presunção em causa não abrange os limites ou confrontações dos imóveis, as suas áreas, ou seja, a generalidade dos elementos correspondentes à delimitação física e identificação económica e fiscal dos imóveis, mas apenas os elementos que integram o âmbito mínimo ou núcleo essencial imprescindível para identificação dos imóveis a que se reportam, como o concreto andar em que se situa (1º, 2º, 3º…), se é direito, esquerdo, anterior ou posterior, se possui ou não logradouro exclusivo, se é destinada à habitação, a comércio, a arrumos ou garagem, ficando de fora da presunção os limites, áreas precisas, valores, identificação fiscal, confrontações e âmbito – conclusão extraída do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 15 de Dezembro de 2016, acima citado.

  1. Assim, não tendo os autores demonstrado qualquer posse, por falta, desde logo, do pressuposto do corpus (o que, de resto, o tribunal recorrido detectou), e não beneficiando de qualquer presunção registral no que respeita à área e confrontações das fracções que reivindica, a fracção autónoma “Q”, e os alegados 48 m2 que possam integrar a fracção autónoma “J”, não podia a acção proceder em nenhum dos pedidos, não importando sequer analisar as questões de excepção colocadas pelos réus, porque o foram título subsidiário.

    QUANTO AO CARÁCTER TITULADO DA POSSE DOS RÉUS 4.ª Se acaso se entendesse ser de analisar a matéria de excepção invocada pelos réus, tendo estes adquirido duas fracções autónomas, as fracções “K” e “R”, por escritura pública, então a posse dos réus sobre essas fracções é titulada, e é-o sobre a totalidade da área que ocupam e que lhes foi entregue, delimitada pelas paredes erguidas da forma como o prédio foi construído, sem sofrer nenhuma alteração até hoje.

  2. É que, nos termos do disposto no n.º 1, do artigo 1259.º, do Código Civil, “Diz-se titulada a posse fundada em qualquer modo legítimo de adquirir, independentemente, quer do direito do transmitente, quer da validade substancial do negócio jurídico” 6.ª Estando demonstrado (cf pontos 8, 9, 10 e 22) que os réus vêm possuindo essa área desde 8 de Janeiro de 2003, completando-se, à data da citação, 22 de Outubro de 2015, mais de doze anos de posse boa para aquisição, então deve reconhecer-se que os réus adquiriram essas áreas por usucapião.

  3. E isto ainda que se entendesse que os autores beneficiam de qualquer presunção registral, desde a data do registo da aquisição, em 23 de Junho de 2003, pois que esta presunção sempre cairia em face da presunção da posse dos réus, desde 8 de Janeiro de 2003 e por força do constituto possessório, tudo nos termos do disposto nos artigos 1264.º e n.º 1, do artigo 1268.º, ambos do Código Civil.

    QUANTO À USUCAPIÃO NA PROPRIEDADE HORIZONTAL 8.ª Se acaso se entendesse ser de analisar a matéria de excepção, ainda que se considerasse que, no domínio da propriedade horizontal, a usucapião, como fonte aquisitiva de direitos, só pode actuar nos estritos limites em que a propriedade horizontal se enquadra (art. 1263º, al. a) do CC), sobre fracções autónomas perfeitamente individualizadas no título constitutivo e não sobre partes delas (arts. 1414.º, 1415.º, 1418.º e 1420.º do CC.), tendo em conta que, no que respeita à área da fracção “Q”, ela vem sendo possuída pelos réus na sua totalidade (o que resulta, sem margem para dúvidas dos factos provados 20 , 21, 22), então deve, nessa parte, da fracção “Q”, reconhecer-se a aquisição a favor dos réus, por usucapião, por se tratar de fracção autónoma individualizada no tútulo constitutivo e por se ter demonstrado uma posse pelos réus, titulada, que durou mais de dez anos (de Janeiro de 2003 a Outubro de 2015), e, por antepossuidor, o construtor do prédio que o submeteu à propriedade horizontal, que durou mais de dezanove anos (de Fevereiro de 1996 a Outubro de 2015), nos termos do disposto na alínea a), do artigo 1294.º, 1251.º, n.º 1, do artigo 1259.º, n.os 1 e 2, do artigo 1260.º, n.º 1, do artigo 1261.º e artigo 1262.º, todos do Código Civil.

  4. E isso vale também para a área de 48m2 que, como aponta o tribunal recorrido, possa, em face do título constitutivo pertencer à fracção “J”, uma vez que, no caso dos autos, essa área, por força da forma como as paredes foram erguidas desde a construção do prédio constituído em propriedade horizontal, como integrando a fracção autónoma “K”, o que é dizer que a divisão entre as fracções “J” e “K”, foi construída e vendida assim, ainda que em divergência, na área, com o título que constituiu a propriedade horizontal, título para o qual ninguém olhou na hora de vender ou de comprar.

  5. Por ser semelhante, deve considerar-se, como considerou o Tribunal da Relação de Lisboa, no acórdão acima citado, de 2 de Julho de 2009, com adaptações que se o construtor de um imóvel (que veio, posteriormente, a ser constituído em propriedade horizontal), ergueu paredes divisórias das fracções em alvenaria ainda que o que resulta dessa operação não venha a constar da escritura pública da propriedade horizontal, então é de concluir que ocorre uma destinação objectiva dessa área às fracções em causa e essa destinação objectiva, assim feita, transfere ab initio a dominialidade desse espaço para o adquirente da fracção.

    QUANTO À OBRIGAÇÃO REAL 11.ª Caso se entenda que as paredes que dividem as fracções contíguas “J” e “K”, bem como a parede que deve dividir toda a área que está integrando a fracção...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT