Acórdão nº 123/17.7PFGMR-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 21 de Maio de 2018

Magistrado ResponsávelAUSENDA GON
Data da Resolução21 de Maio de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: 1 - Nos autos de inquérito com o referenciado número, o arguido D. C.

, assistido pelo seu Mandatário Judicial, depois de interrogado e confrontado (pelos serviços do MP), no dia 2-10-2017, com os factos que lhe eram imputados e que indiciavam a sua prática, no dia anterior, de um crime de desobediência, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 348º, n.º1, al. a) e 69º, nº1 al c), do C. Penal e 152º, nº1, a) e nº 3 do C. da Estrada, declarou aceitar a proposta do MP de suspensão provisória do processo (SPP) pelo prazo de 6 meses, mediante o cumprimento das seguintes injunções penais: «a) Entregar a quantia de 250 euros a uma IPSS no prazo de 10 dias após a notificação da decisão que determinar a SPP, mediante comprovativo a juntar a estes autos b) Entregar a sua carta de condução nestes autos, no prazo de 10 dias, a contar da data da notificação do despacho que determinar a SPP, ficando a mesma apreendida pelo período de 3 meses, período durante o qual o arguido fica inibido de conduzir veículos a motor na via pública.

».

2 - Depois de obtida a concordância do Sr. Juiz de Instrução Criminal (fls. 32 dos autos principais), o Ministério Público, em 20-10-2017, decretou a SPP nos termos e condições que inicialmente propusera, tendo determinado que: a) Se notificasse o arguido «com a advertência de que se cumprir a injunção determinada o processo será arquivado, não o fazendo prosseguirá com a dedução de acusação (art. 282º, nº3 do CPP)»; b) «A coberto do n.º5 do artigo 281º (do CPP…) comunique à Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) para inscrição no registo de infracções de condutor (RIC), nos termos dos artigos 1º, 4º, 5º e 6º do DL n.º317/94, de 24 de Dezembro, na redacção da Lei n.º 27/2015, de 14 de Abril». «Mais comunique, assim que o arguido proceda à entrega da carta nos autos, ao IMTT (…) a aplicação ao arguido da injunção de proibição de condução de veículo, com o envio dos seguintes dados (…)».

3 - Em requerimento apresentado em 31-10-2017, o arguido alegou perante o Juiz de Instrução Criminal a irregularidade deste último segmento de tal determinação, tendo invocado, em suma, a violação pelo mesmo do caso julgado formal advindo do despacho judicial de concordância com as injunções aplicadas, bem como a inconstitucionalidade das normas do C. Estrada que determinam a subtração de pontos.

4 - Sobre tal requerimento, o Sr. Juiz, em 10/01/2018, proferiu o seguinte despacho (a fls. 90 dos autos principais): «Requerimento de fls. 58 e ss e de fls. 82 e ss: Concordando com os fundamentos do Ministério Público a fls. 72, cujo teor aqui se dá por reproduzido, e porque o arguido concordou com a injunção, pelo que o invocado traduz abuso de direito na forma de venire contra factum proprium, indefere-se o requerido. Notifique, com cópia de fls. 72.

».

5 - Mediante o requerimento junto a fls. 95 e 96 (dos autos principais), o arguido invocou a irregularidade desse despacho, nos termos do disposto no arts. 97º nº 1, a), e 5 e 123º, nº 1, do CPP, com os seguintes fundamentos, em síntese: i) o arguido alegara a irregularidade da comunicação determinada pelo Ministério Público, por violação de caso julgado e por inconstitucionalidade das normas dos arts. 148º e 149º do C. Estrada, com cuja arguição o requerente pretende colocar em causa a competência da ANSR para, sem quaisquer garantias de contraditório, aplicar a “sanção administrativa” de perda de pontos, por entender que tal incumbência pertence ao juiz; ii) aquele despacho (de 10/01/2018) omitiu a respectiva fundamentação e a pronúncia sobre tais violação e inconstitucionalidades.

6 - Sobre esse requerimento recaiu o seguinte despacho de 5/02/2018 (a fls. 100 dos autos principais): «Considerando que o despacho de fls. 90 se mostra fundamentado, ainda que contra as expectativas do arguido, com recurso a remissão para a posição do MP exposta no processo – cfr fls. 72 – indefere-se a invocada irregularidade».

Inconformado com as referidas decisões judiciais, o arguido interpôs recurso, cujo objecto delimitou com as seguintes conclusões (sic): «1ª Vem o presente recurso interposto do despacho que indefere a irregularidade do despacho do Ministério Público que ordena a comunicação à ANSR, ao IMTT e à DRMT da decisão destes autos e da inconstitucionalidade dos artºs. 148º nº 2 e 149º do Código da Estrada e do despacho que indefere a irregularidade do despacho supra referido por omissão de pronúncia quanto à inconstitucionalidade e quanto à excepção de violação de caso julgado arguida.

  1. Ao arguido vinha imputada a prática um crime de desobediência previsto e punido pelos artºs 348º nº1 do Código Penal, sendo que pelo Ministério Público foi proferido despacho no sentido da suspensão provisória do processo pelo período de 6 meses, mediante a imposição ao arguido das seguintes injunções: - entregar a quantia de 250 € à associação Fraterna, mediante comprovativo a juntar aos autos; - entregar a carta de condução ficando a mesma apreendida pelo período de 3 meses, durante o qual o arguido ficaria inibido de conduzir veículos a motor na via pública.

  2. Nessa sequência foi proferido despacho homologatório por parte do Juiz de Instrução Criminal nos precisos termos do decidido pelo Ministério Público.

  3. Ainda nessa sequência foi proferido despacho em 20/10/17 no qual se determinou o cumprimento das injunções supra e ainda se ordenou a comunicação à ANSR, ao IMTT e à DRI, sendo a primeira para efeito de inscrição no RIC e para a perda de pontos da carta.

  4. O arguido arguiu a irregularidade deste segmento do despacho do Ministério Público perante o Juiz de Instrução Criminal, entre o mais, invocando a ocorrência de violação de caso ju1gado e a inconstitucionalidade das normas do Código da Estrada que determinam a comunicação da decisão à ANSR e ao IMTT e a aplicação da sanção da perda de pontos.

  5. Salvo o devido respeito por opinião contrária o despacho de 5/2 transacto que indefere a irregularidade do despacho do MP, é, ele próprio, é irregular por falta de fundamentação.

  6. Sobre a violação de caso julgado e inconstitucionalidades arguidas, o despacho de fis. 90 não se debruçou, julgando-as verificadas ou inverificadas, omitindo a sua pronúncia quanto a tal matéria.

  7. E tinha que conhecer quer de uma quer de outra das questões, desde logo porque é ao Tribunal que incumbe desaplicar normas por inconstitucionalidade (cfr. o artº 204º da Constituição).

  8. Por outro lado, como é evidente, só o Tribunal podia conhecer da existência da excepção de caso julgado, sendo que a lei foi extremamente cuidadosa quanto a impedir a ocorrência de violação de caso julgado.

  9. Na verdade, a norma do artº 629º nº 2 al. a) do Código de Processo Civil aplica-se ao processo penal, independentemente do disposto no artº 400º do Código de Processo Penal.

  10. De facto, apesar de o legislador processual penal ter estabelecido no Código de Processo Penal um relativamente denso número de normas a reger a matéria dos recursos e não ter previsto expressamente a admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça quando ocorresse violação de caso julgado, tendo em conta o perigo e o desprestígio que acarreta para a Justiça a existência de decisões contraditórias, é plenamente justificável a abertura da possibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

  11. Tinha, por isso, o Tribunal de conhecer a excepção de caso julgado.

  12. Nos termos do disposto no artº 97º nº 1 ai. a) e 5 do Código de Processo Penal os actos decisórios são sempre fundamentados de facto e de direito, sendo que a sua não fundamentação constitui violação de tal norma, o que acarreta a ocorrência de irregularidade que se arguiu (artº 123º nº1 do Código de Processo Penal), mas que não foi devidamente conhecida como devia ser, pelo que o despacho recorrido deve ser anulado e...

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