Acórdão nº 1263/16.5T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 24 de Maio de 2018

Magistrado ResponsávelFERNANDO FERNANDES FREITAS
Data da Resolução24 de Maio de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES A) RELATÓRIO I.- B. A. e marido, C. M., com residência na Travessa …, Guimarães, instauraram contra J. A. e mulher, Maria, residentes no n.º … (Anexo) da referida Travessa …, a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum, pedindo a condenação destes Réus a reconhecerem-nos, a eles, Autores, os proprietários do prédio que melhor identificam na p.i., e a entregarem-lhes uma dependência que integra esse prédio, livre de pessoas e bens, e ainda a pagarem-lhes uma indemnização pela ocupação ilegítima do espaço, calculada à razão de € 10 diários, a contar da data da propositura da presente acção até efectiva entrega da dependência.

Alegam, para tanto e em síntese, serem donos e legítimos proprietários de um imóvel, que identificam, imóvel esse composto por um edifício e três dependências, sendo que há alguns anos eles, Autores, permitiram que os Réus habitassem gratuitamente numa dessas dependências. Porém, tendo reclamado destes a entrega do espaço, os mesmos não o fizeram, continuando a ocupar a dependência vinda de referir, contra a sua vontade.

Regularmente citados, contestaram os Réus reconhecendo a propriedade dos Autores sobre o imóvel reivindicado mas acrescentando que o ocupam ao abrigo de uma relação arrendatícia (ainda que meramente verbal), já que desde o início do gozo do anexo (que situam em 1980/1981) que eles, Réus, pagam uma contraprestação mensal, que inicialmente foi fixada nos 2.000$00, vindo a ser actualizada para os € 25 aquando da mudança do escudo para o euro; por esse motivo, excepcionaram igualmente o erro na forma de processo.

Deduziram ainda os Réus pedido reconvencional pedindo, para a eventualidade da procedência da acção, a condenação dos Autores a pagarem-lhes a importância de € 32.000, que é o valor correspondente às benfeitorias que realizaram no imóvel reivindicado, bem como a permitir-lhes o levantamento de outras benfeitorias, que identificam.

Os autos prosseguiram os seus termos vindo a proceder-se ao julgamento que culminou com a prolação de douta sentença que: i) - julgou a acção parcialmente procedente, condenando os Réus: - a reconhecer serem os Autores os proprietários do prédio urbano composto por edifício de r/c, com a área de 156 m2, 3 dependências (uma com 38 m2, outra com 56 m2 e a terceira com 120 m2) e logradouro, com a área de 2.435 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ... da freguesia de …; - a entregarem aos Autores a dependência que ocupam, livre de pessoas e bens; - a pagarem aos Autores uma indemnização pela ocupação ilegítima do espaço, calculada à razão de € 3 diários contados desde a data da propositura da presente acção até efectiva entrega da dependência; ii) julgou o pedido reconvencional improcedente por não provado; iii) julgou improcedentes os pedidos de condenação dos Autores e dos Réus como litigantes de má fé.

Inconformados, trazem os Réus o presente recurso pedindo a reapreciação da decisão de facto e a revogação da decisão de condenação.

Foram colhidos os vistos legais.

Cumpre decidir.

**II.- Os Réus/Apelantes formularam as seguintes conclusões: I. No âmbito do presente processo foi proferida sentença julgando totalmente procedente a ação, onde se peticionava a entrega do imóvel livre de pessoas e bens e o pagamento de uma indemnização pela privação do uso e julgou parcialmente procedente a reconvenção, ao permitir o levantamento das benfeitorias realizadas pelo R.

  1. Porém, o R. não se poderá conformar com este dispositivo, porquanto foi produzida abundante prova que, se devidamente ponderada, teria conduzido a uma decisão em sentido diverso.

  2. Sob o ponto c) da matéria de facto assente considerou o tribunal que a utilização da dependência aqui em causa, da propriedade dos AA., foi cedida ao R. a título gratuito.

  3. Porquanto considerava que cabia ao R. o ónus da demonstração de uma relação arrendatícia.

  4. Porém, assentando a petição inicial na existência de um contrato de comodato entre as partes, recaía sobre os AA. o ónus de comprovar esse vínculo entre as partes.

  5. Verdade é que os AA. não trouxeram um único documento que titulasse ou demonstrasse a existência de um contrato de comodato, bem como nenhuma das testemunhas por si arroladas tinha conhecimento pessoal da alegada cedência gratuita da dependência dos AA. ao R.

  6. Os elementos de gratuitidade, entrega de um bem imóvel a outrem e a respetiva restituição constituem pressupostos/requisitos fundamentais e que caracterizam um contrato de comodato.

  7. Como resulta explícito do aresto aqui em análise, os AA. não lograram fazer prova destes elementos. Não o tendo feito, deveria ter improcedido a ação.

  8. O Tribunal a quo fez uma errada e grosseira análise dos depoimentos das testemunhas arroladas pelos RR, em especial as suas filhas Olinda e Engrácia e do seu genro Artur.

  9. Até porque (sem considerarmos os AA.) as filhas dos RR são os únicos com conhecimento direto dos factos aqui em questão.

  10. Em sede dos depoimentos das testemunhas filhas dos RR, bem como as testemunhas Alzira, M. C. e Custódia, as mesmas conseguiram descrever com algum rigor e pormenor as obras que foram efetuadas, desde o momento em que os RR foram para lá morar com a sua família.

  11. Obras que foram amplamente descritas de igual forma pela testemunha Artur.

  12. Tendo a prova aqui produzida sido apenas considerada para dar factos como não provados, ao invés do oposto.

  13. O facto de pagamento de renda ao longo dos anos foi igualmente corroborado de forma consistente pelas testemunhas Olinda, Engrácia e Artur, tendo estes sido completamente obliterado do juízo do Tribunal a quo.

  14. Neste sentido, o Tribunal a quo não efetuou o julgamento da matéria de facto de forma correta, criteriosa, exigente e ponderada atento o princípio da livre apreciação da prova.

  15. Por essa razão, com a decisão ora recorrida, violou o art.º 607.º do CPC, o que, consequentemente, levou a que o Tribunal erradamente tivesse dado como provado o ponto 4. – “A utilização foi permitida pelos Autores a título gratuito”.

  16. O Tribunal a quo, ao considerar que cabia ao R. a demonstração da existência de uma relação arrendatícia, violou a regra vertida no art.º 342.º do C.C.

  17. Na eventualidade de não se considerar que entre os AA. e RR. foi celebrado um contrato de arrendamento, ainda que verbal, mas sim um contrato de comodato, no que se não concede, não deixam os RR. de ter direito a ser compensados pelas benfeitorias necessárias e úteis, também.

  18. Não é razoável, à luz das regras de experiência comum, que uma qualquer edificação permaneça sem qualquer melhoramento ou intervenção e manutenção por mais de 30 anos.

  19. Ao invés do que as testemunhas dos AA., aqui recorridos, vieram afirmar, as testemunhas arroladas pelos RR. vieram com precisão e pormenor descrever os trabalhos e obras necessárias, não só de expansão, mas sobretudo de conservação que efetuou ao longo do tempo.

  20. Esta consideração pode ser perfeitamente ancorada nos depoimentos das filhas Olinda e Engrácia e também no depoimento da testemunha Artur, a quem o R. adjudicou a maioria das referidas obras, XXII. Sendo que as obras foram também relatadas com alguma precisão pelas testemunhas Alzira, M. C. e Custódia.

  21. Face a tal produção de prova, dificilmente se compreende a decisão de não indemnizar o R. pelas benfeitorias realizadas.

  22. Em primeiro lugar porque se tratam de benfeitorias úteis, integradas na coisa imóvel e, por definição, insuscetíveis de levantamento.

  23. Em segundo lugar porque o valor das benfeitorias não se afere pela utilidade conferida tanto ao possuidor, como ao proprietário.

  24. Mas num critério objetivo, oferecido pelo art.º 216.º do Código Civil, de valorização do bem onde se integram e não de planos de ordem volitiva dos proprietários.

  25. Ao não decretar o pagamento de uma indemnização pelas benfeitorias úteis realizadas e não passíveis de levantamento, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 562.º; 566.º e 1273.º, todos do Código Civil, adotando um conceito erróneo e não corroborado pela leitura do art.º 216.º do mesmo diploma.

  26. Nesta conformidade, deverá a resposta à matéria de facto ser alterada, nos termos do artigo 640º e 662º do Código de Processo Civil, contemplando esta o facto de todas as obras realizadas no anexo terem-no sido a expensas do R. que despendeu aproximadamente mil contos (à data).

  27. Devendo, consequentemente e subsidiariamente, ser alterada a decisão no sentido de ser devida uma indemnização ao R. no valor de € 32.000,00 (trinta e dois mil euros), acrescido de juros calculados à taxa aplicável às obrigações civis, desde a notificação aos AA. da presente reconvenção e até integral e efetivo cumprimento.

  28. Sem conceder e ainda que se venha a considerar procedente tudo o peticionado pelos AA., nunca se poderá acompanhar a sentença ora recorrida na parte dispositiva referente à indemnização pela privação do uso do imóvel.

  29. A decisão recorrida não fundamentou qualquer dano em concreto sofrido pelos AA, porquanto o mesmo não resultou provado no elenco dos factos provados.

  30. Dano esse que é condição essencial à procedência de qualquer pedido indemnizatório, conforme resulta do disposto no art.º 483.º do C.C.

  31. Ainda que no limite se viesse a acolher a tese da simples privação do uso como dano indemnizável, sempre teremos de recorrer a critérios de equidade para quantificar essa lesão na medida equivalente.

  32. Ora, como foram os AA. incapazes de demonstrar que utilidade económica advinha da parcela ocupada pelos RR., não se alcança que medida equivalente foi tomada em consideração pelo Tribunal a quo.

  33. O artº 566, nº 2 do Código Civil refere-nos que a indemnização em dinheiro se afere pela diferença entre a situação patrimonial caso não tivesse ocorrido o dano e a situação patrimonial atual.

  34. O nº 3 do mesmo preceito estatui que “Se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o Tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que...

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