Acórdão nº 121/16.8T8CBT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 24 de Maio de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA DA PURIFICA
Data da Resolução24 de Maio de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

- Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães – I.

RELATÓRIO A presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum foi intentada por João, com domicílio profissional na Rua Dr. …, em Celorico de Basto contra a Companhia de Seguros X, S.A, com sede na Avenida …, em Lisboa, peticionando a condenação da ré no pagamento das quantias de € 28.130,34, a título de danos patrimoniais emergentes de acidente de viação, acrescida de juros de mora vincendos à taxa de 4% ao ano, contados desde a citação a até efetivo e integral pagamento.

A fundamentar o seu pedido alega, em suma, o autor, que no dia 09 de Outubro de 2015, pelas 19h30, na Rua Dr. …, Celorico de Basto, ocorreu um acidente de viação no qual foram intervenientes, o veículo automóvel de marca Citroen C4, com a matrícula IP, propriedade de Pedro, e três bicicletas, propriedade do Autor.

Segundo o autor, as 3 bicicletas encontravam-se encostadas à traseira da carrinha do Autor imobilizadas, prontas a serem carregadas para a carrinha do Autor, a qual estava devidamente estacionada e igualmente imobilizada num dos lugares de estacionamento sitos na Rua em frente à loja daquele, sita na Rua Dr. …, em Celorico de Basto.

Sucede que, o IP, que estava paralelamente estacionado junto da carrinha do Autor, ao fazer a manobra de marcha – atrás para sair do estacionamento, virou para a direita com a traseira e embateu nas bicicletas, abalroando-as.

Refere, pois, o autor que a colisão deveu-se à imperícia e à conduta desatenta do condutor do IP, o qual iniciou a manobra de saída do estacionamento, sem se ter assegurado de que o fazia em segurança.

O condutor do IP, segurado na Ré, assumiu a responsabilidade pela ocorrência do sinistro, juntamente com o Autor, subscreveu a respetiva «declaração amigável de acidente automóvel», que entregaram à Ré.

Em virtude do referido embate, as três bicicletas sofreram avultadíssimos danos em toda a sua extensão, ficando absolutamente impedidas de circular.

Citada a ré contestou, nos termos de fls. 26 a 35, cujo teor se dá por reproduzido, defendendo-se por impugnação, colocando em crise a matéria de facto alegada pelo autor quanto à propriedade das bicicletas, a verificação do acidente e, consequentemente, a dinâmica daquele e as consequências do acidente na esfera patrimonial do autor.

Refere, em suma, que não é crível a descrição da dinâmica do embate comunicada e consignada na declaração amigável celebrada entre o autor e o condutor do veículo IP seguro na ré, razão pela qual decidiu efetuar averiguações para aferir da verificação do acidente e da sua dinâmica.

Das várias averiguações que refere ter efetuado, conclui que o acidente não teve lugar, nem teve as consequências reclamadas, pela inverosimilhança da dinâmica do acidente descrita e dos danos verificados nas bicicletas, que no seu entender não são compatíveis com o acidente descrito pelo autor, tudo nos moldes que fundamenta no seu articulado.

Mais refere que o autor participou recentemente dois alegados furtos de bicicletas à seguradora Y, mais precisamente: - um sinistro alegadamente consistente no furto de várias bicicletas e outros objetos da sua loja, alegadamente ocorrido em Março de 2012, no valor de 27.000,00€, - à mesma seguradora um furto de material/bicicletas da Loja, alegadamente ocorrido em Junho de 2012, no valor de 7.000,00€.

Mais participou o autor à W Seguros a alegada ocorrência de um sinistro envolvendo três bicicletas de que disse ser dono (uma KTM Myroon Master 2014, uma KTM Scarp Elite 2014 e uma KTM Myroon Prestige 2012), ocorrido no dia 25/10/2015, em Arco de Baúlhe, colocadas sobre um expositor no exterior do edifício da escola …, no âmbito de um evento designado como AB, sendo que nesse local estaria estacionado o veículo com a matrícula VC, conduzido por um tal de Manuel que, quando o dito Manuel efetuava uma manobra de marcha-atrás derrubou e calcou as ditas três bicicletas, que estavam paradas e encostadas, causando-lhe danos.

De tudo quanto alega, conclui a ré que o sinistro descrito na PI, ou não ocorreu, ou não é mais do que uma montagem destinada a criar a aparência de um acidente que, na verdade, não existiu.

Sem prescindir, refere e alega que depois de lhe ter sido participado o sinistro, a ré procedeu a uma avaliação dos danos ostentados pelas bicicletas em causa.

Neste âmbito, o próprio autor apresentou os orçamentos que junta com a sua petição inicial, pelo que não aceita que o custo da reparação das bicicletas ascenda ao alegado pelo autor.

Mais refere a ré que, aquando da avaliação dos danos ostentados pelas bicicletas constou que o valor de reparação indicado pelo autor era, quanto à maioria das bicicletas, superior ao seu valor comercial.

Além disso, depois de rigorosa análise e escrutínio dos orçamentos apresentados pelo autor, foi constatado que eram excessivos, facto que o próprio autor admitiu.

Assim, a reparação de todos os estragos sofridos e ostentados pela bicicleta Cipollini RB1000 após o alegado sinistro custaria 10.500,00€, com todos os encargos legais.

A reparação de todos os estragos sofridos e ostentados pela bicicleta KTM Revelator Elite Di2 após o alegado sinistro custaria 5.150,00€, com todos os encargos legais.

E a reparação de todos os estragos sofridos e ostentados pela bicicleta KTM Scrap 29 Prestige após o alegado sinistro custaria 4.800,00€, com todos os encargos legais- Pelos valores acima indicados era possível repor as bicicletas em bom estado de conservação e nas condições em que, alegadamente, estariam antes do acidente, o que o autor, expressamente, reconheceu, conforme atas de avaliação de prejuízos que a ré junta com a contestação.

Conclui a ré pugnando pela improcedência da ação.

Foi realizada a audiência prévia, tendo sido proferidos os despachos saneador e de identificação do objeto do litígio e de enunciação dos temas da prova, datados de 10 de Janeiro de 2017, de fls. 93 a 97.

Os autos seguiram a tramitação devida e finda a audiência de julgamento foi proferida sentença que julgou totalmente improcedente a presente ação, por não provada e, em consequência, absolvo a ré “Seguradora U., SA” do pedido formulado nos presentes autos pelo autor João Com custas pelo autor, nos termos do preceituado no artigo 527.º, n.º 2, do Código de Processo Civil Inconformado com a sentença reagiu o autor apelando a esta instância, formulando as seguintes conclusões a rematar a motivação de recurso: (transcrição): A.

O Autor não se conforma com a decisão quanto à matéria de facto (alíneas a), b), c), d), e), f), g) e h) da matéria de facto não provada) o que se reflecte na aplicação da lei e na decisão final da causa.

B.

O Tribunal recorrido não se convenceu de que o acidente de viação tenha ocorrido, não tendo o Autor logrado provar que era o proprietário das bicicletas.

C.

Ora, a Ré nunca impugna o facto de as bicicletas serem propriedade do Autor, apenas referindo que “instado a apresentar algum documento que comprovasse ser dono dessas bicicletas e a sua antiguidade, o A não o fez” (artigo 99º da Contestação).

D.

A notificação do Autor para juntar aos autos as facturas que titulam a aquisição das bicicletas destinava-se a prova de que eram usadas (artigo 93º), com vista à impugnação dos danos sofridos e do seu valor.

E.

O facto de as bicicletas pertencerem ao Autor não foi impugnado pela Ré nem se encontra em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, pelo que está aceite (ex. vi artigos 573º e 574º do Código de Processo Civil).

F.

Aliás, a Ré outorgou com o Autor três actas de liquidação dos prejuízos que incluiu directamente no texto da sua Contestação (artigos 141º a 153º e documentos 9, 10 e 11), acordo que fez aceitando a propriedade das bicicletas sendo que impugnar a propriedade das bicicletas seria contradizer-se insanavelmente.

G.

No despacho saneador o Tribunal a quo também reconheceu explicitamente a propriedade das bicicletas, onde definiu estar carenciado de prova: “2. Saber quais os danos materiais verificados nas bicicletas identificadas nos artigos 15.º, 17.º e 19.º da petição inicial, propriedade do Autor e resultantes do acidente mencionado em 1., e qual o montante necessário para reparação dos referidos danos”.

H.

O despacho saneador não foi impugnado, e criou nas partes a legítima convicção de que a propriedade das bicicletas não estava em discussão, por ter o Tribunal determinado que esses bens eram propriedade do Autor.

I.

Ao introduzir essa questão na douta sentença, em directa contradição com o que decidira anteriormente, o douto Tribunal violou o princípio que proíbe decisões surpresa, ferindo as legítimas expectativas das partes, o artigo 410º do Código de Processo Civil, e os princípios da estabilidade da instância e da protecção da confiança das partes.

J.

Violou também o disposto nos artigos 408º, nº1, 874º e 879º, alínea a) do Código Civil, olvidando que a propriedade se transfere por mero efeito do contrato, não dependendo da contraprestação (pagamento) para a sua translação e que a compra e venda de bens móveis não está sujeita a forma.

K.

Ademais o Autor juntou facturas aos autos, emitidas pelo vendedor das bicicletas e cujas inscrições são da exclusiva responsabilidade deste, e que provam a aquisição das bicicletas.

L.

Uma vez que o artigo 608º, nº 2 do Código de Processo Civil prevê que o juiz não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, é nula a sentença na parte em que conheceu da propriedade das bicicletas (artigo 615º, nº 1, alínea d) do mesmo Código).

M.

Nenhuma das divergências que levaram o Tribunal a não se convencer do acidente diz respeito ao sinistro em si, nem é relevante o suficiente para desacreditar as declarações prestadas perante o Tribunal.

N.

O Autor prestou depoimento e declarações de parte, gravadas através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, com início 00:00:01 a 00:53:11, (por referência à acta da audiência de discussão e julgamento do...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT