Acórdão nº 602/18.9T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Maio de 2018

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução17 de Maio de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO Joaquim, invocando o disposto no artº 3º, alínea d), e artº 6º, alínea d), ambos do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGTC), e ainda, o art. 989º, nº 3, do CPC, intentou, em 19-02-2018, no Tribunal de Viana do Castelo, Providência Tutelar Cível, para fixação de alimentos relativamente às suas filhas Maria e S. P. (ambas de maior idade), contra a sua mãe, I. M.

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Alegou, como causa de pedir, que ambas carecem de alimentos. Só o requerente lhos vem prestando. Apesar de maiores, estão a seu exclusivo cargo desde 01-01-2013. Não têm rendimentos nem bens. Não completaram ainda a sua formação (sendo uma estudante no ensino superior e estando a outra em missão religiosa voluntária fora do país mas tencionando, quando regressar, retomar a actividade académica). As despesas inerentes têm sido custeadas por ele. Nada para tal contribui a requerida, de quem está divorciado. Esta, aliás, alheou-se de tal obrigação e está “ausente” da “vida” delas, há mais de cinco anos.

Pediu que, uma vez julgada provada e procedente a acção, “deve: a) ser fixada uma prestação mensal a título de alimentos devidos às filhas Maria e S. P., em montante não inferior a 160,00€ (cento e sessenta euros); b) a requerida ser condenada ao pagamento da prestação supra referida em a) desde a propositura da presente ação e até ao término da formação das suas filhas ou até estas estarem aptas a suportar as suas necessidades através do produto do seu próprio trabalho; Tudo com as legais consequências.”.

Foi proferido, com data de 23-02-2018, despacho no qual se decidiu: “Atento o prescrito no artigo 5º DL 272/2001, o pedido de alimentos para filho maior é da competência da conservatória do registo civil e só posterior e eventualmente, do tribunal.

Considerando o disposto no artigo 99º CPC, atenta a incompetência absoluta, indeferimos liminarmente a pretensão. Custas pelo R.te. “ Inconformado, o requerente apelou a que esta Relação substitua tal decisão por outra que mande prosseguir a acção. Para o efeito, concluiu assim: “1- O requerente, divorciado, interpôs contra a mãe das suas filhas, ambas maiores, uma providência tutelar cível para obter a fixação de alimentos, ao abrigo do art. 989 nº 3 do CPC, art. 3 alínea d) e art. 6 alínea d) ambos do RGPTC.

2- Alegou em síntese que assume, a título principal e em exclusivo, o encargo de pagar as despesas das filhas maiores, as quais não se encontram ainda em condições de se sustentar a si mesmas.

3- Por força do acima referido peticionou a condenação da outra progenitora, a mãe, no pagamento de uma prestação mensal a título de alimentos.

4- Sucede que após o recebimento da ação veio o tribunal a quo decidir que: “Atento o prescrito no artigo 5º DL 272/2001, o pedido de alimentos para filho maior é da competência da conservatória do registo civil e só posterior e eventualmente, do tribunal.

Considerando o disposto no artigo 99º CPC, atenta a incompetência absoluta, indeferimos liminarmente a pretensão. Custas pelo R.te.”.

5- O recorrente não se conforma com a sentença proferida pelo tribunal a quo.

6- Decorre do artigo 989 nºs 1 e 3 do CPC que a competência para julgar as ações interpostas por um progenitor que suporta todos os encargos com filhos maiores e que se destinam a obter do outro progenitor o pagamento de uma prestação, é da competência dos tribunais judiciais e não das conservatórias do registo civil.

7- O objetivo de atribuir tal competência aos tribunais judiciais ficou desde logo claro quando o legislador no Projeto de Lei n.º 975/XII/4 referiu, claramente, o intuito de permitir ao progenitor que tem o filho maior a seu cargo agir judicialmente contra o outro progenitor.

8- Neste sentido foram já proferidas várias decisões judiciais, entre elas: acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27/10/2016, proc. 552/03.3TMLSB-A, acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23/03/2017, proc. 2257/17.9T8LSB.L1-6 e o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 13/07/2017, proc. 1362/16.3T8PTG.E1.

9- Também a doutrina acompanha a mesma opinião, sendo exemplo disso a opinião vertida por J. H. Carvalho, em “O novo regime de alimentos devidos a filho maior ou emancipado; contributo para a interpretação da Lei n.º 122/2015, de 1/9” - https://blogippc.blogspot.com/2015/09/o-novo-regime-dealimentos- devidos.html.

10- Acrescenta-se ainda que também o Conselho Consultivo do IRN, I.P., no seu parecer nº 53/CC/2016 de 29 de outubro de 2016, veio claramente dizer que as conservatórias não são competentes para aceitar o processo previsto no art. 989 nº 3 do CPC porquanto o mesmo é da competência dos tribunais judiciais.

11- Perante o exposto, dúvidas não restam que a ação proposta é da competência dos tribunais judiciais, tendo o tribunal a quo incorrido numa errónea interpretação e aplicação da lei, motivo pelo qual proferiu a decisão declarando-se incompetente para julgar a causa, decisão essa que deverá ser revogada e ao autos tramitados, tudo com as legais consequências.

Nestes e nos melhores termos de direito que V. Exas. doutamente suprirão deve a decisão recorrida ser anulada e substituída por aresto que determine o prosseguimento dos autos, tudo com as legais consequências.”.

Foi admitido o recurso como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.

Corridos os Vistos legais, cumpre decidir, uma vez que nada a tal obsta.

  1. QUESTÕES A RESOLVER Pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, sem prejuízo dos poderes oficiosos do tribunal, se fixa o thema decidendum e se definem os respectivos limites cognitivos. Assim é por lei e pacificamente entendido na jurisprudência – artºs 5º, 608º, nº 2, 609º, 635º, nº 4, 637º, nº 2, e 639º, nºs 1 e 2, do CPC.

    No caso, importa apreciar e decidir se o procedimento em causa é da competência do tribunal (ou da Conservatória).

  2. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Relevam os decorrentes do relato supra, emergentes dos autos.

  3. APRECIAÇÃO Através do Decreto-Lei nº 272/2001, de 13 de Outubro, maxime do seu artº 1º, determinou-se a “atribuição e transferência de competências relativas a um conjunto de processos especiais dos tribunais judiciais para o Ministério Público e as conservatórias de registo civil, regulando os correspondentes procedimentos.” Consta do respectivo preâmbulo: “Colocar a justiça ao serviço da cidadania é um dos objectivos estratégicos fundamentais assumidos pelo Governo nesta área, concretizado nomeadamente na tutela do direito a uma decisão em tempo útil. Neste sentido, importa desonerar os tribunais de processos que não consubstanciem verdadeiros litígios, permitindo uma concentração de esforços naqueles que correspondem efectivamente a uma reserva de intervenção judicial.

    Assim, aproxima-se a regulação de determinados interesses do seu titular, privilegiando-se o acordo como forma de solução e salvaguardando-se simultaneamente o acesso à via judicial nos casos em que não seja possível obter uma composição pelas próprias partes.

    Nestes termos, procede o presente diploma à transferência da competência decisória em processos cujo principal rácio é a tutela dos interesses dos incapazes ou ausentes, do tribunal para o Ministério Público, estatutariamente vocacionado para a tutela deste tipo de interesses, sendo este o caso das acções de suprimento do consentimento dos representantes, de autorização para a prática de actos, bem como a confirmação de actos em caso de inexistência de autorização.

    Procede-se ainda à transferência de competências para as conservatórias de registo civil em matérias respeitantes a um conjunto de processos de jurisdição voluntária relativos a relações familiares - a atribuição de alimentos a filhos maiores e da casa de morada da família, a privação e autorização de apelidos de actual ou anterior cônjuge e a conversão...

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