Acórdão nº 3740/16.9T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 06 de Dezembro de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA DOS ANJOS MELO NOGUEIRA
Data da Resolução06 de Dezembro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES I- Relatório José, intentou a presente acção de processo comum contra Auto Reparadora P. M. Unipessoal, Lda, ambos melhor identificados nos autos, pedindo a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de 6.063,00 €, a título de indemnização correspondente ao valor necessário para proceder à eliminação dos defeitos que o veículo apresenta, e, em alternativa, para o caso do tribunal entender que tal indemnização não é devida, que a R. seja condenada a proceder à reparação do veículo XJ de acordo com o relatório de peritagem e relatório técnico efectuados ao veículo, eliminando assim todos os defeitos da reparação anteriormente efectuada. Mais peticionou, para o caso de não ser possível à R. ou esta se recusar, incumprindo definitivamente, que o contrato de empreitada seja considerado resolvido. Subsidiariamente requereu que a R. fosse condenada a pagar ao A. a título de indemnização a quantia 6.063,00€ necessária para proceder à eliminação dos defeitos supra descritos, quantia esta acrescida de juros vincendos à taxa legal contados desde a citação até total e efectivo pagamento.

Alegou para tanto, e em síntese, que é proprietário do veículo XJ, sendo que na sequência de sinistro envolvendo este veículo, o mesmo foi reparado na R., tendo o pagamento dessa reparação – 7.438,84€ - sido efectuado pela X Seguros, enquanto seguradora do veículo responsável pela eclosão do sinistro, comprometendo-se a R a efectuar a reparação em conformidade com o relatório de peritagem efectuado.

Prosseguiu invocando que a reparação foi efectuada com defeitos, desde logo, aquando do levantamento do veículo, a 2.8.2015, o filho do A. efectuou uma viagem de Braga a Águeda, tendo-se partido o resguardo inferior de protecção do motor por não estar devidamente apertado, sendo que chegados a Águeda teve necessidade de remover a placa de protecção do motor e no dia seguinte constatou que, também, o tubo do radiador não se encontrava apertado, situações, que o seu filho comunicou presencialmente nas instalações da R. a 4.8.2015, comprometendo-se a R. a reparar tais problemas.

Mais, invocou que a 7.8.2015, surgiu no painel de controlo novo alerta relacionado com os mínimos e sistema de retenção, situação que R. não logrou resolver quando contactada para tal efeito, sendo que, nessa altura o veículo foi às instalações da CC, em Braga, onde a situação foi resolvida.

Finalmente, referiu que o veículo continuou a apresentar problemas, no guarda-lamas, manga do eixo, apoio do capot, ópticas, pintura e limpa faróis, a que a R não deu resposta, razão pela qual e por temer que que a circulação do veículo representasse perigo, a 10.12.2015 ordenou a realização de peritagem técnica à reparação efectuada, tendo a mesma concluído que a reparação da R. apresentava desconformidades que elenca, e para cuja reparação é necessário o montante de 6063,00€, pretendendo por via desta acção que lhe pague este montante ou proceda à reparação das desconformidades.

* Citado a R., deduziu defesa por excepção e impugnação, alegando em síntese que a reparação foi acordada com o filho do A., que sempre se apresentou como dono e legítimo possuidor do veículo, entendendo, assim, que carece o A. de legitimidade para a demanda, mais invocando que a reparação foi efectuada em conformidade, apenas faltando polir a pintura, acordando as partes a execução posterior deste serviço, uma vez que o filho dele necessitava em Agosto, tendo o A assinado declaração de conformidade de reparação cerca de um mês após o veículo estar em circulação.

Acrescenta que jamais lhe foi reclamada qualquer desconformidade, tendo veículo percorrido até Dezembro de 2015, 12 mil km, desconhecendo a R. o que se passou nesse hiato temporal com o mesmo, tanto mais, que não teve conhecimento da peritagem ordenada pelo A., nela não participou, nem nunca o A. lhe deu conhecimento do teor da mesma, a não ser aquando da citação para os termos desta acção Pugna pela improcedência da acção.

*Foi realizada audiência prévia, onde frustrada a conciliação das partes, o tribunal fixou o valor da acção, proferiu despacho saneador, admitiu a prova e designou data para julgamento.

*Já no decurso da audiência de julgamento, veio o A. alterar o pedido efectuado, na medida em que afirma já ter reparado parcialmente o veículo por forma a circular em segurança, apenas faltando substituir as ópticas frontais, pretendendo, agora, e em síntese, indemnização consistente no reembolso do montante já despendido de 3856,60€ e o necessário à realização dos trabalhos em falta no montante de 1.890,16€, em alternativa pede a condenação da R. a efectuar a reparação em falta, o que foi deferido pelo tribunal.

*Após realização do julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e em conformidade, condenou a R. a proceder à substituição das ópticas frontais esquerda e direita do veículo, por peças novas da marca CC cujo custo ascende a 1890,16€, no prazo de 30 dias, a contar do trânsito em julgado da presente acção, absolvendo a R. do mais peticionado.

*II- Objecto do recurso Não se conformando com a decisão proferida veio o A./Recorrente interpor recurso, juntando, para o efeito, as suas alegações, e apresentando, a final, as seguintes conclusões: 1) A douta Sentença ora Recorrida não fez a correcta aplicação e interpretação da lei aplicável à situação dos autos, designadamente fez uma incorrecta aplicação da Lei 24/96 de 31.07 na sua redacção actual e do DL 67/2003 de 08.04, pelo que deverá a mesma ser revogada.

2) Entendeu o Tribunal a quo que o relacionamento contratual dos autos se mostra estabelecido entre alguém que destina a obra encomendada a um uso não profissional (A.) e outrem que exerce com carácter profissional uma determinada actividade económica, a qual abrange a realização da obra em causa, mediante remuneração (a R.) (cfr. artigo 2.º, n.º 1 da LDC de 24/96).

3) Entendeu também que são estes sujeitos - com presumida desigual experiência, organização e informação - cuja intervenção simultânea transforma um contrato de empreitada em empreitada de consumo, que justificam a aplicação dum regime especial, visando a protecção da parte considerada mais débil - o consumidor/dono da obra.

4) Igualmente, entendeu e bem que, tal como resulta dos factos provados o veículo reparado, em Julho/Agosto de 2015, pela R. apresentava várias desconformidades em Dezembro de 2015, sendo certo, nos termos do art.º 3.º n.º 2 da L 67/2003, “As faltas de conformidade que se manifestem num prazo de dois ou de cinco anos a contar da data de entrega de coisa móvel corpórea ou de coisa imóvel, respectivamente, presumem-se existentes já nessa data, salvo quando tal for incompatível com a natureza da coisa ou com as características da falta de conformidade", nesta conformidade, provados que estão os defeitos, e porque os mesmos foram detectados volvidos 4 meses da reparação efectuada pela R. é de presumir que os mesmos existiam já aquando da respectiva entrega, finda a conclusão da reparação, tudo apontando claramente a má execução dos trabalhos por banda da R..

5) Relembre-se que sobre a R. impendia o ónus de provar que estas desconformidades eram alheias à reparação por si executada no veículo, ou sejas, que as desconformidades resultam de acto ou evento a que foi alheia, prova essa que a R., não logrou.

6) Nestes termos, e apesar do carro ter circulado 12.000km, nada nos foi trazido no sentido de ter ocorrido algum evento ou utilização indevida que ocasionou as desconformidades detectadas, pelo contrário, é evidente que a R. não efectuou os trabalhos em conformidade como o que se obrigara, outrossim, fê-lo com inúmeros vícios e deficiências.

7) E de facto, tal como a Douta Sentença refere: "Aqui chegados cumpre analisar se pode exigir o A. da R. o montante que peticiona a título de indemnização, a saber se pode exigir o montante que já despendeu e a despender para a reparação ficar em conformidade." 8) É neste preciso momento que, sempre s.m.o., o Douto Tribunal a quo não fez a correcta aplicação e interpretação do direito ao caso concreto.

9) A presente Acção, tal como foi configurada pelo A., enquadra-se no âmbito da relação de consumo, protegida e regulada pela Lei de Defesa do Consumidor plasmada na Lei 24/96 de 31.07 com a redacção que lhe foi conferida pela Lei 47/2014 de 28.07.

10) A situação dos autos não se enquadra no Decreto-Lei 67/2003 de 08.04, concernente à venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas.

11) Antes da publicação da Lei de Defesa do Consumidor - Lei n.º 29/81 de 22/08, depois substituída pela Lei n.º 24/96 de 31/07 - a prestação de serviços defeituosos estava apenas prevista nas normas incluídas no Código Civil.

12) O Legislador ao criar a Lei de Defesa do Consumidor (LDC) retirou o tratamento desta matéria ao campo geral do Código Civil e da disciplina do Direito Civil, criando assim uma legislação especial que pretendia isso mesmo: dar ênfase à protecção no tratamento das relações de consumo de um grupo destacado de pessoas, considerando que nessas relações a sua posição não era de total equilíbrio.

13) O Decreto-Lei 67/2003 de 08.04, no que à LDC diz respeito, apenas relevou para proceder à alteração dos artigos 4.º e 12.º desta, por força do seu artigo 13.º.

14) Assim, a Lei 24/96 de 31.07, alterada pelo DL 67/2003 de 08.04, reconhece ao consumidor, no artigo 4.º, o direito à qualidade dos bens e serviços destinados ao consumo, o qual é objecto de uma garantia contratual injuntivamente imposta, no âmbito da qual os bens e serviços destinados ao consumo devem ser aptos a satisfazer aos fins a que se destinam e a produzir os efeitos que se lhes atribuem, aos quais acresce a indemnização, de acordo com o artigo 12.º, n.º 1 da Lei 24/96.

15) E nos termos do art. 2.º, n.º 1 da LDC, considera-se consumidor, todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso...

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