Acórdão nº 881/14.0T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 06 de Dezembro de 2018

Magistrado ResponsávelPAULO REIS
Data da Resolução06 de Dezembro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. Relatório A. A., Advogado, instaurou ação declarativa sob a forma de processo comum contra Maria, ambos melhor identificados, pedindo a condenação da ré a pagar ao autor a quantia de €7.730,73, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros de mora vincendos desde a citação até integral pagamento.

Alegou para o efeito, e em síntese, que, no âmbito da sua atividade profissional de advogado, representa o arguido D. C. no processo comum singular n.º 201/07.OIDBRG que corre termos pelo 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Braga, tendo no âmbito desse processo sido ouvida como testemunha a ora ré; sustenta que no momento em que inquiria a referida testemunha, em sede de audiência de julgamento, aquela dirigiu ao autor palavras com intenção de lesar, atingir e afetar o seu bom nome, reputação, imagem, honra e consideração, assim lhe provocando danos não patrimoniais e patrimoniais, que descreve.

A ré contestou, negando ter dirigido ao autor uma das expressões que lhe são imputadas pelo autor, bem como o conteúdo e intencionalidade que aquele lhes atribui em sede de petição inicial.

Os autos prosseguiram com a realização da audiência prévia, no decurso da qual foi proferido o despacho saneador, tendo sido selecionados os temas da prova e admitidos os meios de prova.

Realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença, datada de 30-01-2018, que decidiu o seguinte: “ (…) Pelo exposto, julgo totalmente improcedente a acção e, em consequência, absolvo a ré Maria do pedido contra si deduzido pelo autor A. A..

Custas pelo autor, nos termos do disposto no art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.

O valor da causa já foi fixado a fls. 191.

Registe e notifique.” Inconformado, o autor apresentou-se a recorrer, pugnando no sentido da revogação da sentença, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem): «1. Da prova produzida através das declarações de parte do autor e do depoimento da testemunha S. R., na audiência de julgamento destes autos, que se encontram transcritos no corpo destas alegações, flui que a Meritíssima Juíza a quo julgou incorretamente os factos dados como não provados sob os pontos 1, 2 e 3, que deveriam ter sido considerados como provados.

  1. As passagens da gravação das declarações de parte do autor, em que o recorrente se funda, estão registadas desde 00:00:18 a 00:01:50; desde 00:08:13 a 00:08:52; desde 00:10:16 a 00:10:52 e desde 00:11:24 a 00:15:21; 3. As passagens da gravação do depoimento da testemunha S. R. que fundamentam a pretensão do recorrente estão registadas desde 00:00:55 a 00:05:10; desde 00:09:31 a 00:10:11 e desde 00:13:26 a 00:14:07.

    Concretizando: 4. A expressão “o doutor é burro”, foi proferida pela recorrida em plena audiência de julgado, conforme perentoriamente afirmado pelo recorrente (cfr. minuto 0:18 e seguintes da gravação do depoimento de parte).

  2. Apenas por uma mera razão técnica, essa expressão não consta da transcrição da gravação áudio do julgamento.

  3. Essa razão, segundo um perito de transcrições, reside no facto de a expressão ter sido proferida em tom baixo (impercetível para a gravação) ou ter sido dita, não diretamente para o microfone, mas para o visado recorrente, de forma fugidia.

  4. O caráter fugaz com que foi proferida a expressão em causa poderá ter feito com que escapasse à perceção do Julgador, explicando assim a sua passividade.

  5. O recorrente, na altura, não alimentou a controvérsia com a recorrida acerca da sua afirmação, por ter ficado convencido de que essa expressão tinha ficado gravada no sistema de gravação da sala de audiência.

  6. Não tendo sido efetuada qualquer prova em contrário, o Tribunal recorrido deveria ter valorado favoravelmente o depoimento do apelante e considerado provado o facto imputado à recorrida no nº 4 supra.

  7. Com as expressões referidas na alínea E) a apelante pretendeu comparar, em termos comportamentais, o arguido (acusado de um crime de fraude fiscal qualificado) ao recorrente.

  8. Essa comparação visava lesar e atingir o bom nome, reputação, honra, consideração pessoal, e brio profissional do recorrente.

  9. Efetivamente, o termo “jeitoso” pode ter uma conotação estética, significando “elegante”, “esbelto”; ou pode ser entendido pejorativamente, com o significado de “biltre” ou “ordinário”.

  10. As circunstâncias de tempo e de modo em que esse termo foi proferido pela recorrida excluem que se trate de um qualquer galanteio ou apreciação estética, já que tal palavra foi usada no decurso de uma audiência de discussão e julgamento e não numa ocasião propícia para sedução ou num “casting” de modelos.

  11. Deste modo, resta o entendimento pejorativo do termo, sendo que o que a ré quis significar foi: “É tão biltre, tão ordinário como o D. C., senhor doutor”.

  12. Foi assim que o recorrente entendeu a comparação verbalizada pela apelada, e era assim que o homem médio, suposto pela ordem jurídica, a entenderia também.

  13. Neste conspecto, deve considerar-se provado que “a ré proferiu as expressões referidas em E) e 1 com a intenção de lesar e atingir o bom nome, reputação, imagem, honra, consideração pessoal, social e profissional, brio e imagem do autor”.

  14. E deve considerar-se provado que “por causa do referido em E) e 1, o autor sentiu-se angustiado, ferido no seu brio e reputação pessoal, social e profissional, enervado, humilhado e perturbado”.

  15. Quando se entenda que a recorrida não apodou o apelante de “burro”, deve considerar-se provado que “a ré proferiu as expressões referidas em E) com a intenção de lesar e atingir o bom nome, reputação, imagem, honra, consideração pessoal, social e profissional, brio e imagem do autor”; 19. e que “por causa do referido em E), o autor sentiu-se angustiado, ferido no seu brio e reputação pessoal, social e profissional, enervado, humilhado e perturbado”, 20. pois seriam com certeza estes os danos que se produziriam na esfera jurídica de um magistrado judicial se, no decurso de uma audiência de julgamento, uma testemunha o comparasse ao arguido que estava a ser julgado.

  16. O estado de descontrolo e nervosismo – que não consta dos factos provados – de que eventualmente padecia a apelada mercê da forma incisiva e insistente como vinha sendo interrogada pelo ora recorrente, não desculpa ou atenua o seu comportamento, já que o nervosismo das testemunhas e a forma muitas vezes incisiva com que são inquiridas é algo que ocorre diariamente nos tribunais, sem que, apesar disso, se percam o respeito e a urbanidade.

  17. O trecho do Acórdão citado na prolatada sentença, embora aparente poder aplicar-se ao caso dos autos, quando apreciado in totum, não revela essa virtualidade, nem com o melhor esforço hermenêutico.

  18. A sentença sub judicio viola o disposto nos artigos 70º, n.º1 e 483º, n.º1, ambos do Código Civil e ainda os artigos 607º, n.º4, e 615º, n.º1, alínea c), do Código de Processo Civil.

    Pelo exposto e pelo muito mais que V.as Ex.as proficientemente suprirão, concedendo provimento ao presente recurso, revogarão a sentença recorrida, considerando a ação procedente, e condenando a recorrida numa indemnização fixada em prudente arbítrio.

    Assim, farão a costumada JUSTIÇA !!!” A ré apresentou contra-alegações, sustentando a improcedência do recurso interposto e a consequente manutenção do decidido.

    II.

    Delimitação do objeto do recurso Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - artigos. 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC) - o objeto do presente recurso circunscreve-se às seguintes questões: A) Impugnação da decisão sobre a matéria de facto; B) Pressupostos da responsabilidade extracontratual; C) Obrigação de indemnizar.

    Corridos os vistos, cumpre decidir.

    1. Fundamentação 1.

    Os factos 1.1.Os factos, as ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão deste recurso são os que já constam do relatório enunciado em I. supra relevando ainda os seguintes factos considerados provados pela 1.ª instância na decisão recorrida: 1.1. A) O autor exerce a advocacia desde 29-7-1987, desempenhando a sua atividade no âmbito de processos judiciais, nomeadamente de natureza cível, criminal e administrativa e pontualmente também em sede de procuradoria; 1.1. B) E, quer no desempenho da sua vida de advogado, quer na sua vida privada, é pessoa merecedora do respeito de todos com quem se cruza no dia-a-dia; 1.1. C) Na qualidade de advogado, o autor representou os arguidos D. C. e Construções D. C., Lda., no âmbito do processo comum singular n.º 201/07.0IDBRG, que correu termos pelo 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Braga, onde os referidos arguidos se encontravam acusados da prática de um crime de fraude fiscal qualificada, crime do qual a final foram absolvidos por sentença transitada em julgado; 1.1. D) A ré foi ouvida como testemunha no âmbito do processo referido em C) em sessão de julgamento realizada no dia 7-3-2013, na parte da manhã; 1.1. E) Na referida data, quando o autor, na qualidade de advogado dos réus, se encontrava a inquirir a testemunha, cerca das 12:00 horas, a mesma dirigindo-se ao mesmo, disse: “O doutor desculpe, mas o doutor…estou a ver que é tão bom como ele”, “É tão jeitoso como o D. C., senhor doutor”; 1.1. F) Com a transcrição do depoimento da ré, o autor despendeu a quantia de €210,33, tendo ainda despendido a quantia de € 20,40 com a obtenção de uma certidão da sentença proferida no processo referido em C).

    1.2.

    O Tribunal recorrido considerou não provados os seguintes factos: 1.2.1.

    Na ocasião referida em D), a ré disse “o doutor é burro”; 1.2.2.

    A ré proferiu as expressões referidas em E) e 1 com a intenção de lesar e atingir o bom nome, reputação, imagem, honra, consideração pessoal, social e profissional, brio e imagem do autor; 1.2.3.

    Por causa do referido em E) e 1, o autor sentiu-se angustiado, ferido no seu...

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