Acórdão nº 470/17.8GBVLN.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 03 de Dezembro de 2018

Magistrado ResponsávelF
Data da Resolução03 de Dezembro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães.

(Secção penal) Relatora: Fátima Furtado; adjunta: Maria José Matos.

  1. RELATÓRIO No processo comum singular n.º 470/17.8GBVLN, do Juízo de Competência Genérica de Valença, Juiz 1, da comarca de Viana do Castelo, foi submetida a julgamento a arguida A. P., com os demais sinais dos autos.

A sentença, proferida a 5 de junho de 2018 e depositada no mesmo dia, tem o seguinte dispositivo: «- Condenar a arguida A. P. pela prática, em autoria material e sob a forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 5 (cinco) meses de prisão, cuja execução se suspende pelo período de 12 (doze) meses; - Condenar ainda a arguida na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 6 (seis) meses, ao abrigo do disposto no artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.

Custas pela arguida, que se fixam em duas UC nos termos do artigo 8.º, n.º 9, do RCC, a que acrescem os custos processuais.

*Após trânsito, remeta boletins ao Registo Criminal e comunique ao IMTT e à ANSR – artigo 500.º, n.º 1, do CPP.

Notifique, sendo ainda a arguida com a advertência expressa de que deverá proceder à entrega da sua licença de condução na Secretaria deste Tribunal ou em qualquer posto policial da área da sua residência no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado desta sentença, sob pena de, não o fazendo, incorrer na prática de um crime de desobediência» *Inconformada, a arguida interpôs recurso, apresentando a competente motivação que remata com as seguintes conclusões: I- Dos factos que foram dados indevidamente como provados 1. A Arguida foi condenada pela prática, em autoria material e sob a forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 5 (cinco) meses de prisão, cuja execução se suspende pelo período de 12 (doze) meses.

  1. Foi a Arguida ainda condenada na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 6 (seis) meses, ao abrigo do disposto no art.º 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.

  2. O Tribunal a quo considerou provada, nomeadamente, a seguinte matéria de facto: “No dia 4 de Junho de 2017, pelas 02h40m, a arguida conduzia automóvel com a matrícula (...), no parque de estacionamento das (...), sito no Lugar (...), em (...), neste concelho de Valença, quando sofreu um despiste.” 4. Salvo o devido respeito, que é muito, não podia o tribunal recorrido ter dado como provados tais factos (concretos pontos de facto que se considera incorrectamente julgados, em obediência ao artigo 412.º, n.º 3, alínea a), do Código de Processo Penal).

  3. A única Testemunha arrolada neste processo foi o Militar da GNR M. R., tendo a mesma sido indicada pelo Ministério Público na acusação, desta forma, a convicção do Tribunal a quo assentou, tal como é expressamente referido na própria sentença ora recorrida, “…no depoimento prestado pelo Guarda da GNR M. R. …” 6. Acontece que, salvo melhor opinião, o depoimento da referida Testemunha foi, por si só, insuficiente para que se pudesse concluir com toda a certeza que era a Arguida quem naquelas circunstâncias de tempo e lugar conduzia o veículo automóvel.

    Observemos, 7. Diz a sentença em crise que: “Explicou o depoente que quando chegou ao local identificado no ponto 1 dos factos provados a arguida assumiu perante si ser a condutora do veículo acidentado, (…)” 8. Do que acabou de se transcrever verifica-se que a Testemunha não viu a Arguida a conduzir a supra referida viatura, nem tão pouco presenciou o despiste da mesma, tendo baseado a sua convicção de que seria a arguida quem estaria ao volante da viatura, por ter sido ela quem, perante si, terá assumido ser a condutora do veículo acidentado.

  4. Contudo, do depoimento prestado pela Testemunha em sede de audiência de discussão e julgamento não é esta a mesma conclusão que se pode retirar.

  5. Conforme decorre das declarações da testemunha, militar da GNR M. R., com início às 14:29:13, do dia 29.05.2018, em particular no minuto 00:01:56, a Arguida ter-lhe-á relatado o acontecido e dito que era ela quem conduzia a viatura.

  6. Sucede que posteriormente no decorrer das suas declarações, quando questionado pela Exma. Sra. Procuradora do Ministério Público sobre se a Arguida teria assumido perante si ser a condutora do veículo, a testemunha refere apenas que: “em nenhum momento me disse o contrário”.

    Cfr.

    (Declarações da Testemunha com inicio às 14:29:13, do dia 29.05.2018, minuto 00:04:03 e ss.) 12. Daqui resulta que em nenhum momento a Testemunha afirmou com total certeza que quem conduzia o veículo era a Arguida, tendo a sua convicção de que seria a Arguida quem conduzia a viatura, o que aliás, bem se compreende, pois não assistiu ao mesmo.

  7. Pelo contrário, da análise das declarações da Testemunha resulta que a mesma garante que a Arguida nunca lhe disse que não era a condutora do veículo.

  8. Ora, daqui não se poderá deduzir, sem mais, que por a mesma não ter referido em momento algum que não ser a conduta do veículo, isso tenha que significar obrigatória ou logicamente que o era.

  9. Mais, a Testemunha refere claramente nas suas declarações que no local do acidente um indivíduo, dono de uma das viaturas que se encontrava no local, terá dito à Testemunha que era a Arguida quem conduzia a viatura supra identificada.

    Cfr.

    (Declarações da Testemunha com inicio às 14:29:13, do dia 29.05.2018, minuto 00:01:56 e ss.) 16. Contudo, refira-se desde já que se desconhece qual a identidade do referido indivíduo e que o mesmo não se encontrava presente na audiência de discussão e julgamento, não podendo o depoimento da Testemunha quanto a este aspecto específico, uma vez que consubstancia um depoimento indirecto, servir como meio de prova, de acordo com os termos previstos no art.º 129.º, n.º 1 e 3 do CPP, o que se argui para os devidos efeitos legais.

  10. Ainda durante as declarações da Testemunha, ao minuto 00:01:56, o mesmo refere que com a Arguida se encontrava um individuo do sexo masculino, ora visto que a mesma não presenciou o acidente, nada garante que não fosse esse cidadão do sexo masculino quem conduzia o veículo. Aliás, sem pretensiosismos de género, facto é que é habitual serem os homens a conduzir os veículos automóveis.

  11. E mais, resulta também das declarações da Testemunha, que a Arguida nem sequer aparentava estar alcoolizada!!!! 19. No caso sub judice o Tribunal a quo procedeu na sentença ora recorrida à imputação de um facto capaz de consubstanciar a prática de um crime à Arguida, com base nas declarações de uma Testemunha que não viu a Arguida a conduzir a supra identificada viatura, nem presenciou o despiste, não obstante, a sua declaração foi fundamental para a sua condenação na prática do crime aqui em causa, uma vez que não existem quaisquer outras provas.

  12. A tudo o que foi dito até aqui acresce que o arguido tem os direitos previstos no art.º 61.º CPP, bem como um regime específico previsto para a leitura das suas declarações consagrado no art.º 357.º CPP, ao dar como provado com tal facilidade o cometimento de um crime à Arguida, sem que a mesma sequer tivesse estado presente na audiência de discussão e julgamento, sem que esta tenha confessado a prática do mesmo, de acordo com os termos previstos no art.º 344.º CPP, e sem que tenham sido arroladas quaisquer outras testemunhas que tenham presenciado a prática do facto criminoso, estar-se-á perante a violação clamorosa dos direitos do arguido ínsitos no art.º 61.º do CPP.

  13. Em resultado de tudo o referido, temos de concluir o seguinte (considerando que, no dito supra, já especificamos concretamente as passagens em se baseia a nossa discordância quanto à decisão proferida em relação à matéria de facto dada como provada e não provada, nos termos do consignado no artigo 412.º, n.º 4 do CPP, neste ponto, por uma questão de simplicidade no discurso e porque já o fizemos acima, não vamos aludir às referidas passagens): Os factos (412.º, n.º3, alínea a) do CPP): 1. No dia 4 de Junho de 2017, pelas 02h40m, a arguida conduzia automóvel com a matrícula (...), no parque de estacionamento das (...), sito no Lugar (...), em (...), neste concelho de Valença, quando sofreu um despiste.

    Deveriam ter sido dados como Não Provados, em virtude da seguinte prova (412.º, n.º3, alínea b) do CPP): a) a Testemunha afirmou que não viu a Arguida a conduzir a viatura supra identificada, em assistiu ao acidente de viação; b) a Testemunha afirmou que na companhia da Arguida se encontrava um cidadão do sexo masculino; c) A Testemunha afirmou que a Arguida nunca lhe disse que era quem conduzia o veículo acidentado, apenas que a Arguida nunca lhe disse que não era a condutora do mesmo.

    d) A Testemunha refere claramente que a Arguida não aparentava, sequer, estar alcoolizada.

  14. Tais factos, conjugados com as regras da experiência, salvo melhor opinião, não são susceptíveis de demonstrar que era a Arguida quem, no dia 4 de Junho de 2017, conduzia o veículo automóvel com a matrícula (...), no parque de estacionamento das (...), sito no lugar (...), em (...), concelho de Valença, quando sofreu um despiste, conforme resulta do depoimento do Militar da GRN M. R..

    Sem prescindir, II – Da validade do meio de prova 23. Caso se admita, o que só por mera hipótese académica se concebe, como provados os factos em que assentou a sentença recorrida, sempre se diga que a condenação da Arguida fica inquinada pela violação do procedimento previsto nos art.

    os 153.º e 156.º C. da Estrada e art.

    os 1.º, n.º 3 e 4.º, n.º 1 do Regulamento de Fiscalização da Condução sob o Efeito do Álcool ou de substâncias Psicotrópicas aprovado em anexo pela Lei n.º 18/2007, de 17 de Maio.

  15. Das supra citadas disposições legais resulta claro que os intervenientes em acidente de viação terão de ser submetidos, em primeiro lugar, a exame de pesquisa de...

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