Acórdão nº 987/16.1T9VNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 03 de Dezembro de 2018

Magistrado ResponsávelAUSENDA GON
Data da Resolução03 de Dezembro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I – Relatório No processo comum, com intervenção de tribunal singular, com o nº 987/16.1T9VNF.G1, que corre termos no Juízo Local Criminal de Vila Nova de Famalicão, Comarca de Braga, foi proferido despacho, em audiência de julgamento, a considerar nula por não conter a descrição dos factos integrantes da totalidade dos elementos subjectivos do tipo, necessária à verificação do crime, a acusação pública deduzida pelo Ministério Público contra os arguidos N. A.

e Peúgas X, LDA, e determinar a devolução do processo aos serviços do Ministério Público para os fins tidos por convenientes.

Inconformados com a referida decisão, os arguidos interpuseram recurso, cujo objecto delimitaram com as seguintes conclusões: A. Vêm os recorrentes interpor o presente recurso do despacho proferido nos presentes autos, que decidiu determinar a devolução do processo ao MP para os fins tidos por convenientes, atenta a declaração de nulidade da acusação pública.

  1. Como refere o Ac. Relação de Guimarães de 09/01/2017 (proc. 628/11.3TABCL.G1), disponível em www.dgsi.pt. que aqui aderimos integralmente, a consequência da declaração de nulidade da acusação, por violação do disposto no artigo 283°, n° 3, do C. P. Penal, é, não a remessa dos autos ao Ministério Público, para os efeitos que tiver por convenientes (como decidiu o despacho recorrido), mas antes o arquivamento dos autos.

  2. Neste sentido vide também do Tribunal da Relação de Coimbra de 6-07-2011 (proc. 2184/069.5JFLSB.C1), disponível em www.dgsi.pt “A possibilidade de, após a dedução da acusação pública, na qual não constam todos os elementos típicos do crime imputado, se poder reformular essa peça processual, seria manifestamente violadora do princípio do acusatório e das mais elementares garantias de defesa do arguido.” D. Do mesmo modo, entendeu o acórdão da mesma Relação de 23-05-2012 (P.126/09.5IDCBR-B.C1 Maria José Nogueira., Ac. RE de 23-02-2016 (103/13.1T3STC.E1 - Martinho Cardoso) e de 07-04-2015 (159/12.4IDSTB.E1- Martinho; RC de 13-1-2016 (540/13.1GBPBL.C1 - Alberto Mira); e da RL de 30-01-2007 (10221/2006 - José Adriano TERMOS EM QUE deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o douto despacho recorrido, substituindo-o por outro que arquive o processo contra os arguidos.

O recurso foi regularmente admitido.

O Ministério Público respondeu, defendendo que a tutela da posição do arguido não reclama que a pretensão punitiva do Estado se deva considerar consumida com o despacho de declaração de nulidade ou de rejeição da acusação e que a regressão do procedimento à fase anterior consequente à declaração de nulidade da acusação, em ordem à renovação do acto inválido, não viola os princípios da igualdade e da proporcionalidade, nem constitui nenhum atropelo dos princípios do justo processo, da igualdade de armas, da lealdade processual e da vinculação temática da acusação.

Neste Tribunal, a Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto e fundamentado parecer divergindo do sentido expendido pelo Ministério Público na 1ª Instância, pugnando pela procedência do recurso justamente por entender que a devolução dos autos ao Ministério público viola os princípios do processo justo, de igualdade de armas e da vinculação temática da acusação.

Foi cumprido o art. 417º, nº 2, do CPP.

Efectuado exame preliminar e, colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, nos termos do art. 419º, nº 3, al. c), do CPP.

*II – Fundamentação Na medida em que o âmbito dos recursos se delimita pelas respectivas conclusões (art. 412º, n.º 1, do CPP), sem prejuízo das questões que importe conhecer oficiosamente, por obstarem à apreciação do seu mérito, suscita-se neste recurso a questão de aferir da possibilidade ou não de o juiz, após ter declarado a nulidade da acusação nos termos do nº 3 do art. 283º do CPP, devolver os autos ao Ministério Público para os fins tidos por convenientes.

Para tanto, deve considerar-se como pertinentes ao conhecimento do objecto do recurso o teor do despacho recorrido (transcrição): «No início da audiência de julgamento o arguido suscitou a nulidade da acusação pública deduzida nos autos, nos termos e com os fundamentos exarados a 274 e 275 dos autos. Exercido o contraditório, o MP pugna pelo respectivo indeferimento de acordo com os fundamentos de fls. 283.

Cumpre apreciar e decidir: Sobre a matéria em apreciação seguiremos, por pertinente o vertido no aresto do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido no âmbito do processo n.º 430/15.3GEGMR.G1, de 19-06-2017, acessível em www.dgsi.pt/jtrg, cujo conteúdo aderimos e passamos a transcrever, por economia processual: “A acusação, sendo formalmente a manifestação da pretensão de que o arguido seja submetido a julgamento pela prática de determinado crime e por ele condenado, constitui o pressuposto indispensável da fase de julgamento, por ela se definindo e fixando o seu objecto (cfr. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, III, 2.ª Edição, Revista e actualizada, pág. 113).

De acordo com o art.º 283.º, n.º 3, al. b), aplicável à acusação particular por força do n.º 3 do art.º 285.º, a acusação contém, sob pena de nulidade, “a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada…”.

Decorre a imposição do princípio do acusatório e como forma de assegurar ao arguido todas as garantias de defesa, em respeito pelo art.º 32.º, n.ºs 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa.

O atual modelo, vigente desde o Código de Processo Penal de 1987, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, estrutura-se no referido princípio do acusatório, embora mitigado com uma vertente investigatória, tendo, nessa parte, a respectiva autorização legislativa sido concedida com o sentido e extensão de estabelecimento da máxima acusatoriedade do processo penal, temperada com o princípio da investigação judicial [vd. art.º 2.º, n.º 2, 4), da Lei n.º 43/86, de 26 de setembro (autorização legislativa em matéria de processo penal)].

Um dos traços estruturais do princípio acusatório consiste na clara distinção entre, por um lado, a entidade que tem a seu cargo uma fase investigatória e, se for o caso, sustenta uma acusação, e, por outro lado, uma entidade distinta que julga, em audiência pública e contraditória, os factos objecto dessa acusação.

A reforma processual penal operada pela Lei n.º 59/98 de 25 de agosto, introduziu determinadas alterações que vieram reforçar o referido modelo, nomeadamente explicitando as funções dos vários sujeitos processuais, afastando várias dúvidas e divergências jurisprudenciais, como sucedeu com o aditamento do n.º 3 do art.º 311.º, em cujos termos: “… 3 - Para efeitos do disposto no número anterior, a acusação considera-se manifestamente infundada:

  1. Quando não contenha a identificação do arguido; b) Quando não contenha a narração dos factos; c) Se não indicar as disposições legais aplicáveis ou as provas que a fundamentam; ou d) Se os factos não constituírem crime. …”.

Ao prever-se, de modo claro e taxativo, as situações que podem levar à conclusão de se estar perante uma acusação manifestamente infundada, pressuposto da sua rejeição, limitaram-se os poderes do juiz sobre a acusação, antes do julgamento, confinando-os, no ponto de vista material, à valoração jurídica dos factos tidos como suficientemente indiciados pelo acusador. Mas, ainda assim, com uma margem de actuação bastante restrita, uma vez que apenas a pode rejeitar quando for manifestamente infundada, ou seja, quando for inequívoco e incontroverso que os factos nela descritos não constituem crime, pelo que, em face dos seus próprios termos, não tem condições de viabilidade, de nada servindo recebê-la e fazer prosseguir o processo, sujeitando o arguido inutilmente a julgamento, quando ela está votada ao insucesso.

Como mais refere o aresto que vimos citando, é sabido que nos elementos do tipo subjectivo de ilícito incluem-se os que se prendem com o dolo ou a negligência, dispondo o art.º 13.º do Código Penal que “só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência”.

O dolo, única modalidade de culpa de que pode revestir o crime em questão, é composto por vários elementos, habitualmente designados de forma sintética como “o conhecimento e a vontade de realização do tipo objectivo de ilícito” (cfr. art.º 14.º do Código Penal).

Segundo a doutrina tradicional do crime, sufragada pelo Mestre Eduardo Correia, o dolo desdobra-se num elemento intelectual e num elemento volitivo ou emocional, ao passo que para uma nova corrente, defendida por outro distinto Mestre, Figueiredo Dias, este elemento emocional constitui um terceiro e autónomo elemento.

O elemento intelectual traduz-se no conhecimento (enquanto previsão ou representação), pelo agente, das circunstâncias do facto, ou seja, dos elementos materiais constitutivos do tipo objectivo do ilícito, incluindo eventuais circunstâncias modificativas agravantes.

(…) Por seu lado, o elemento volitivo do dolo consiste na especial direcção da vontade do agente na realização do facto típico, depois de ter representado (ou previsto) as circunstâncias ou elementos do tipo objectivo do ilícito. Em função da diversidade dessa atitude, são diversas as espécies de dolo previstas nos vários números do art.º 13.º do Código Penal: dolo directo (em que o agente tem a intenção de realizar o facto criminoso), o dolo necessário (quando o agente não quer o facto, mas prevê-o como consequência necessária da sua conduta) e o dolo eventual (quando o agente prevê o facto como consequência possível, conformando-se com o...

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