Acórdão nº 2913/17.1T8VNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Dezembro de 2018

Magistrado ResponsávelMARIA JO
Data da Resolução17 de Dezembro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos; 1º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias; 2º Adjunto - António José Saúde Barroca Penha.

*I – RELATÓRIO 1.1.

Decisão impugnada 1.1.1. José e mulher, A. P.

(aqui Recorridos), residentes na Rua ..., Vila Nova de Famalicão, propuseram a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra C. F.

e mulher, M. N.

(aqui Recorrentes), residentes na Rua …, Vila Nova de Famalicão, pedindo que · fosse reconhecido o seu direito sobre água, depósito e canalização (que identificaram e discriminaram), condenando-se os Réus a restituírem-lhes a posse sobre tais bens e a procederem à religação da água ao seu prédio (que igualmente identificaram), como antes se encontrava; · fossem os Réus condenados a pagarem-lhes uma indemnização de € 2.500,00 por danos causados (que discriminaram), a que deveria acrescer o valor que viesse a ser fixado em execução de sentença.

Alegaram para o efeito, em síntese, serem proprietários de um prédio urbano, por o terem comprado à herança aberta por óbitos de J. F. e M. D. (pais do aqui Réu marido), estando constituída a favor do imóvel uma servidão de águas e aqueduto, quer por usucapião, quer por contrato celebrado em 1981, pelo referido J. F. e o proprietário do terreno onde a mina de água se encontrava e encontra Mais alegaram que, após terem adquirido o dito prédio urbano, os Réus passaram a divulgar que a água que o abastece é de sua exclusiva propriedade; e praticaram acções e realizaram obras que impediram que continuasse a correr a favor do seu prédio, o que se consumou, e mantem, desde 06 de Dezembro de 2015.

Alegaram ainda que, mercê do exposto, intentaram contra os aqui Réus uma providência cautelar de restituição de posse da referida água, a qual lhes foi deferida, sem que porém se mostre cumprida pelos nela Requeridos (aqui Réus).

Por fim, os Autores alegaram que a conduta dos Réus os deixou profundamente frustrados e tristes, e que se viram obrigados a realizar várias deslocações a Portugal, em defesa dos seus direitos (uma vez que são emigrantes em França); e que a estes prejuízos acresceriam outros, que de momento não poderiam quantificar, relegando o respectivo apuramento para execução de sentença.

1.1.2.

Regularmente citados, os Réus (C. F. e mulher, M. N.) contestaram, pedindo que a acção fosse julgada improcedente, sendo ainda os Autores condenados com litigantes de má fé, em multa e indemnização a seu favor; e deduziram reconvenção, pedindo que · fossem os Autores condenados a pagarem-lhes uma indemnização por prejuízos causados (que discriminaram), quantificando os mesmos até então em € 7.500,00.

Alegaram para o efeito, em síntese, nunca terem os Autores usufruído de qualquer água para uso doméstico no seu prédio, tal como eles próprios no que possuem confinante, por já antes das respectivas aquisições por eles próprios a mesma não cair aí; e, por isso, nunca a podendo ter esbulhado.

Mais alegaram que a dita água foi conduzida antes para ambos os prédios, pelo então seu comum proprietário (o pai do Réu marido), e apenas para regadio e outros fins que não os de uso doméstico; e não ter sido a mesma integrada na relação de bens da herança de J. F. e M. D. (pais do aqui Réu marido), pelo que não foi adquirida pelos Autores, quando compraram à dita herança o seu prédio urbano.

Alegaram ainda que: encontrando-se a herança ainda indivisa, todos os co-herdeiros, à excepção de um deles (representativo de um 1/5), assinaram uma declaração contratual, doando-lhes gratuitamente a dita água (sendo por isso o seu direito a ela titulado, de exercício público, pacífico e de boa fé); de qualquer modo, já a teriam adquirido por usucapião; e só por acto de mera tolerância sua permitiram, e permitem, a passagem de um quinto da dita água para prédio dos Autores (precisamente, a pertencente à Herdeira consorte que ainda não lhes cedeu a sua quota parte nela).

Já em sede de reconvenção, os Réus alegaram que os Autores, ou terceiros a seu mando, danificaram propositadamente a conduta que conduz a água em causa para os seus prédios, estimando o custo da sua reparação em € 5.800,00; e, estando privados há um ano de a utilizarem, registariam prejuízos no regadio do seu quintal e fabrico de culturas na sua horta, quantificando-os até à presente data em € 1.700,00.

Por fim, e em sede de pedido de condenação dos Autores como litigantes de má fé, os Réus defenderam terem os mesmos alegado factos que sabiam não corresponderem à verdade, terem feito do processo um uso manifestamente reprovável, e terem deduzido uma pretensão cuja falta de fundamento não ignoravam.

1.1.3.

Os Autores (José e mulher, A. P.) replicaram, pedindo que a reconvenção fosse julgada improcedente; e pedindo a condenação dos Réus como litigantes de má fé, numa multa e em indemnização a seu favor, não inferior a € 1.000,00, por terem deduzido uma oposição e uma pretensão cuja falta de fundamento não ignorariam.

1.1.4.

Foi proferido despacho: dispensando a realização de uma audiência prévia; admitindo a reconvenção; fixando o valor da acção em € 15.000,00; saneador (certificando tabelarmente a validade e a regularidade da instância); identificando o objecto do litígio e enunciando os temas da prova; apreciando os requerimentos probatórios das partes e designando dia para realização da audiência final.

1.1.5.

Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, julgando a acção parcialmente procedente, lendo-se nomeadamente na mesma: «(…) Por todo o exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente e, consequentemente: - Reconheço aos AA. o direito de servidão sobre a água aludida nos “factos provados”, bem como o direito de servidão de aqueduto referente ao encanamento subterrâneo dessas águas; - Condeno os RR. a proceder à religação das águas acima aludidas ao prédio identificado em 1) dos “factos provados”, tal como se encontrava antes dos os RR. terem levantado a calçada da Rua (...), aberto uma vala, cortado o tubo da água e procedido ao desvio da água para a sua casa de habitação referida em 9) dos “factos provados”; e - Condeno os RR. a pagar a cada um dos AA. a quantia de 1 000 (mil) €, acrescido de juros de mora, à taxa legal civil, a contar da presente data.

*Mais absolvo os RR. dos demais pedidos formulados pelos AA.

*Mais julgo totalmente improcedente o pedido reconvencional formulado pelos RR., dele absolvendo os AA..

*Mais julgo improcedentes os pedidos de condenação dos AA. e dos RR. como litigantes de má-fé.

*As custas da acção ficam a cargo da A. e dos RR. na proporção dos respectivos decaimentos, que se fixam, respectivamente, em 10% e 90% (art. 527º, nºs. 1 e 2, do CPC).

Porque totalmente vencidos, as custas da reconvenção ficam a cargo dos RR. (cfr. art. 527º, nºs. 1 e 2, do CPC).

*Registe e notifique.

(…)» *1.2. Recurso 1.2.1. Fundamentos Inconformados com esta decisão, os Réus (C. F. e mulher, M. N.) interpuseram o presente recurso de apelação, pedindo que fosse revogada a sentença recorrida.

Concluíram as suas alegações da seguinte forma (reproduzindo-se ipsis verbis as respectivas conclusões):

  1. Na perspectiva dos Recorrentes, com o devido respeito, a decisão em apreço não fez, pois, como adiante se demonstrará, correcta apreciação da prova, uma correcta interpretação dos factos e adequada aplicação do direito, sancionando a final uma solução injusta que a ordem jurídica não consente, devendo ser revogada.

  2. O Tribunal “a quo” reconheceu o direito de servidão de aqueduto referente ao encanamento subterrâneo dessas águas”.

    Confrontando o pedido com o sentenciado, não vislumbram os Recorrentes em que momento os AA peticionaram o direito de servidão de aqueduto referente ao encanamento subterrâneo dessas águas”.

    Como acima se prolatou, tão só pretendiam os AA. ver reconhecido “o seu direito sobre a água, depósito e canalização”, tout court.

    É assim manifesto que o Tribunal “a quo” condenou “ultra-petita”, na medida em que concedeu aos AA. mais do que lhe foi pedido, julgando uma questão que não lhe foi apresentada, que, concretizando diz respeito ao aqueduto que transporta as águas subterrâneas da nascente até ao depósito onde os outros co-utentes fazem, como sempre fizeram os Recorrentes, a divisão da água, como ficou provado no facto provado número 9 que a seguir transcrevemos. Desrespeitando o preceituado no n.º 2 dos art.ºs 608º e nº 2 do artº611º do CPC.

  3. A água em questão foi desintegrada do prédio (por negócio - vide doc.3 junto à p.i. a folhas 10 a 13, verso, dos autos), deixou de ser parte componente ou integrante dele e adquiriu por via disso autonomia, passou a ser coisa imóvel.

    Essa separação e desintegração da água do domínio do prédio verificou-se na sequência do título de aquisição do direito à água (ou mero uso dessa água) a favor do pai dos Recorrentes e dos outros co-utentes, como se disse, sendo que nos termos do artº 1390º do Código Civil, é título justo de adquirir a propriedade de coisas imóveis ou de constituir servidões, entre elas a usucapião, parva além de outro título aquisitivo.

    Mutatis mutandis, isto vale para o título de aquisição que os Recorrentes provaram ser possuidores, não só o contrato, como igualmente a USUCAPIÃO, pelo uso que desde sempre o seu pai lhe deu quando e na medida em que a usava para a rega do seu prédio, como provado.

  4. Os Recorrentes não são assim meros detentores ou possuidores precários. A sua posse é assim titulada, porque fundada no contrato, pública, pacífica e de boa-fé.

    Os Recorrentes invocaram, como invocam o direito de propriedade pleno sobre a água, porque é justo título de aquisição qualquer meio legitimo de adquirir a propriedade de coisa imóveis ou de constituir servidões, entre elas a usucapião, e neste caso, s. m. opinião, como acima se disse, a água em questão ao desintegrar-se do prédio mãe passou a ser coisa imóvel.

  5. A água em...

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