Acórdão nº 1330/15.2T9VNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Dezembro de 2018

Magistrado ResponsávelAUSENDA GON
Data da Resolução17 de Dezembro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I – Relatório No identificado processo comum singular, do Juízo Local Criminal de Vila Nova de Famalicão, da Comarca de Braga, os arguidos D. N.

e M. G.

, foram condenados por decisão proferida e depositada a 15-05-2018, como co-autores de um crime de denúncia caluniosa, p. e p. pelo art. 365º, n.º 2, do C. Penal, cada um, na pena de 65 (sessenta e cinco) dias de multa, à taxa diária de € 7 (sete euros), bem como a pagar solidariamente ao demandante L. N., a quantia de € 2.000 (dois mil euros), acrescidos de juros de mora legais, contados desde o trânsito em julgado da decisão até integral pagamento, a título de danos não patrimoniais.

*Inconformados com a referida decisão, os arguidos interpuseram recurso, formulando na sua motivação as seguintes conclusões: «(…) II. Não se conformam os recorrentes com a decisão recorrida por entenderem que decorre do texto da mesma os vícios elencados no art.º 410º n.º 2 a) e c) do CPP, insuficiência para a matéria de facto dada como provada e erro notório na apreciação da prova, concretamente quanto aos pontos 12, 13 e 20 da matéria de facto.

  1. Versando o presente recurso igualmente sobre matéria de direito, designadamente quanto à (in)verificação dos elementos subjetivos e objetivos do crime de denúncia caluniosa em causa, admissível nos termos dos artigos 391º, 410.º 1, 428 n.º 2 do CPP.

  2. O Tribunal condenou os Recorrentes com base num único e-mail dirigido à Via X – Portugal – Gestão de Sistemas Eletrónicos de Cobrança S.A., cujo endereço eletrónico pertence apenas à Recorrente M. G. e no qual esta surge como única subscritora, considerando este meio apto à prática criminosa de denúncia caluniosa.

  3. Sem absolutamente mais nenhuma prova – testemunhal ou documental – que suporte qualquer intenção por banda dos Requerentes (mormente o Requerente D. N.) na produção do ilícito.

  4. Ademais classificando equivocadamente a Via X – Portugal – Gestão de Sistemas Eletrónicos de Cobrança S.A. como autoridade (mesclando-a com entidade distinta- B.) e/ou considerando que o aludido e-mail constitui meio “público” de consumação, para efeitos do art. 365.º CP.

  5. De facto o Tribunal a quo labora em erro porquanto atenta a qualificação do crime previsto no 365.º do CP prevarica na definição do conceito “autoridade”; prevarica na definição do conceito "publicamente" e prevarica no preenchimento do elemento subjetivo e objetivo: impossibilidade na determinação do “quem” e da “intenção” quanto ao Recorrente D. N..

  6. O conceito de autoridade a que alude o artigo 365º do Código Penal abrange não só os Tribunais e demais instâncias formais (Ministério Público e Órgãos de Polícia Criminal), mas também todos os agentes da administração pública (central, regional e local) a quem a lei comete a tarefa de investigar e de sancionar contraordenações, e abrange ainda todos os agentes da administração pública a quem compete aplicar sanções disciplinares.

  7. Ou seja, Autoridade pública é, pois, aquela pessoa que investida na função pública tem efetivamente o poder de decisão, mando, figurando como competente e responsável pelo ato administrativo.

  8. Neste caso, considerar-se-ia a Autoridade Tributária e Aduaneira como “a” autoridade visto que é insofismável ser da sua exclusiva competência a instauração destes processos contraordenacionais, conforme dita o artigo 15º da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho.

  9. Daqui resulta que a Via X – Portugal – Gestão de Sistemas Eletrónicos de Cobrança S.A. não pode ser considerada (porque não o é) uma autoridade, nos termos e para os efeitos do artigo 9º da Lei 25/2006 de 30 de Junho.

  10. Ou seja, para dar-se como consumada a conduta típica da denúncia caluniosa pela Recorrente M. G. a comunicação (email) com menção de factos idóneos a desviar para o assistente a suspeita da prática de um ato ilícito contra o qual deva ser instaurado procedimento teria que ser feita perante a Autoridade Tributária e Aduaneira - agente da administração pública a quem cabe investigar e aplicar sanções a nível de contraordenações.

  11. A Via X – Portugal – Gestão de Sistemas Eletrónicos de Cobrança S.A. (entidade a quem foi remetida a alegada denúncia) uma vez que não se trata de UM AGENTE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA nunca poderia ser considerada uma autoridade para efeitos do disposto no artigo 365º do Código Penal.

  12. Caso assim fosse, não se dava o caso da Via X – Portugal – Gestão de Sistemas Eletrónicos de Cobrança S.A. ter que reportar as infrações à ATA, podendo ela própria aplicar as sanções em questão, promovendo o processo contraordenacional por sua conta.

  13. A Via X – Portugal – Gestão de Sistemas Eletrónicos de Cobrança S.A. NÃO É CONCESSIONÁRIA, NÃO É UMA PESSOA COLETIVA PÚBLICA NEM PRATICA ACTOS POR MANDO DO ESTADO.

  14. A Via X – Portugal – Gestão de Sistemas Eletrónicos de Cobrança S.A. apenas presta um serviço à B., designadamente com a gestão de cobrança de portagens.

  15. Caso assim não se entenda, sempre deverá o elemento intelectual da intenção por parte de Recorrentes dar-se por inverificado porquanto a admitir-se a denúncia nunca aqueles representaram a Via X – Portugal – Gestão de Sistemas Eletrónicos de Cobrança S.A. como entidade idónea a ser revestida de autoridade para efeitos de criminalização os Recorrentes não foram alertados por esta empresa de que poderiam incorrer em crime de falsas declarações ou denúncia caluniosa nos esclarecimentos solicitados.

  16. Nessa medida, sempre seria materialmente inconstitucional a interpretação do art. 365.º nº 1 do CP, no sentido de incluir no conceito de autoridade outras entidades para além do Ministério Público e dos órgãos de Polícia Criminal, por violação dos arts. 219º nº 1, 1º, 26º nº 1 e 18º da Constituição da República Portuguesa XIX. Para tornar o destinatário da ação consonante com o art 365.º do CP o Tribunal a quo parece sugerir que ainda que não se afigure a Via X – Portugal – Gestão de Sistemas Eletrónicos de Cobrança S.A. como uma autoridade “válida” de todo modo a denúncia havia sido pública.

  17. O vocábulo “publicamente” em matéria penal significa de maneira pública; de modo partilhado, popular ou social; em público, à frente de toda a gente ou seja, publicamente implica a existência de um público, divulgação, uma mensagem transmitida a um número de pessoas ou a um grupo. Ora, os trabalhadores da empresa Via X – Portugal – Gestão de Sistemas Eletrónicos de Cobrança S.A. não são um público, ainda que de um grupo de pessoas se trate.

  18. Acresce que, no caso também não se trata sequer de “um grupo indeterminado de pessoas” uma vez que a Recorrente M. G. remeteu o aludido e-mail única e exclusivamente a uma entidade (que nem sequer é pública) e não a um grupo indistinto de pessoas.

  19. Refira-se ainda que a Recorrente não publicitou o conteúdo do e-mail a terceiros que não a Via X – Portugal – Gestão de Sistemas Eletrónicos de Cobrança S.A. através de quaisquer “meios ou circunstâncias que facilitassem a sua divulgação” de acesso ao público em geral.

  20. Em boa verdade um e-mail dirigido à Via X – Portugal – Gestão de Sistemas Eletrónicos de Cobrança S.A., ainda que reproduza conteúdo inverídico nunca poderia ter a virtualidade de denegrir publicamente a boa imagem do assistente porquanto tal reprodução não passa sequer pelo crivo da opinião pública.

  21. O e-mail remetido pela Recorrente M. G. não é, em si próprio, de forma objetiva, idóneo a comportar o conceito de publicidade em termos penais, ainda que se o considere de forma ampla.

  22. Aplaudindo-se a visão do conceito de publicidade descrita pelo Tribunal a quo (o que só por hipótese académica se concebe) sempre e de todo modo só a autora do texto seria responsável pelo crime. O mesmo é dizer que encontrando-se a autora identificada, pelo nome e apelido, assinado no final do texto e pelo endereço do seu correio electrónico “...@gmail.com”, não se deixa qualquer margem para dúvida sobre a respetiva autoria.

  23. Assim, não estando em causa uma situação de co-autoria, mas antes de autoria singular, individual, de texto remetido por correio eletrónico a sua autora/subscritora é a única responsável pelo seu conteúdo, devendo o Tribunal a quo eximido o Recorrente D. N. de qualquer responsabilidade.

  24. A denúncia caluniosa exige a espontaneidade da imputação e existe quando existe a consciência da falsidade da imputação, ou seja, daquilo que se alega e pretende provar. Sucede que o Recorrente D. N. nada alegou.

  25. Não existe qualquer confissão nos autos, não foi o remetente do e-mail em crise, não conhece o Assistente (nem este o conhece a ele) e nenhuma das testemunhas ouvidas sequer confirma qualquer manifestação de vontade, desabafo ou intenção por parte do Recorrente em “denunciar falsamente” o Assistente, ainda que por intermédio da sua companheira. Desta forma, a prova recolhida nos autos não permitiria, pois, concluir que o Recorrente D. N. agiu por mútuo acordo e conjugação de esforços com o intuito concretizado de se fazer instaurar procedimento contraordenacional contra L. F..

  26. Não se encontra minimamente provado nos autos a ação denunciante do Recorrente D. N. (posto que a cumplicidade não é punível). O Tribunal a quo de forma injustificada parece bastar-se com o facto da companheira do Recorrente D. N. ter sido a autora do malfadado e-mail para daí concluir uma atuação concertada entre ambos.

  27. O Recorrente nada denuncia! O Recorrente não “age”, não denuncia factos falsos e por força de razão não se poderá sequer falar de uma intenção (está provado nos autos que este nem sequer conhece o assistente ou o filho deste!) XXXI. Do mesmo modo, de todo o acervo probatório carreado para os autos, não resulta, minimamente, que, no momento em que a Recorrente M. G. efetuou a denúncia através do e-mail, o Recorrente tivesse disso conhecimento, se tenha conformado com tal facto ou soubesse que os factos imputados eram falsos.

  28. Trata-se no caso de um crime doloso, o conluio não constitui elemento da...

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