Acórdão nº 1083/13.9GAVNF.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Dezembro de 2018

Magistrado ResponsávelJORGE BISPO
Data da Resolução17 de Dezembro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I.

RELATÓRIO 1.

No processo comum com intervenção de juiz singular que, com o NUIPC 1083/13.9GAVNF, corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juízo Local Criminal de Vila Nova de Famalicão – J2, na sequência do acórdão desta Relação de 22-01-2018, que, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 374º e do n.º 1, al. a), do art. 379º, ambos do Código de Processo Penal, declarou a nulidade do segmento da sentença que procedeu à condenação do recorrente T. F., determinando a elaboração de nova sentença onde se exponham os motivos de facto que fundamentam a conclusão de que os factos 87), 89) e 107) devem ser dados como provados, procedeu-se, unicamente quanto ao que foi determinado, à elaboração de nova sentença, proferida e depositada a 12-06-2018, pela qual o referido arguido foi condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo art. 143º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 40 (quarenta) dias de multa, à taxa diária de € 5 (cinco euros), o que perfaz € 200 (duzentos euros).

  1. Inconformado com esta decisão, dela recorreu o arguido T. F., concluindo a respetiva motivação nos seguintes termos (transcrição [1]): «CONCLUSÕES: 1. O arguido T. F. encontrava-se a trabalhar normalmente munido dos seus instrumentos de trabalho, nomeadamente o seu trator.

  2. É abordado pelo arguido J. A. por forma a ser desapossado desse bem móvel de sua propriedade.

  3. Juntam-se mais 4 ou 5 pessoas à sua volta.

  4. Não se consegue encontrar fundamento para qualquer ofensa da integridade física perpetrada pelo arguido T. F. ao arguido J. A..

  5. Pelo contrário, foi o arguido T. F. quem se dirigiu ao hospital nesse dia, tendo relatório médico que dá conta das lesões sofridas.

  6. Fala a testemunha que os arguidos em questão se encontravam agarrados pela roupa.

  7. O trator era propriedade do arguido T. F..

  8. Este, na altura dos acontecimentos, sem qualquer motivação racional, estava a confrontar-se com o desapossamento do bem que era sua propriedade.

  9. Agarrar o arguido J. A. pela roupa é mera reação ao comportamento deste! 10. O cidadão M. C., aqui testemunha, confrontado com o cenário decidiu afastar o arguido J. A..

  10. Numa situação normal, se um cidadão tem a intenção de afastar alguém numa contenda fá-lo ao agressor ou ao agredido? 12. É lógico que tenta afastar o agressor! 13. Pelo que, até por aqui se percebe que o arguido J. A. foi “pegar” com o arguido T. F. subtraindo-lhe o veículo trator e agredindo-o com essa intenção.

  11. Até pelo depoimento deste arguido J. A. se percebe que o arguido T. F. foi abordado por aquele enquanto trabalhava, colocando-se em cima do trator, defendendo a sua propriedade, sem nunca ter a intenção de perpetrar qualquer violência física no arguido.

  12. Censura alguma deverá apresentar o Direito Penal face ao comportamento do arguido T. F..

  13. Contudo, se mesmo assim se entender que ambos os arguidos se envolveram na contenda, outra solução não haverá que enquadrar o comportamento do arguido T. F. na legítima defesa, nos termos do artigo 32.º do Código Penal, por cumpridos os seus pressupostos.

    NESTES TERMOS, deve ser concedido provimento ao presente recurso, devendo, em consequência, e bem assim ser revogada e substituída a douta decisão proferida em Primeira Instância por outra absolva o aqui Recorrente dos crimes pelos quais veio condenada, e na parte cível, absolva a mesma dos pedidos de indemnização, assim se fazendo a devida JUSTIÇA.» [2] 3.

    A Exma. Procuradora Adjunta na primeira instância respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência, mantendo-se a sentença recorrida, tendo formulado as seguintes conclusões (transcrição): «I - O Tribunal a quo apreciou e valorou corretamente a matéria de facto submetida a julgamento, através de um exame crítico, objetivo e imparcial das provas produzidas e examinadas em audiência, indicadas pela acusação e pela defesa, à luz do princípio da livre apreciação da prova, a que alude o art. 127.° do CPP, tendo o Tribunal motivado devidamente a sua decisão.

    II - Indicou ainda fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência comum, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção, não resultando do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, nem a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, nem a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, nem erro notório na apreciação da prova.

    III - A conduta do recorrente que resultou provada preenche quer os elementos objetivos, quer os elementos subjetivos do tipo legal de crime de ofensa à integridade física e, não tendo ocorrido qualquer causa de justificação, mormente a invocada legitima defesa, ou exclusão da culpa, não ocorreu qualquer violação do disposto no art.° 32.° do C.P.

    Pelo que, bem andou a M.ma Juiz "a quo", nenhuma censura merecendo a sentença recorrida, que não violou qualquer preceito legal. (…)» 4.

    Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, no sentido de o recurso não merecer provimento, porquanto, em suma, «invocando erros de apreciação, ponto em causa a valoração que o tribunal confere aos meios de prova, atacando as ilações que a julgadora retirou da prova produzida, visando impor o seu ponto de vista, a sua subjetiva leitura da prova, querendo que ela seja adotada pelo tribunal de recurso, almejando que a sua convicção, o seu juízo, a avaliação que da prova faz, no sentido da não comprovação dos factos delituosos a si imputados, ou da exclusão da ilicitude e culpa da sua conduta seja agora conhecida, colocando em discussão da matéria de facto, na área da convicção formada, sendo a sua bem diversa da que foi empreendida pela decisora na 1ª instância, acaba, porém, o recorrente por não contestar especificamente qualquer dos pontos da matéria fáctica dada como provada, com os requisitos a que aludem os n.ºs 3 e 4 do art. 412º do Código de Processo Penal, limitando o mesmo a sua alegação às asserções genéricas que produz, ao inconformismo na apreciação probatória, não preenchendo o dever de impugnação especificada que lhe está imposto, não esclarecendo, consequentemente, de que forma é que a prova produzida impunha ao tribunal que desse, especificadamente, como não provados os factos (e quais) tal como o foram e em que medida tal contraria a versão dos factos dada como assente na douta sentença, tal inviabilizando o conhecimento do recurso na parte atinente à matéria de facto que o recorrente, aparentemente, visa impugnar, cabendo, de todo o modo, acrescentar que, devidamente confrontados os elementos a que a motivação da sentença se reporta, apenas restará frisar não se descortinar em que medida as conclusões alcançadas se não estribem nos meios probatórios avançados, ou possam, porventura, ofender o senso comum ou as regas de experiência, os quais, bem ao invés, sustentam perfeitamente os juízos formulados, sendo que os parcos excertos adiantados em nada contrariam tal asserção», mais afirmando, quanto à alegada existência de legítima defesa, que «mantendo-se, como haverá que manter, a factualidade dada como prova, não se incluindo entre os factos aí reportados que o recorrente tenha agredido o ofendido como forma de evitar que o mesmo o desapossasse do trator, ou que tenha atuado desse modo para fazer cessar tal atividade, que o tenha feito com animus deffendendi, ou que, “malgré tout”, não existissem outros meios para fazer cessar a agressão, não se vê como se possa sustentar a ocorrência de tal causa de exclusão da ilicitude e da culpa».

  14. No âmbito do disposto no art. 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, o recorrente não apresentou resposta a esse parecer.

  15. Colhidos os vistos, teve lugar a conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no art. 419º, n.º 3, al. c), do citado código.

    II.

    FUNDAMENTAÇÃO 1. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO Dispõe o artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal que “a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”.

    Daí o entendimento unânime de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que forem de conhecer oficiosamente [3].

    Atenta a conformação das conclusões formuladas, importa conhecer das seguintes questões: a) - A impugnação da matéria de facto por erro de julgamento; b) - A legítima defesa.

  16. DA SENTENÇA RECORRIDA 2.1 - A primeira instância considerou provados os seguintes factos (transcrição): «1. No dia 23 de Novembro de 2013 (sábado), cerca das 16 horas, o arguido T. F. dirigiu-se à residência de F. S., sita na rua …, Vila Nova de Famalicão, no mencionado trator agrícola da marca e modelo John Deere 1140, com a matrícula JJ, levando atrelado um reboque da marca e modelo Curval 4000, com a matrícula PP, com o intuito de desentupir uma fosse séptica.

  17. Instantes depois, os arguidos J. A. e R. O. (irmão do arguido J. A.) abeiraram-se do trator, altura em que o arguido J. A. se travou de razões com o arguido T. F. por questões relacionadas com a propriedade do trator agrícola de matrícula JJ.

  18. O arguido J. A. apoiava-se em duas canadianas em virtude de ter sofrido uma fratura no tornozelo direito.

  19. No decurso dessa contenda os arguidos J. A. e T. F. embrulharam-se em luta.

  20. O arguido J. A. desferiu uma pancada no antebraço direito do arguido T. F. com uma das canadianas em que se apoiava e o arguido T. F. avançou sobre o arguido J. A. e arranhou-o na face direita.

  21. Seguidamente, o arguido T. F. retirou ao arguido J. A. a referida canadiana a qual brandiu em direção à cabeça deste último, atingindo-o de raspão no rosto, do lado...

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