Acórdão nº 5/10.3GAVPA.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Dezembro de 2018

Magistrado ResponsávelPEDRO CUNHA LOPES
Data da Resolução17 de Dezembro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

1 – Relatório Neste Proc.º e por decisão de 16 de Maio de 2 017, foi proferida sentença, que culminou com as seguintes decisões: - condenação do arguido D. P.

pela prática, na forma consumada e por autoria material, de um crime de infração de regras de construção, dano em instalações e perturbação de serviços. p. e p. pelo art.º 277º/1 e n.º 3), C.P., por referência ao art.º 202º/a, C.P.

, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de 7€ (sete euros); - condenação da arguida “X – Contabilidade e Sistemas de Energia, Lda.”, pela prática do mesmo crime referido supra, nos termos dos arts.º 11º/2, a) e n.º 4), 90º-A e 90º-B do C.P.

, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de 100€ (cem euros); - condenação dos arguidos/demandados a pagar, solidariamente, aos demandantes A. M.

e C. M.

, a título de indemnização por danos patrimoniais, a quantia de 61 056.13€ (sessenta e um mil, cinquenta e seis euros e treze cêntimos); condenados ainda a pagar a quantia de 2 500€ (dois mil e quinhentos euros), a cada um dos quatro demandantes, os dois menores representados pelos dois maiores, a título de compensação por danos não patrimoniais, tudo acrescido de juros, à taxa legal geral, contados desde a notificação até integral pagamento.

Desta decisão discordaram os arguidos D. P.

e “X”, tendo para o manifestar, interposto recurso. O mesmo termina com as seguintes conclusões: “1) Nos presentes autos, com o devido respeito e toda a consideração, não assiste razão ao ilustre Juiz do Tribunal recorrido, porquanto se considera que ocorreram nulidades, incorreto julgamento da matéria factual, insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, assim como fez o Tribunal recorrido uma menos correta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto, como adiante se vai demonstrar.

2) Ao longo de todo o processado, ocorreram diversas nulidades, com efeito direto nos desfecho final da presente ação e que importa analisar, uma vez que não obtiveram o acolhimento (legal) que deveriam ter tido na sentença oira posta em crise, ou melhor, o seu crivo de legalidade foi incorretamente julgado pelo Meritíssimo Juiz a quo, conforme se verá.

3) Ora os presentes autos tiveram o seu início com a abertura do inquérito em 13/01/2010.

4) Na sequência dum incêndio deflagrado na habitação dos ofendidos em 10/01/2010.

5) Culminando tal inquérito com a prolação da acusação em 08/01/2013, faltando somente 5 dias para perfazer três anos em tal sede.

6) Na pendencia de tal inquérito, foi o arguido D. P. ouvido como testemunha em 25/03/2010.

7) E manteve tal qualidade, de testemunha, até 18/12/2012.

8) E somente foi constituído arguido em 18/12/2012, assim coartando, até tal data, qualquer ação que este, nessa qualidade de arguido, entendesse por conveniente fazer em sua defesa ou para o esclarecimento da verdade material nos presentes autos.

9) Ou seja, durante dois anos e onze meses o aqui arguido não se pôde defender, como era seu direito, tendo em tal período, inclusivamente ocorrido uma perícia que, confirme abaixo se verá, é nula, além de outros meios de prova.

10) Ora, tal impossibilidade de defesa, além de constituir uma nulidade foi flagrantemente uma violação da própria Constituição da República Portuguesa (adiante CRP), por assim coartar os direitos de defesa e contraditório por parte daquele que, posteriormente, viria a ser acusado e, a final condenado.

11) Pelo que entre 13/01/2010 e 18/12/2012 (e curiosamente durante toda a fase de verdadeira instrução, recolhas de prova e ponderação sobre a mesmas, pois que a acusação lhe foi logo notificada em 21/01/2013) lhe foram coartados tais direitos, em especial o direito estar presente aos atos processuais que diretamente lhe disserem respeito (como foi o caso da perícia que abaixo melhor se explanará), de ser ouvido pelo tribunal sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afetem e assim poder carrear a sua versão dos fatos e elementos de prova que entendesse por bem produzir, e a tempo de poder ser analisado, de ser informado dos factos que lhe são imputados antes de prestar declarações perante qualquer entidade, de não responder a perguntas feitas, por qualquer entidade, sobre os factos que lhe forem imputados e sobre o conteúdo das declarações que acerca deles prestar, sendo que o fez na qualidade de testemunha, logo e inclusivamente com as cominações processuais e penais que tal posição implica; de constituir advogado ou solicitar a nomeação de um defensor, de ser assistido por esse defensor em todos os atos processuais em que participar, de intervir no inquérito e na instrução, oferecendo provas e requerendo as diligências que se lhe afigurarem necessárias, de ser informado, pela autoridade judiciária ou pelo órgão de polícia criminal perante os quais seja obrigado a comparecer, dos direitos que lhe assistem….

12) Até porque as diligencias probatórias já haviam sido requeridas e, mesmo no caso de dúvida e perante tal situação poderia (e deveria!), desde logo o Ministério Público ter requerido a constituição de arguido.

13) E que, conforme foi alegado, deveria ter merecido, por parte do juiz a quo a censura respetiva e o dever de aplicar o Art. 58º, n.º 5, invalidando e dando sem efeito todas as provas posteriores baseadas, direta ou indiretamente, no depoimento prestado pela testemunha D. A. ao invés do arguido D. P.

.

14) Nulidade esta que se invocou na primeira oportunidade, ou seja, na sequência da elaboração da contestação, e que não o poderia ter sido antes, pois que antes de tal data não se sabia o resultado do inquérito, nem tal questão se colocava pelo decurso do prazo que havia ocorrido, de quase três anos, em que o arguido foi mantido no “limbo” da qualidade de testemunha para, posteriormente, no espaço dum mês, desembocar numa constituição de arguido e rápida dedução de acusação, quando materialmente nos autos nada justificou tal alteração de comportamento do Ministério Público a não ser, quiçá, alguma inércia, pois que não se quer crer ter-se tratado dum intencional “projeto” de coartar tais direitos fundamentais ao arguido ou criar um processo injusto – mas que se veio a traduzir efetivamente nisso! 15) E é esse mesmo o sentido para a constitucionalização do conceito do processo justo, no nº 4 do Art.20º da Constituição da República Portuguesa (adiante CRP) e que foi violado, o que expressamente se invoca para todos os devidos e legais efeitos.

16) Pois que o direito de acesso aos tribunais não pode ser entendido num sentido formal (apenas como o direito de acesso nos tribunais). Tem de ser entendido numa aceção mais ampla, como o direito efetivo a uma jurisdição em termos equitativos. E foi este sentido mais amplo que levou à consagração constitucional do direito a um processo equitativo ou justo no artigo 20º nº4 da CRP, anteriormente derivado do Art. 10º da Declaração Universal dos direitos do Homem (DUDH).

17) Pois que tal artigo 20º nº 4 da CRP foi também influenciado pelo Artigo 6º da Declaração Europeia dos Direitos do Homem e pelo Artigo 15º do pacto sobre os direitos civis e políticos da Organização Mundial da Nações Unidas.

18) Assim, um processo justo é entendido como aquele em que há imposição de meios de defesa idênticos às partes controvertidas, o direito de cada parte de pronunciar-se sobre todas as questões relevantes para a decisão da causa em questão, o direito de comparência pessoal em todos os casos em que o comportamento da parte influencie a opinião do tribunal sobre um ponto importante do litígio, a licitude da prova obtida, a fundamentação da decisão e publicidade do processo como garantia da transparência do exercício da função jurisdicional.

19) Verifica-se, pois, nos presentes autos não se terem verificado a referida imposição de meios de defesa idênticos (uma “parte” ofendida, com interesse em acusar, e outra testemunha, sem os poderes inerente à sua posição de “acusado”, ou seja, arguido) a omissão do direito de pronuncia e comparência aquando de decisões que lhe dissessem respeito, assim com a prova daí decorrente foi (ilegalmente) ponderada e aceite.

20) Desta forma, a constitucionalização do conceito de processo justo visa proteger e garantir um direito fundamental inviolável no acesso aos tribunais onde haja respeito pelos direitos liberdades e garantias dos cidadãos e permite também uma fiscalização mais rigorosa do Tribunal Constitucional sobre a atuação jurisdicional como garante do respeito deste princípio.

21) O direito de defesa estabelece assim um processo equitativo e leal, devendo assegurar a cada uma das partes poder expor as suas razões de facto e de direito antes que se tome uma decisão.

22) Esta garantia constitui uma decorrência do direito de acesso aos tribunais e a um processo equitativo julgado por um órgão imparcial e independente, por isso embora só esteja expressamente prevista na constituição, no âmbito do processo penal apresenta-se como norma de alcance geral e que deverá pautar as interpretações das concretas normas penais (acessórias e materiais).

23) E não basta uma audição “proforma” como foi o caso dos autos, pois que num inquérito que durou três anos nunca tal oportunidade foi dada ao arguido para depois e num espaço de um mês ser constituído arguido e deduzida acusação, quando nesse mês nada de novo sucedeu… a não ser, talvez, o risco de prescrição e que assim motivou o aceleramento (sem fundamentação ou dados novos aparentes) de tal inquérito e a sua finalização.

24) Já o direito ao contraditório materializa-se no plano da alegação de fatos mas, e nos que aos autos importa, especialmente no plano das provas uma vez que era direito do arguido ter requerido as provas que entendesse por convenientes, e, ter participado no relatório pericial de Fevereiro de 2012 – Art. 154º e 155º CPP – situação que se verifica não ter sucedido, ou seja, não ter acompanhado a diligencia, não ter nomeado um seu perito, não ter contraposto os argumentos aí plasmados, uma...

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