Acórdão nº 3428/16.0T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Dezembro de 2018

Magistrado ResponsávelSANDRA MELO
Data da Resolução17 de Dezembro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I.

Relatório Os Autores peticionam na presente ação, em síntese, a condenação do Réu a realizar obras de reparação e recuperação da fachada, das respetivas paredes e muros, de reconstrução das fundações do rés-do-chão e dos espaços de circulação e acessos ao mesmo e no pagamento de uma indemnização para ressarcimento/compensação dos danos não patrimoniais e no que vier a liquidar-se e a apurar-se em execução de sentença, a título de rendas que o A. marido vier a despender com a transferência do seu estabelecimento comercial, durante o tempo necessário à execução das obras.

Alegaram, em súmula, que são titulares de uma fração autónoma pertencente a um prédio que se encontra constituído em propriedade horizontal; esse prédio é constituído por quatro blocos, edifícios independentes que sempre foram separadamente administrados, constituindo cada qual um condomínio autónomo. O condomínio do bloco em que se insere a fração autónoma dos Autores foi o primeiro a ser constituído, porquanto esse bloco foi também o primeiro a ser constituído, o que remonta a 1992. Esse bloco constitui, do prédio, a permilagem de 373 e sempre se administrou autonomamente, tendo, inclusivamente, procedido à realização de obras no seu telhado. Imputa ao mesmo o dever de efetuar tais obras, por se verificarem vícios em partes comuns.

Regularmente citada, a Ré contestou, invocando, além do mais, a ilegitimidade passiva, porquanto as obras de reparação peticionadas incidem sobre zonas comuns, tendo todos os condóminos que ser responsabilizados pelas mesmas e a Ré apenas representa parte destes.

Foi apresentada resposta que o tribunal admitiu em obediência ao princípio da economia processual. Nesta, além do mais, os Autores defenderam que existe abuso de direito por parte do Réu ao invocar a exceção da ilegitimidade passiva, porque admite que não existe uma administração geral da totalidade da propriedade horizontal, mas vários administradores e aceita que efetuou obras em valores avultados, pagas apenas pelos condóminos do Réu, em partes comuns do edifício (telhado e fachada principal do prédio/bloco “D”).

Em sede de saneador-sentença foi proferida a decisão que declarou o Réu parte ilegítima para, desacompanhado dos representantes de todas as frações do título de propriedade horizontal junto a fls. 89 e ss. dos autos, ser demandado na presente ação e absolveu o Réu da instância.

Não se conformando com esta sentença, os Autores e Intervenientes recorreram, com as seguintes conclusões: C - CONCLUSÕES: I.

O presente recurso tem por objecto o Despacho Saneador/decisão, proferido em 15.05.2018, sob a refª 158269853, na parte em que declarou o Réu, o “Condomínio do prédio constituído pelo “Bloco D”, sito na Rua XXXX Caldas das Taipas), na pessoa da sua Administradora do Condomínio, Maria M, parte ilegítima para, desacompanhado dos representantes de todas as fracções do título de propriedade horizontal junto a fls. 89 e ss. dos autos, ser demandado na presente acção”.

  1. O que assim se decidiu por se haver entendido existir, «tal como se encontra constituída a propriedade horizontal, uma situação de litisconsórcio necessário passivo de todos os condóminos do edifício, que a presente ação não respeita por visar apenas os titulares das fracções (20) identificadas pelas letras A, B, C, D, L, M, N, O, Z, AA, AB, AC, AM, AN, AO, AP, BA, BB, BC e BD, pertencentes ao Bloco D», e já não as restantes 38 frações pertencentes aos 3 restantes blocos que integram o prédio constituído em regime de propriedade horizontal.

  2. Mal andou, contudo, o Tribunal a quo ao declarar o Réu parte ilegítima, porquanto os Recorrentes sustentaram e justificaram a legitimidade passiva do Réu, o “Condomínio do prédio constituído pelo Bloco D”, ao qual pertencem as suas fracções comerciais, no rés-dochão (B e A), no disposto no n.º 2 do art. 1437º, e na alínea a), do n.º 1, do art. 1421º, ambos do C.Civil, bem como no disposto no art. 1424º, n.º 1, por força do disposto na al. a), do n.º 2, do art. 1422º, também do C.Civil.

  3. Isto porque peticionam a resolução de problemas que não só se manifestam, como têm a sua génese, ou causa, numa parte comum do edifício, ou seja no solo/terreno onde assenta, directamente, a estrutura do rés-do-chão do edifício/bloco D, nomeadamente a reconstrução das fundações do rés-do-chão, desligadas da estrutura geral do edifício – habitacional -, e dos espaços de circulação e acessos ao rés-do-chão, como das fachadas das lojas dos Recorrentes, naquele rés-do-chão, e nas respectivas paredes e muros.

  4. E para tal invocaram – e demonstraram -, em sustentação e demonstração da legitimidade do “Condomínio do Bloco D”, não apenas «uma prática de divisão de receitas e despesas, bem como de administrações entre cada um dos quatro blocos do edifício em propriedade horizontal» - como se entendeu, mas mal, na decisão recorrida -, mas ainda diversas outras circunstâncias, até bem mais consistentes e fundamentais, como sejam as supra enumeradas nas alegações supra, em “I” a “XII”, que se dão por integralmente reproduzidas.

  5. Todavia, o Mmo Juiz a quo não teve em consideração toda a matéria factual que devesse ser (e venha a ter de o ser) considerada por provada, e assente, com manifesto interesse para a apreciação da (i)legitimidade do Réu “Condomínio do Bloco D”, tendo em conta os factos que se encontram já admitidos por acordo, provados por documento ou por confissão reduzida a escrito (cfr. n.º 4, do art. 607º, do C.P.C.).

  6. Matéria factual essa de entre a qual salientamos a evidência de que nos encontramos perante um edifício constituído em propriedade horizontal, que, de acordo com o respectivo título constitutivo, é composto por 4 corpos (blocos) independentes, dispondo cada um deles de uma entrada independente ao nível do rés-do-chão, e de uma caixa de escadas e elevador próprios, em consequência do que estamos também perante uma administração autónoma das partes comuns relativas a vinte frações autónomas, ou seja, cerca de um terço das que integram todo o edifício constituído em propriedade horizontal, referentes a um daqueles 4 blocos, o “D”, devidamente delimitado e independente dos restantes, com entrada própria e com funcionalidade própria, com fracções autónomas e partes comuns próprias, que não servem funcionalmente quaisquer dos restantes blocos.

  7. Bem como a evidência de que idêntica situação se verifica, por isso, também relativamente a cada um dos restantes 3 blocos que compõem o prédio, sendo que o condomínio demandado, do bloco D, existe e funciona como tal já desde novembro de 1992, tendo os restantes sido constituídos imediatamente a seguir.

  8. Evidências essas que se coadunam, aliás, com a constatação de que não existe, sequer, nem nunca existiu, «uma administração geral», da totalidade da propriedade horizontal, para os «pontos em que ela deva existir», mas sim «vários administradores» para cada um dos 4 blocos, «entre os quais a (…) Administradora do Condomínio, aqui Réu», conforme foi, aliás, admitido pelo próprio Réu condomínio, em 8º a 10º da contestação, o que permite até concluir, e considerar, ter existido uma deliberação unânime, pelo menos tácita, de todos os condóminos do edifício que foi objecto de constituição da propriedade horizontal no sentido da constituição de 4 condomínios distintos, para cada um dos 4 blocos que o compõem, os quais vêm funcionando, pelo menos há mais de 25 anos, no sentido de administrarem e conservarem, de forma autónoma e independente, as respectivas partes e bens comuns de cada um daqueles blocos.

  9. É por essa razão, aliás, que o condomínio demandado, aqui Recorrido, tem sido administrado autonomamente de todas as restantes fracções do edifício constituído em propriedade horizontal, há já 25 anos, o mesmo sucedendo com os restantes 3 blocos que o compõem, seja no que concerne à administração mais corrente das partes comuns, seja no que respeita à conservação das partes ou bens comuns, que não servem funcionalmente os restantes blocos, com orçamentos e deliberações próprias, e autónomas, como sucedeu, aliás, com recentes obras assumidas, executadas e custeadas, em valores avultados, exclusivamente pelos condóminos do Réu, precisamente em «partes comuns do edifício» (telhado e fachada principal do prédio/bloco “D”), como admite, ou não nega, o próprio Réu recorrido.

  10. A questão aqui em causa prende-se, por isso, com a problemática da legalidade da constituição de mais de um condomínio, com administração própria, para gerir a administração e conservação das partes comuns que só servem uma zona do edifício, não obstante a constituição de uma só propriedade horizontal, questão que, admitimos, tem tido entendimentos não coincidentes ou uniformes, seja por parte da jurisprudência, seja por parte da doutrina.

  11. Contudo, a mais recente jurisprudência desse douto Tribunal da Relação de Guimarães, nomeadamente a constante dos seus Acórdãos de 02.02.2017, no Proc. 34/16.3TBGMR.G1, Relator Dr. Carvalho Guerra, e de 02.05.2016, no Proc. n.º 1132/14.3TBBCL.G1, Relatora Dra. Anabela Tenreiro, bem como a do STJ, nomeadamente no seu Acórdão de 16.10.2008, no Proc. 08B3011, Relator Dr. Salvador da Costa, todos disponíveis em www.dgsi.pt, tem sido do entendimento de que «a regra da unidade de administração e condomínio», aplicável aos edifícios constituídos em propriedade horizontal, «no sentido de que, em princípio, a cada edifício constituído em propriedade horizontal corresponde um condomínio e uma administração», embora constitua «o paradigma legal», conforme decorre do disposto nos artigos 1414º e ss. do C.Civil, «pode ser afastada quando haja interesse dos condóminos na autonomização da administração de áreas comuns, que servem determinadas fracções do edifício»; e de que «a autonomização de uma assembleia de condóminos com a finalidade de administrar partes comuns respeitantes a uma zona do edifício não é proibida por lei e poderá contribuir para uma gestão...

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