Acórdão nº 216/15.5T9AVV.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17 de Dezembro de 2018

Magistrado ResponsávelTERESA COIMBRA
Data da Resolução17 de Dezembro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em Conferência, os Juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães.

I.

No processo comum com intervenção do Tribunal Singular que, com o nº 216/15.5T9AVR, corre termos no Juízo Local Criminal de Ponte da Barca foi decidido:

  1. Condenar o arguido J. L. pela prática, em autoria material e na forma consumada na pessoa da ofendida L. F., de um crime de abuso sexual de crianças agravado, p. e p. pelos artigos 171.°, n.° 1 e 177.°, n.° 1, al a), ambos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.

B) Suspender, pelo período de 1 (um) ano e 6 (seis) meses, a execução da pena de prisão aplicada nos termos da alínea que antecede, ao abrigo do disposto nos artigos 50.°, n.°s 1 e 5, 53º e 54.°, todos do Código Penal, e artigo 494.° do Código de Processo Penal, subordinada ao cumprimento pelo arguido de um regime de prova assente num plano de reinserção social (que deve conter os objetivos de ressocialização a atingir pelo condenado, as atividades que este deve desenvolver, o respetivo faseamento e as medidas de apoio e vigilância a adotar pelos serviços de reinserção social) a elaborar pela DGRS e a ser homologado pelo Tribunal (com especial incidência para a consciencialização dos deveres do arguido perante a lei e das consequências para os bens jurídicos pessoais que surgem para a ofendida em consequência da conduta do arguido punida nestes autos e seja motivador do arguido a manter-se afastado da prática do mesmo tipo de crime ou de outros), C) Fixar a pena acessória de inibição do exercício de responsabilidades parentais relativamente à ofendida L. F. pelo período de 5 (cinco) anos, nos termos do artigo 69.°-C, n.° 3 do Código Penal.

D) Condenar o arguido nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC (três unidades de conta), nos termos dos artigos 513.° e 514.°, ambos do Código de Processo Penal, e do artigo 8.°, n.° 9 do Regulamento das Custas Processuais e tabela III anexa ao mesmo.

E) Declarar cessada, após trânsito, qualquer medida de coação imposta ao arguido, à exceção do termo de identidade e residência que só se extinguirá com a extinção da pena (artigo 214.°, n.° 1, al. e), do Código de Processo Penal).

*Inconformado com a condenação, recorreu o arguido para este Tribunal da Relação concluindo o recurso do seguinte modo (transcrição): A. O Tribunal recorrido nunca deveria ter dado como provados os pontos 1.6, 1.7, 1.8, 1.10, 1.11 e 1.12. da matéria de facto dada como provada, havendo os mesmos de serem excluídos do rol de factos provados; B. Existe nulidade da sentença, por vício de fundamentação, ou, em alternativa, a existência de vício de erro notório na apreciação da prova ou ainda vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito, por não existir suporte testemunhal claro e inequívoco que esclareça de que forma é que ocorreu o suposto toque no corpo da menor, por quanto tempo e com que intensidade e intuito, sendo completamente estéril a sentença na densificação do contexto lascivo que se exige nestes casos; C. Inexiste contexto fáctico apurado que, pelo menos ao nível da prova indirecta, logre inserir a conduta do arguido, ora recorrente, numa querença libidinosa indesmentível perante a filha, como alvo de puro prazer momentâneo ou reiterado; D. Todos os demais elementos apurados em sede de audiência, em termos de estilo de viva e convivência do arguido, bem como personalidade do mesmo, militam a favor de uma completa ausência de desejo libidinoso em relação às suas filhas, levando em apreço que, normalmente, a reiteração de comportamentos lascivos e insistência doentia na sua perpetração é sintomática de uma verdadeira conduta criminosa; E. A mãe das crianças - testemunha M. G. - teve uma performance testemunhal aquém do desejado, deveras inconsistente, ao contrário do asseverado na sentença recorrida, chegando a afirmar que as suas filhas estavam presentes quando soube do sucedido em primeira mão, através da sua prima P. C., quando esta disse claramente que não estavam, para além de outras incongruências supra denunciadas na motivação recursal; F. A testemunha L. A. afirmou sem peias em Tribunal, quando interpelada pelo Mm° Juiz para se aquilatar se tinha de algum modo sido instruída pela testemunha P. C., para corroborar a versão da sua irmã (fls. 241/verso; min. 11:54 até 12:20) ter sido instruída pela testemunha P. C., tendo confessado o seguinte, verdadeiramente sintomático de adestramento prévio: "Ela só me disse que vínhamos aqui dizer isto para depois não chegarmos aqui e pensarmos que iam dizer outras coisas e assim já estávamos preparadas para dizer isto 1"; G.

Todas as testemunhas arroladas pela acusação confirmaram que o arguido dormiu com as menores e deu-lhes banho uma miríade de vezes, sem nunca ter sucedido algo anómalo; H. A testemunha G. F. salientou o denodo, aprumo e espírito de sacrifício do arguido em cuidar das filhas, múnus descurado pela progenitora, pessoa a quem aponta "má formação", que poderá ter estado na origem do presente processo, para que a guarda das crianças em momento algum pudesse ser confiada ao ora recorrente, atenta a cupidez da mãe das menores em relação ao estipêndio público, através da percepção de prestações sociais pagas pela Segurança Social às crianças; I.

Chegada a altura do momento previsto no artigo 361.° do Código de Processo Penal, (faixa do CD n.° 20180319103745, mm. 0:50 até mm. 20:41), temos que, surpreendentemente, o Mmo Juiz a quo, colocando o arguido num ordálio inelutável, comunica-lhe que chegou o momento de dizer a verdade, pois está convicto de que o recorrente tocou na filha, sendo que, "a forma como tocou é que está aqui em coisa" (mm. 0:29 até 0:32); J. Tendo o Mm° Juiz a quo proferido tais palavras, no último momento da audiência de julgamento, já depois de auscultados os depoimentos de todas as testemunhas arroladas, manifesta claramente as suas dúvidas sobre o contexto em que terá ocorrido o redito "toque", sendo que esta dúvida não foi crismada no texto da sentença como se impunha ao Tribunal e valorado a favor do recorrente, no sentido da sua absolvição que se impunha, de modo que o Tribunal a quo violou o princípio in dubio pro reo; K. A matéria de facto apurada, por si só, é insuficiente para integrar o ilícito p. e p. pelo n.° 1 do artigo 171º do Código Penal, pois não está demonstrado um ato grave susceptível de ser considerado ato sexual de relevo, uma vez que até o mero apalpar momentâneo ou o "roçar" não são suscetíveis de integrar tal conceito, pelo que deve o arguido ser absolvido também por esta via; L. A discordar-se da absolvição do recorrente por via da violação do princípio in dubio pro reo ou por via do simples não preenchimento do tipo p. e p. pelo artigo 171.°, n.° 1, em ultima ratio, e subsidiariamente, sempre se dirá, que haverá lugar tão só à punição do recorrente por via da alínea a), do n.° 3, do artigo 171.°, que transpõe para a ampla previsão deste preceito o ilícito de importunação, «fattispecie» prevista no precedente artigo 170.º, chamado a regular as situações com menores de 14 anos, no caso do artigo 171.°, pelo que, neste concernente, se imporá a convolação para esta forma típica menos grave.

Nestes termos, deve dar-se provimento ao presente recurso, e,como consequência, determinar-se: a) a absolvição do arguido, atentos os considerandos de facto e de direito supra explanados; Caso assim não se entenda, deverá tão só ser condenado o arguido/recorrente pelo subtipo de ilícito menos grave, relativo à fattispecie" de importunação, p. e p. pela alínea a), do n.° 3, do artigo 171.°, assim se fazendo a acostumada Justiça! Respondeu o Ministério Público junto da primeira instância pugnando pela manutenção do decidido.

*Idêntica posição veio a ser tomada pelo Ministério Público junto deste Tribunal.

*Foi cumprido o disposto no nº 2 do artigo 417º do Código de Processo Penal.

*Após os vistos, prosseguiram os autos para Conferência.

*II.

Cumpre agora apreciar e decidir tendo em conta que o objeto o recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (artigo 412º do CPP), sem prejuízo dos vícios ou nulidades de conhecimento oficioso.

*As questões que o recorrente traz à apreciação deste Tribunal são as seguintes: -Erro do julgamento dos pontos 1.6, 1.7, 1.8, 1.10, 1.11 e 1.12 da matéria de facto provada.

-Nulidade da sentença por falta de fundamentação, erro notório na apreciação da prova ou insuficiência da matéria de facto para a decisão.

-Subsidiariamente, a subsunção dos factos ao ilícito típico previsto no artigo 171º, nº 3, alínea a) do Código Penal.

*É a seguinte a matéria de facto fixada em primeira instância e respetiva fundamentação: 1.1. - O arguido J. L. contraiu casamento civil com M. G. no dia ... de ... de ..., casamento que foi dissolvido por divórcio decretado por sentença datada de ... de ... de ... e dessa relação nasceu L. A., nascida a … e L. F., nascida a ….

1.2. - No âmbito dos autos de divórcio, foi regulado o exercício das responsabilidades parentais, ficando as menores a residir com a mãe e quinzenalmente a passar os fins de semana com o progenitor, aqui arguido, desde sexta-feira depois do jantar até às 20h00 de Domingo.

1.3.

- Desde Maio de 2015 até final de Novembro de 2015, o arguido passou então a contactar com as suas filhas L. A. e L. F. aos fins de semana, de forma quinzenal, quando as mesmas se deslocavam à residência dos pais do arguido, avós paternos das menores, sita no lugar de ..., Arcos de Valdevez, aí pernoitando, de sexta para sábado e de sábado para domingo, dormindo na mesma cama do progenitor, num dos quartos sitos no primeiro andar daquela residência.

1.4. - Sucede que, em dia não concretamente apurado, mas entre o final do mês de Outubro de 2015 e o fim de semana compreendido entre o dia 6 e 8 de Novembro de 2015, em hora não concretamente apurada, mas ao início da noite, após o jantar, as menores encontravam-se no quarto com o pai, onde habitualmente pernoitavam com este.

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