Acórdão nº 1349/13.8TBVRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 20 de Setembro de 2018

Magistrado ResponsávelJORGE TEIXEIRA
Data da Resolução20 de Setembro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I – RELATÓRIO.

O Autor HENRIQUE, residente na Rua (...), Chaves, intentou a vertente acção de processo ordinário contra JOSÉ, Bispo de (...), com domicílio no Paço (…), e o SEMINÁRIO X, com sede na Rua (...), peticionando ser: A) Declarada nula a doação de 55.000€ ao 1º Réu por vício de forma; B) Declarada nula a doação de 55.000€ ao 1º Réu por se tratar de um caso de indisponibilidade relativa, e, em consequência, ser condenado a restituir ao A. a aludida quantia, acrescida de juros legais de mora vencidos e vincendos até afectivo e integral pagamento; C) Declarado nulo o contrato de mútuo celebrado com o 2.º Réu, por vício de forma, e, em consequência, ser condenado a restituir ao A. a quantia no valor de € 256.197,01 acrescida de juros vencidos e vincendos desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Alega, sumariamente, que: O Padre F. C. estudou no SEMINÁRIO X e mantinha uma relação de amizade e confiança com o 1º Réu, o qual visitava regularmente, sendo que, em meados de 2011, aquando de uma das suas visitas regulares ao 1º Réu, no Paço (...) informou o Sr. Bispo que havia decidido doar-lhe 55.000 €, montante que fazia parte das suas poupanças, o que pretendia fazer porquanto aquele Réu tinha sido sempre uma grande ajuda e um apoio excepcional ao longo dos anos.

No mês de Outubro de 2011, o Padre F. C. foi contactado pelo 1º Réu e pelos responsáveis da 2ª Ré, com quem mantinha boas relações, para emprestar dinheiro àquela instituição, pois pretendiam realizar obras nesta instituição e necessitavam de valor avultado.

O Padre F. C. acedeu ao pedido e informou-os de que poderia emprestar no máximo o valor de 256.000 €.

Assim, em 25/10/2011, transferiu para a conta do 2º Réu o montante de 256.197,01 €.

Ora, em Setembro de 2012, decorridos cerca de dois meses após a morte do Padre F. C. os seus herdeiros, os aqui Autores, solicitaram ao primeiro Réu que entregasse o excedente acima do valor de 55.000,00 €, que lhe tinha sido doado, ou seja, que lhe devolvessem 201.197,01 €, dos 256.197.01, que lhe haviam sido emprestados.

Sucede que, os RR., por intermédio do 1º Réu, informou-os que a quantia lhe havia sido doada pelo Padre F. C. e que não havia lugar a nenhuma devolução.

Concluem os Autores que a doação efectuada, que ocorreu em 2011, é nula por vício de forma porquanto a declaração de vontade de doar não foi acompanhada da tradição da coisa doada e não revestiu a forma escrita.

Mas, mesmo que assim se não entenda, sempre tal doação seria nula por se tratar de uma situação de indisponibilidade relativa nos termos do disposto no artigo 2194, do Código Civil, ex vi do disposto no artigo 953, do mesmo diploma.

Por outro lado, o contralto de mútuo realizado entre o Padre F. C. e o 2º Réu é também nulo, por vício de forma, dado não ter sido celebrado por escritura pública, conforme se estipula no artigo 1143, do C. Civil, para os contratos de mútuo de valor superior a 20.000.00 €, pelo que deverá ser restituído, pelo mutuário, tudo o que tiver sido prestado pelo mutuante, o seja, no caso, o montante de 256.197,01 €.

E com estes fundamentos conclui formulando os pedidos supramencionados.

*Os Réus JOSÉ e SEMINÁRIO X aduziram contestação, arguindo as excepções de incompetência absoluta do Tribunal e de ilegitimidade passiva, invocando, sinteticamente, que o Padre F. C. quis oferecer à Igreja que o havia formado ao longo da vida o pecúlio de que já não necessitava para fazer face à sua vida normal, em consonância com o seu múnus sacerdotal e advogando a inconstitucionalidade do artigo 2194.º, do Código Civil.

Concluiu, propugnando a absolvição da instância ou a improcedência da acção.

*O Autor exerceu o direito ao contraditório, pugnando a improcedência das excepções dilatórias alegadas pelos Réus.

*O Autor deduziu incidente de intervenção principal com seus associados de F. C., Manuela, A. M., Francisco, H. M., Teresa, G. M., G. P., Fátima, Cândido, M. J., António, Ana, Flávio, Luísa, A. G., Albertina, J. F., T. J., O. F., J. M., C. S., U. M., Armando, T. F., Adelaide, Beatriz.

*Proferiu-se despacho que deferiu o incidente de intervenção principal.

*Os intervenientes declararam a adesão à petição inicial.

*Exarou-se despacho saneador, o qual julgou as excepções de incompetência absoluta do Tribunal e de ilegitimidade passiva improcedentes, bem como o despacho que enunciou o objecto do litígio e os temas da prova.

*Os Requerentes M. M., JOÃO e CRISTIANA deduziram incidente peticionando a sua habilitação como herdeiros do falecido Henrique.

*Proferiu-se sentença que julgou procedente o incidente de habilitação de herdeiros.

*Realizado o julgamento, foi proferida sentença em que, respondendo à matéria de facto controvertida, se decidiu julgar totalmente improcedente a presente acção.

Inconformado com tal decisão, apela o Autor, e, pugnando pela respectiva revogação, formula nas suas alegações as seguintes conclusões: I.

A douta sentença deve ser revogada, por violar lei adjectiva e substantiva; II.

O tribunal deu como provados os factos que antecedem fundando-se na análise crítica e conjugada dos depoimentos das testemunhas.

III.

Contudo na modesta opinião do Apelante, resultou da prova produzida em audiência de discussão e julgamento que o Réu seminário está obrigado a devolver aos autores a quantia de 55.000€.

IV.

Pelo que, o tribunal devia de ter dado como provado a devolução de parte do pedido no montante de 55.000€.

V.

Prova da matéria de facto essa que consta dos depoimentos das testemunhas arroladas pelo Autor e Ré, cfr. acta de audiência de discussão e julgamento, como infra se expõe: J. F.

, com depoimento gravado em CD, com a duração de 00h 05 m e 54s, com início da gravação entre 17h04m12s e fim de gravação às 17h10m07s; G. M., com depoimento gravado em CD, com a duração de 00h 22m e 40s, com início da gravação entre 15h 30m e 13s e fim de gravação às 15h 52m e 54s; T. J., com depoimento gravado em CD, com a duração de 00h 17m e 40s, com início da gravação entre 14h 12m e 48s e fim de gravação às 14h 30m e 29s; M. M., com depoimento gravado em CD, com a duração de 00h 06m e 59s, com início da gravação entre 14h 31m e 11s e fim de gravação às 14h 38m e 11s; Paulo, com depoimento gravado em CD, com a duração de 00h 26m e 28s, com início da gravação entre 16h 09m e 18s e fim de gravação às 16h 35m e 48s;Florência com depoimento gravado em CD, com a duração de 00h 07m e 16s, com início da gravação entre 14h 11m e 26s e fim de gravação às 14h 18m e 44s; VI.

Passando à análise crítica da decisão sobre a matéria de facto dada como provada, o Tribunal deveria ter dado como provados os seguintes pontos: 12. Em inícios do mês de Outubro de 2011, o Padre F. C. foi contactado pelo Réu JOSÉ e por responsáveis do SEMINÁRIO X para emprestar dinheiro àquela instituição, pois pretendiam realizar obras na Instituição, referindo-lhe que sabiam que era uma pessoa abastada e acrescentando que, sendo um ex-aluno daquela instituição, cabia-lhe a obrigação de os ajudar.

VII.

Salvo o devido respeito por entendimento diverso, desde já adiantaremos que estamos convencidos que o Tribunal os deveria ter dado como provados nos termos lá elencados, originando por esta via a procedência parcial da acção.

VIII.

Pois do depoimento das testemunhas J. F.

, G. M., T. J., M. M., Paulo, Florência e do depoimento de parte do réu Bispo D. Amândio, resultou provado que o falecido padre F. C. solicitou a devolução de 55.000€ ao SEMINÁRIO X.

IX.

A testemunha Paulo disse que a transferência dos 256.000 euros foi a título de liberalidade do padre F. C., mas a mesma testemunha confirmou que o padre F. C. lhe solicitou a devolução de 55.000 euros.

X.

O Réu D. Amândio confessou que teve uma conversa no hospital horas antes do padre F. C. faleceu em que lhe pediu a devolução dos 55.000 euros.

XI.

Os herdeiros tiveram reuniões com o bispo onde ele assumir que seriam devolvidos os 55.000 euros.

XII.

Contudo, o Mº juiz do tribunal a na douta sentença ora recorrida não se pronunciou sobre a devolução daquele valor o que levaria a que a acção fosse parcialmente procedente.

XIII.

Pelo que se impunha decisão diversa da recorrida.

XIV.

Para além disso, o tribunal à quo ao não se pronunciar sobre a devolução dos 55.000€ aos autores houve uma omissão de pronuncia por parte do tribunal a qual é geradora de nulidade nos termos do artª 640º do cpc o que se requer.

XV.

Nos termos do artº 5, nº 2 do CPC são considerados pelo juiz a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa; e b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar; I) Por outro lado, entendem os autores que a questão da devolução dos 55.000€ por parte do seminário, não extravasa os poderes de cognição do tribunal, uma vez que o pedido formulado pelos autores para além de outros é: … ser condenado a restituir ao A. a quantia no valor de €.: 256.197,01 acrescida de juros vencidos e vincendos desde a citação até efectivo e integral pagamento com todas as consequências legais.

XVI.

Contudo o pedido quanto ao réu seminário assentava na declaração de nulidade do contrato de mútuo e na restituição do valor de 256.197,01 euros mutuados.

XVII.

Da prova produzida resultou que apenas existiu uma doação ao seminário no valor de 256.197,01€ e que foi pedida a devolução pelo padre F. C. da quantia de 55.000€, pelo que o tribunal deveria de se ter pronunciado quanto a esta questão pois a mesma não extravasa o seu poder de cognição nem se divisa da causa de pedir que enforma a acção.

XVIII. A causa de pedir, face ao preceituado no art. 498º, nº. 4, do C.Proc.Civil, que afirma no nosso direito adjectivo a teoria da substanciação, é o facto concreto de que deriva o direito invocado, isto é, o efeito jurídico pretendido.

XIX.

Ora, o efeito jurídico pretendido pelos autores era devolução do...

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