Acórdão nº 778/16.0T8BCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 20 de Setembro de 2018
Magistrado Responsável | VERA SOTTOMAYOR |
Data da Resolução | 20 de Setembro de 2018 |
Emissor | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães APELANTE: X SEGUROS, S.A.
APELADA: MARIA Comarca de Braga, Juízo do Trabalho de Barcelos, Juiz 1 I – RELATÓRIO Frustrada a tentativa de conciliação, veio MARIA, residente na Rua (…), Barcelos, com o patrocínio do Ministério Público, intentar a presente acção especial emergente de acidente de trabalho, contra X SEGUROS, S.A.
, pedindo que se condene a Ré a pagar-lhes a quantia de €2.515,00 a título de subsídio para despesas de funeral, acrescida de €42,44 de juros de mora vencidos e dos vincendos até integral pagamento.
Alega para tanto e em síntese que o seu filho M. S. faleceu em 31 de Março de 2016, na sequência de um acidente de viação, quando se deslocava para o trabalho.
O acidente consistiu num embate entre o veículo ligeiro de passageiros conduzido pelo sinistrado e o veículo pesado de passageiros que circulava em sentido contrário.
O M. S., à data, exercia as funções de assentador de revestimentos, sob as ordens direcção e fiscalização da sociedade “Irmãos C.”, mediante a retribuição mensal ilíquida de €530,00, acrescida de €5,70 de subsídio de alimentação por cada dia efectivo de trabalho, encontrando-se transferida para a Ré a responsabilidade infortunística emergente de acidentes de trabalho, pela totalidade da retribuição auferida pelo sinistrado.
A Ré não pagou à autora o subsídio para despesas de funeral.
Regularmente citada, a Ré Seguradora contestou, mantendo a posição assumida na tentativa de conciliação relativamente à descaracterização do acidente como de trabalho, alegando que o acidente ficou a dever-se à conduta do sinistrado que violou de forma exclusiva e grosseira as regras de segurança rodoviária que no caso se impunham.
Concluindo assim, pela sua absolvição do pedido.
*Os autos prosseguiram os seus ulteriores termos tendo por fim sido proferida sentença, a qual terminou com o seguinte dispositivo: “Assim, e nos termos expostos, julga-se a acção totalmente procedente por provada e, consequentemente, condena-se a ré X - Companhia de Seguros, S.A. no pagamento à autora MARIA da quantia € 2.515,00 a título de subsídio para despesas de funeral, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos à taxa de legal de 4%, até integral pagamento.--- Custas pela ré.--- Valor da acção: 2.515,00 (art.º 120.º do Cód. Proc. Trabalho).--- Registe e notifique.” Inconformada com esta decisão, dela veio a Ré interpor recurso para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam com as seguintes conclusões: ” 1. Ocorreu incorrecto julgamento dos concretos pontos 1.º, 2.º e 3.º dos factos (não) provados.
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O Tribunal formou convicção com base nos documentos juntos aos autos, designadamente de fls. 37-39 (auto de notícia), fls. 42-45 (inquérito ACT), 86-88 (relatório de autópsia), 135 (croquis), 136-140 (relatório táctico de inspecção ocular), 141-157 (relatório fotográfico/GNR), 169-177 (relatório final/GNR), 182-186 (despacho de arquivamento do inquérito/SMP), conjugado com o teor dos depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas em sede de audiência final, designadamente C. R. (condutora da viatura que embateu com o veículo do autor), F. R. e M. C. (passageira da viatura que embateu com o autor)..
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O Tribunal de 2ª instância deve efetuar novo julgamento da matéria de facto procurando a sua própria convicção, por forma a assegurar o duplo grau de jurisdição em relação à matéria de facto.
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Assim, a propósito dos pontos de facto impugnados pela recorrente, deve, agora, o Tribunal “ad quem” decidir nos seguintes termos: Ponto 1.º – deve ser eliminado dos factos (não) provados passando a figurar nos factos provados.
Ponto 2.º – deve ser eliminado dos factos (não) provados passando a figurar nos factos provados.
Ponto 3.º – deve ser eliminado dos factos (não) provados passando a figurar nos factos provados.
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Os depoimentos das testemunhas, únicas presentes na data, hora e local dos factos, foram isentos, não se vislumbram razões para descredibilizar “tout court” o depoimento das mesmas como se fez na sentença recorrida; Note-se que estas testemunhas nenhuma relação de amizade ou inimizade têm com qualquer das partes do processo e nenhum interesse têm no seu desfecho, relataram os factos de forma circunstanciada e coerente.
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Face à alteração da matéria de facto nos termos pugnados no presente recurso, concluindo que o sinistro em causa ocorreu apenas e só por culpa grave, indesculpável e exclusiva do Sinistrado/falecido, impõe-se a absolvição da recorrente.
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Entende, assim, a recorrente que inexiste, no caso, qualquer acidente de trabalho indemnizável na situação em apreço, uma vez que o mesmo se encontra descaracterizado.
Conclui assim a Recorrente/Apelante pela revogação da sentença recorrida, com a sua substituição por outra que a absolva do pedido.
*Contra alegou a Autora deduzindo as seguintes conclusões: “1º - o quesito primeiro da base instrutória é não só conclusivo, como contém matéria de direito; 2º - deve ser alterada as respostas aos quesitos 2º e 3º da base instrutória; 3º- para descaracterizar o acidente, com base na negligência grosseira do sinistrado, é preciso provar que a sua conduta (por acção ou omissão) atentou contra o mais elementar sentido de prudência e que a sua falta de cuidado não resultou da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos e costumes da profissão. É preciso, em suma, que a sua conduta se apresente como altamente reprovável, indesculpável e injustificada, à luz do mais elementar senso comum; 4º - o regime jurídico dos acidentes de trabalho reclama mecanismos diferentes daqueles de que se socorre a legislação rodoviária: sendo aqui mais premente o interesse da prevenção geral – com o recurso a presunções de culpa e à punição de meras situações de perigo – jamais se poderiam transpor para a sinistralidade laboral os critérios de gravidade adoptados naquela legislação; 5º - no caso, a recorrente não provou que o acidente se deveu a negligência grosseira do sinistrado; 6º - pelo que o acidente não se encontra descaracterizado”.
Termina as suas conclusões dizendo que ao recurso deve ser negado o provimento e em consequência deve ser mantida a sentença recorrida.
*Admitido o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida e efeito foram os autos remetidos a esta 2ª instância.
Cumprido o disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657º do Código de Processo Civil, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
*II – DO OBJECTO DO RECURSO Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões da recorrente (artigos 653º, nº 3 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nela não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, que aqui se não detetam, colocam-se à apreciação deste Tribunal da Relação as seguintes questões: - Da impugnação da decisão relativa à matéria de facto; - Da descaraterização do acidente nos termos do artigo 14º n.º 1 al. b) da NLAT.
III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Encontra-se provada a seguinte matéria de facto: 1. A Autora é mãe do sinistrado M. S., nascido em 06.01.1997.
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M. S. faleceu em 31.03.2016.
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Nesse dia 31.03.2016, cerca das 7h45m, o sinistrado deslocou-se no veículo automóvel com a matrícula FE (doravante FE), desde a sua residência, sita em (…) – Barcelos, para o armazém da sociedade Irmãos C., Ld.ª, sito em (...), através da EN nº 204, no sentido Barcelos – Ponte de Lima, para, de seguida, ser transportado em viatura da predita sociedade...
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