Acórdão nº 5717/17.8T8VNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 20 de Setembro de 2018

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução20 de Setembro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

RELATÓRIO.

Joaquina, residente na Rua (...), Vila Nova de Famalicão, instaurou a presente ação declarativa, com processo comum, contra Maria, residente na Rua (...), Vila Nova de Famalicão, pedindo que se reconheça que aquela tem sobre a herança de seus falecidos pais um direito de crédito no montante de 31.245,00 euros e se condene a Ré a reconhecer que lhe assiste o direito a reclamar da herança dos pais a referida quantia.

Para tanto alega, em síntese, que aquela e a Ré são as únicas herdeiras de M. J. e de Fernando, pais de ambas, falecidos, respetivamente, em 13/10/2010 e 09/07/2013, no estado de casados e em primeiras núpcias de ambos e no regime da comunhão geral de bens; Aqueles falecidos pais deixaram bens móveis e imóveis, encontrando-se a correr termos processo de inventário sob o n.º 2400/13.7TJVNF, da Instância Local Cível de Vila Nova de Famalicão, Juiz 1; Nesses autos de inventário, a Autora, que neles exerce a função de cabeça-de-casal, relacionou como passivo diversos valores de que se considera credora sobre a herança, o que não foi aceite pela Ré, tendo as partes sido remetidas para os meios comuns; Desde 2009, por solicitação expressa de seus falecidos pais, a Autora deixou de trabalhar e/ou exercer qualquer atividade remunerada, para passar a cuidar exclusivamente daqueles; Na altura, a Autora exercia as funções de empregada de balcão e auferia o salário mínimo nacional; Desde o ano de 2009 e até à morte de seus pais, a Autora cuidou daqueles, sem que recebesse qualquer remuneração e deixando de auferir 31.245,00 euros que auferiria caso tivesse continuado a exercer a sua atividade profissional de empregada de balcão, sendo da mais elementar justiça que seja compensada pela herança por tal prejuízo; A Ré recusa-se a reconhecer esse direito de crédito da Autora sobre a herança, valor esse que é muito inferior ao que os seus falecidos pais teriam de pagar se tivessem sido internados ou colocados num lar ou tivessem contratado pessoal especializado para deles cuidar; Caso o valor em causa não seja reconhecido, tal facto traduz-se num inaceitável enriquecimento da herança à custa do empobrecimento da Autora e esse enriquecimento acaba por se traduzir num inaceitável enriquecimento da co-herdeira Ré à custa daquela.

A Ré contestou impugnando parte da factualidade alegada pela Autora, sustentando que esta, desde que casou, deixou de exercer atividade remunerada, passando a dedicar-se ao papel de esposa e mãe, além de que os falecidos pais de ambas sempre foram pessoas autónomas, pelo que se em 2009 e, bem assim nos anos anteriores e posteriores, aquela deixou de trabalhar fora da sua residência, foi porque quis; Mais alegou que a Autora não foi contratada para prestar serviços de empregada doméstica aos pais, sequer com eles celebrou qualquer contrato de trabalho ou de prestação de serviços e que nenhum filho tem o direito de reclamar o pagamento do tempo que livremente despendeu com os seus pais; Acresce que o falecido pai de ambas fez testamento a favor da Autora, no qual lhe legou o usufruto da herança e o remanescente da quota disponível para a compensar de qualquer cuidado que aquela tivesse prestado.

Conclui pedindo que a ação seja julgada improcedente e que a mesma seja absolvida do pedido.

Deduziu reconvenção, pedindo a condenação da Autora-reconvinda a: a) trazer ao acervo hereditário a quantia de 55.200,00 euros, a título de rendas pela utilização do imóvel da herança; b) trazer ao acervo hereditário todos os valores de reforma de seus pais, que recebeu desde 2009 até à data do falecimento daqueles, cujo montante se apurará logo que as entidades pagadoras venham informar os autos dos respetivos valores; c) trazer ao acervo hereditário todos os valores levantados pela Autora das contas bancárias de seus pais; e d) trazer ao acervo hereditário o veículo automóvel propriedade dos pais de ambas; Para tanto alega, em síntese, que os seus pais eram donos e proprietários de um prédio urbano, em cujo rés-do-chão a Autora residiu desde que casou, em 13/05/1984; O valor de arrendamento daquele espaço até à data do falecimento da mãe de ambas, ascende a pelo menos 100,00 euros mensais, e a partir de tal data e até à partilha ascende à quantia de pelo menos 300,00 euros mensais, num total de 30.000,00 euros até à data do óbito da mãe de ambas e de 25.200,00 euros, até ao presente momento; Os falecidos pais de ambas recebiam várias reformas de França e de Portugal e era a Autora que as recebia e geria; Foi com o valor dessas reformas que a Autora criou o filho e fez face a todas as despesas do seu agregado familiar, pese embora essas verbas não lhe pertencerem, mas sim aos pais, pelo que aquela terá de restituir à herança de seu pai tudo o que este recebeu mas não gastou; Acresce que a Autora não trouxe à partilha o veículo automóvel de seus pais, com a matrícula QB, veículo esse que veio a ser registado, posteriormente à morte daqueles, em nome de um familiar da Autora, com o intuito de o furtar à partilha.

A Autora replicou impugnando a factualidade aduzida pela Ré em sede de reconvenção, concluindo pela improcedência da mesma.

Por despacho proferido em 11/12/2017, admitiu-se o pedido reconvencional, fixou-se o valor da ação em 86.445,00 euros e declarou-se o Juízo Local Cível incompetente, em função do valor, para o ulterior conhecimento dos autos, declarando-se competente para o efeito o Juízo Central Cível de Guimarães, para onde, após trânsito, ordenou-se a remessa dos autos e para onde os mesmos transitaram.

Realizou-se audiência prévia, onde uma vez frustrada a conciliação das partes, concedeu-se a palavra ao ilustre mandatário da Autora para se pronunciar, querendo, quanto à eventual manifesta improcedência do pedido, dado tratar-se de uma obrigação natural.

Concedeu-se ainda a palavra às partes para se pronunciarem, querendo, quanto à eventual cumulação ilegal de pedidos reconvencionais.

Proferiu-se despacho em que se julgou procedente a exceção da cumulação ilegal de pedidos reconvencionais e absolveu-se a Autora-reconvinda da instância quanto a todos os pedidos reconvencionais.

Proferiu-se saneador-sentença em que se conheceu do pedido, julgando-o manifestamente improcedente e, em consequência, absolveu-se a Ré do mesmo, constando a parte dispositiva desse saneador-sentença do seguinte: “Por tudo o exposto, julgo a pretensão da Autora manifestamente improcedente e, em consequência, absolvo a Ré do pedido.

Custas, nesta parte, a cargo da Autora (sem prejuízo do apoio judiciário)”.

Inconformada com o assim decidido veio a Autora interpor o presente recurso de apelação, apresentando as seguintes conclusões: - AO CONTRÁRIO DO QUE O TRIBUNAL A QUO ENTENDE, A QUESTÃO EM CAUSA EXIGIA A CONTINUAÇÃO DOS AUTOS COM A CONSEQUENTE INSTRUÇÃO E DISCUSSÃO DA CAUSA - NÃO SÓ NÃO É MANIFESTAMENTE INVIÁVEL, COMO A PRETENSÃO DA RECORRENTE É MATERIALMENTE JUSTA - É DE ÍNDOLE SOCIAL E CADA VEZ MAIS A ORDEM JURÍDICA PORTUGUESA SE VAI DEFRONTAR COM O TEMA - EXISTEM CASOS ANÁLOGOS NA ORDEM JURÍDICA PORTUGUESA QUE COM O FIM VISADO PODEM E PODIAM SER APLICADOS POR EM NADA FERIREM O SISTEMA, NOMEADAMENTE O ART 1676 DO CC.

- A QUESTÃO VERTENTE, NÃO PODE SER ANALISADA Á LUZ DO DIREITO NATURAL OU MORAL; - NEM MUITO MENOS Á LUZ DAS RELAÇÕES ENTRE PAIS E FILHOS; - É EXCLUSIVAMENTE DO FORO DAS HERANÇAS, DIVIDAS DESTAS E RELAÇÕES ENTRE HERDEIROS - CONSEQUENTEMENTE NÃO É LEGITIMO TRAZER Á COLAÇÃO O ART 1874º DO CC - VERIFICAM-SE E DE MODO CLARO, TODOS OS REQUISITOS DO ENRIQUECIMENTO SEM JUSTA CAUSA - PELO QUE A NÃO APLICABILIDADE DE TAL INSTITUTO IMPORTA A VIOLAÇÃO DO ART 479 DO CC DEVE POIS A SENTENÇA RECORRIDA SER REVOGADA E EM CONSEQUÊNCIA PROFERIR-SE ACÓRDÃO A ORDENAR O PROSSEGUIMENTO DOS AUTOS COM A CONSEQUENTE INSTRUÇÃO E DISCUSSÃO DA CAUSA.

A apelada contra-alegou pugnando pela improcedência da presente apelação com os seguintes fundamentos: Vem o presente recurso interposto pela recorrida pelo facto de se ter insurgido contra a decisão de mérito proferida antes da realização da audiência de discussão e julgamento.

Parecendo assim que pretende o prosseguimento dos autos para que seja tomada uma decisão a favor do seu pedido.

Porém, para o efeito, não alega quaisquer factos que possam colocar em crise a douta decisão proferida, nem invoca quaisquer outras decisões judiciais ou jurisprudência que se tenham pronunciado no sentido da sua pretensão.

Mais parecendo que o que a recorrente pretende é apenas e só, algo que sabe não ser viável, mas com a qual não se conforma.

Pelo que, por alguma razão que tivesse, que não tem, não podia o douto Tribunal “ad quem” acolher a sua pretensão, por falta de invocação de factos que justifiquem a pretensão.

Por outro lado, a douta sentença ora em crise deixou claros todos os factos que levaram à tomada de decisão, nada havendo a apontar-se.

Pelo que, deve desde logo manter-se a douta decisão proferida.

Por tudo o exposto, se depreende que bem andou o Tribunal ao decidir como decidiu e, como tal, nenhum reparo, no que à matéria de direito diz respeito, há a fazer.

Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. muito doutamente suprirão, deve o presente recurso ser considerado improcedente, por não provado, mantendo-se na íntegra a decisão proferida.

*Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

*II- FUNDAMENTOS O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.

No seguimento desta orientação, a única questão que se encontra submetida à apreciação desta Relação resume-se em saber se o saneador-sentença padece de erro de direito ao ter julgado o pedido deduzido pela apelante manifestamente improcedente e ao dele ter absolvido a apelada.

*A- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Os factos que relevam para a decisão da presente apelação são os que constam do relatório acima...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT