Acórdão nº 3345/14.9T8GMR-D.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 13 de Setembro de 2018

Magistrado ResponsávelAFONSO CABRAL DE ANDRADE
Data da Resolução13 de Setembro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães I- Relatório Nos autos de insolvência dos quais foi extraído este recurso em separado, foi declarado insolvente LUÍS.

O Administrador da Insolvência veio pronunciar-se no sentido de que deve ser apreendido para os autos a totalidade do crédito reconhecido ao devedor no âmbito do processo nº 541/16.8T8GMR.

O insolvente pronunciou-se no sentido oposto.

Foi então proferido o seguinte despacho: “O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a liquidação do património de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores (cfr. art.º 1.º do CIRE).

Estão sujeitos a apreensão no processo de insolvência todos os bens integrantes da massa insolvente, a qual abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo; quanto aos bens isentos de penhora só são integrados na massa insolvente se o devedor voluntariamente os apresentar e a impenhorabilidade não for absoluta (vide art.º 46.º, n.ºs 1 e 2, do CIRE).

Temos de entender que no processo de insolvência vigoram supletivamente, as regras constantes do art.º 824.º do CPC sobre a impenhorabilidade relativa de determinados bens, salvo se o insolvente voluntariamente os oferecer para apreensão.

Do salário auferido pelo insolvente são impenhoráveis dois terços do mesmo (cfr. art.º 824.º, n.º 1, a), do CPC). Esta regra sofre duas excepções, as quais são aplicáveis ao conjunto dos bens relativamente impenhoráveis constantes das alíneas a) e b) do n.º 1 do art.º 824.º do CPC.

Uma das excepções consiste em a impenhorabilidade relativa dos bens em causa ter como limite máximo o montante equivalente a três salários mínimos nacionais à data de cada apreensão.

No acórdão da Relação de Guimarães de 8.2.2018, disponível in www-dgsi.pt refere-se: “Na verdade, não obstante o processo em causa visar a satisfação dos interesses dos credores, não descura a salvaguarda dos meios de subsistência ao insolvente e seu agregado familiar. São reflexos dessa preocupação, por exemplo, o disposto nos arts. 84º, nº 1 e 239º, nº 3 b) -i do CIRE. Conforme se refere no Acórdão da Relação de Coimbra de 6/3/07 a propósito do disposto no art. 150º CPEREF que corresponde ao atual 84º, nº 1 do CIRE (in www.dgsi.pt) “subjacentes a tal normativo estão, por um lado, razões de humanidade ou dignidade humana, de forma a não privar o falido (e o seu agregado familiar) dos meios necessários ao seu sustento e, por outro, razões que visam estimulá-lo e encorajá-lo a “levantar a cabeça” e a providenciar, pelo menos, pela angariação, através do seu trabalho, do seu sustento (e quiçá do seu agregado familiar), e por forma a não prejudicar ainda mais os seus credores já que, no caso de tal não acontecer, os mesmos acabariam ainda por assistir à diminuição da massa falida (normalmente já de si insuficiente para dar cobertura total aos seus créditos), em virtude da retirada dela dos valores necessários para providenciar pelo sustento daquele (e porventura do seu agregado familiar)”.

Deste modo, não podem ser apreendidos para a massa insolvente os rendimentos do insolvente que se destinem a suportar economicamente a existência do devedor e seu agregado familiar.

Com efeito, dispõe o art. 738º, nº 1 do C. P. Civil, aplicável ao processo de insolvência por virtude do preceituado no art. 17º, nº 1 do CIRE, que são impenhoráveis dois terços das partes líquidas dos vencimentos, salários, prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de quaisquer outra regalia social, indemnização por acidente, renda vitalícia ou prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado.” Ora, no caso, parte da indemnização laboral atribuída ao Insolvente destina-se a ressarci-lo pela perda de rendimentos do trabalho, ou seja, para substituir estes rendimentos.

Mas a mesma, ainda apenas se encontra graduada como crédito privilegiado, não tendo sido efectuado qualquer pagamento.

Efectivamente depois da declaração de insolvência, a referida indemnização poderia ter-se destinado a prover ao sustento do Insolvente e seu agregado familiar, sendo que, neste caso obviamente, tal quantia poderá ser integrada na massa insolvente, tanto mais que o valor é superior ao que foi fixado no incidente de exoneração do passivo restante.

Resultam dos factos provados do despacho liminar do incidente de exoneração do passivo restante que: 1) O requerido é casado com Paula, desde 05/11/1993, sob o regime de separação de bens; 2) Fruto de tal casamento, nasceram 3 filhos, sendo um já maior e os demais menores, mas todos ainda estudantes e dependentes economicamente, 3) O requerido exerce de forma regular e estável a profissão de Técnico Oficial de Contas ao serviço de sociedade unipessoal por quotas “X- Unipessoal, Lda, bem como de forma independente à sociedade comercial “Y – Escola de Formação Profissional, Lda.”, auferindo o rendimento mensal líquido global de € 913,39; 4) Por seu turno, a sua esposa aufere, como professora dos 2º e 3º ciclos do ensino secundário, um vencimento mensal líquido de cerca de € 1.229,18, 5) O agregado familiar do requerido na forma descrita, tem despesas mensais certas e regulares, relativas à casa de morada de família, água, luz, gás, telefone, condomínio, mercearia, despesas escolares e de saúde; 6) A tais despesas acrescem ainda outras de carácter já não tão regular, mas que igualmente o agregado do requerido tem de suportar, tais como outras despesas de alimentação, de saúde, vestuário, calçado, livros escolares dos seus filhos, e ainda despesas de deslocação.

7) As suas dívidas, decorrem apenas de prestação de avales a instituições bancárias por via da sua qualidade de administrador da sociedade comercial “A. G., Filho & Companhia, S. A.”, Com base nestes factos provados o Tribunal fixou o montante nestes termos: “Enfim, encurtando razões, a exclusão imposta pelo art. 239.º, n.º 3, b), i) afigura-se-nos poder ser aproximadamente do montante do salário mínimo nacional acrescido de metade. Reconhece-se que se trata dum montante –€750– que obrigará o requerente, que tem filhos a cargo a viver, nos próximos cinco anos, com comedimento e modéstia; não é preciso sequer qualquer elemento factual explícito para sustentar tal afirmação, uma vez que pertencem ao domínio dos factos públicos e notórios os gastos/despesas que é imprescindível efectuar para obter o indispensável para o sustento, habitação e vestuário dum agregado familiar de 5 pessoas, numa fase da vida dispendiosa.

Mas também temos de contrabalançar com o salário da esposa e mãe das crianças de €1.200,00, pelo que o rendimento global do agregado familiar será na ordem dos €2.000,00, apenas cedendo o requerente €150 mensais (aproximadamente a sua conta da Telecomunicações).” Desta decisão não foi interposto recurso, aceitando o insolvente o montante que lhe foi fixado e que tem vindo a cumprir. Assim, tendo em conta os critérios de fixação do rendimento excluído da cessão (v. art. 239º, nº 3 – b) i) do CIRE), tem de presumir-se que o valor fixado nesse incidente para o insolvente foi o que se entendeu adequado para prover ao sustento minimamente digno daquele e seu agregado familiar, ao que este anuiu e tem sido suficiente.

Desta forma se a referida indemnização houvesse sido fixada na forma de renda, dúvidas sequer se levantariam de que, por ultrapassar o montante fixado como rendimento disponível, teria de integrar a cedência da massa.

Também no caso concreto, cremos que o referido crédito laboral, como defende o senhor A.I, deverá ser apreendido para a massa, no montante que vier a ser efectivamente atribuído em rateio, pois os bens que compõem a referida massa, podem não garantir o cumprimento/pagamento dos créditos, ainda que privilegiados, na totalidade dos trabalhadores”.

E assim, teve lugar a apreensão do referido crédito, para a massa insolvente.

Inconformado com esta decisão, o insolvente dela interpôs...

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