Acórdão nº 117/16.0GAVFL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 10 de Setembro de 2018

Magistrado ResponsávelJORGE BISPO
Data da Resolução10 de Setembro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I.

RELATÓRIO 1.

No processo com o NUIPC 117/16.0GAVFL, findo o inquérito, o Ministério Público deduziu:

  1. Despacho de arquivamento da queixa-crime apresentada por J. F. contra os arguidos M. P. e J. V., pela prática, cada um deles, de dois crimes de introdução em lugar vedado ao público, previstos e punidos (p. e p.) pelo art. 191º do Código Penal, T. P., pela prática de um crime de introdução em lugar vedado ao público, p. e p. pelo mesmo artigo, e M. P., pela prática de um crime de ameaça, p. e p. pelo art. 153º, n.º 1, do Código Penal; b) Despacho de acusação contra o arguido J. F., imputando-lhe a prática de um crime de ameaça, p. e p. no art. 153º, n.º 1, do Código Penal, cometido na pessoa de M. P..

    1. Na sequência da notificação que lhes foi efetuada pelo Ministério Público, na qualidade de assistentes:

  2. J. F. deduziu acusação particular contra M. P., imputando-lhe a prática de um crime de injúria, p. e p. pelo art. 181º do Código Penal.

  3. M. P. deduziu acusação particular contra J. F., pela prática de um crime de injúria, p. e p. pelo mesmo preceito.

    O Ministério Público acompanhou ambas as acusações particulares.

    1. J. F.

    requereu a abertura de instrução:

  4. Na qualidade de assistente, relativamente ao despacho de arquivamento, visando obter a pronúncia do arguido M. P. pela prática dos dois crimes de introdução em lugar vedado ao público e por um crime de coação, p. e p. pelo art. 154º, n.º 1, do Código Penal, e dos arguidos T. P. e J. V. pela prática, cada um deles, do crime de introdução em lugar vedado ao público; b) Na qualidade de arguido, relativamente à acusação pública e à acusação particular, visando a sua não pronúncia pelos crimes de ameaça e de injúria.

    1. No termo da fase processual de instrução, o Mmº. Juiz proferiu decisão instrutória a: - Não pronunciar o arguido J. F. pela prática do crime de injúria.

      - Não pronunciar o arguido M. P. pela prática dos dois crimes de introdução em lugar vedado ao público.

      - Não pronunciar o arguido M. P. pela prática do crime de coação.

      - Não pronunciar os arguidos T. P. e J. V. pela prática, cada um deles, do crime de introdução em lugar vedado ao público.

      - Pronunciar o arguido J. F. pela prática do crime de ameaça, pelas razões de facto e de direito vertidas na acusação do Ministério Público.

      - Pronunciar o arguido M. P., pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. no art. 143º, n.º 1 do Código Penal, na sequência da comunicação da alteração da qualificação jurídica dos factos descritos no requerimento de abertura de instrução com vista a imputar-lhe o crime de coação.

    2. Inconformados com o segmento da decisão instrutória relativo à não pronúncia do arguido J. F. pela prática do crime de injúria, dela recorreram, quer o Ministério Público, quer o assistente M. P..

      5.1 - O Exmo. Procurador Adjunto extraiu da respetiva motivação as conclusões que a seguir se transcrevem : «CONCLUSÕES 1.ª Foi proferido despacho que decidiu, além do mais, não pronunciar o arguido J. F. pela prática de um crime de injúria, previsto e punido no artigo 181.º do Código Penal.

      1. Encontra-se suficientemente indiciado de que o arguido se dirigiu ao assistente o apodou de ladrão.

      2. Tal expressão é lesiva da honra e consideração do assistente e, logo, objetivamente injuriosa e criminalmente punida.

      3. O despacho recorrido violou o disposto no artigo 308.º n.º 1 do Código de Processo Penal, bem como o artigo 181.º n.º 1 do Código Penal.

      Termos em que, deverá ser julgado procedente o presente recurso e, em consequência, ser revogado o despacho proferido e substituído por outro que pronuncie o arguido J. F. pela prática de um crime de injúria, previsto e punido no artigo 181.º do Código Penal, assim fazendo V. Exas., como sempre, JUSTIÇA!» 5.2 - Por seu lado, o assistente M. P. concluiu a sua motivação nos seguintes termos (transcrição): «CONCLUSÕES: I – O despacho de não pronúncia não enumera os factos provados e não provados o que constitui nulidade, devendo a mesma ser declarada com as consequências legais.

      II – A presente decisão não está devidamente fundamentada o que constitui a nulidade insanável prevista na Lei e no Art.º 205º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.

      III – A decisão recorrida é fruto de considerações individuais e meramente subjetivas, não aceites e até repudiadas pela sociedade.

      IV – Resultam do Inquérito indícios suficientes e fortes com maior probabilidade de em julgamento ser o arguido condenado do que ser absolvido.

      V – Deverá, pois, o arguido J. F. ser pronunciado pela prática de crime de injúria p. e p. no Art.º 181º, n.º 1 do Código Penal.

      VI – O despacho de não pronuncia recorrido viola ou interpreta erradamente os Artigos 181º do Código Penal, 283º, n.º 2 e 308º, n.º 1 do C.P. Penal, Art.º 205º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, disposições que devem ser interpretadas e aplicadas no sentido exposto.

      NESTES TERMOS, com o Douto Suprimento de Vossa Excelências devem as nulidades suscitadas serem julgadas procedentes com as implicações legais e caso assim não se entenda ser o presente recurso julgado procedente decretando-se ou ordenando-se a pronúncia do arguido pela prática de crime de injúria p. e p. no Art.º 181º, n.º 1 do Código Penal.» 6.

      O Exmo. Procurador Adjunto na primeira instância respondeu ao recurso do assistente M. P., dando por reproduzido o teor da motivação do recurso também por si interposto, devendo, assim, o arguido ser pronunciado.

      Em resposta a ambos os recursos, o arguido J. F. sustentou não se verificar a invocada nulidade da decisão instrutória e que, a existir qualquer irregularidade, a mesma não é juridicamente relevante, uma vez que se consegue bem discernir qual o caminho lógico-racional que desembocou na sua não pronúncia. Quanto ao mais, sustenta que os recursos devem ser rejeitados, por os recorrentes não levarem às conclusões quais os factos que devem considerar-se suficientemente indiciados, nem por remissão para a acusação particular, mas que, ainda que assim não seja, a expressão "ladrão" expressa apenas o descontentamento do arguido pelo facto de o assistente se ter introduzido, por duas vezes, ilegitimamente no seu terreno, não representando, pois, uma verdadeira ofensa à sua honra e consideração, pelo que nunca poderia ser alvo de tutela penal, para além de que o arguido tinha fundamento séria para, em boa fé, reputar como verdadeira a afirmação que fez, o que exclui a punibilidade da sua conduta, uma vez que o assistente tinha invadido a sua propriedade, andando pelo jardim e circulando pela casa, sem ter autorização para o efeito e aproveitando a ausência dos donos. Por outro lado, tal conduta terá sido provocada por uma conduta ilícita ou repreensível do ofendido, designadamente, o facto de este lhe ter invadido a sua propriedade por mais do que uma vez e pelo facto de lhe ter chamado ordinário nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, como decorre da acusação particular apresentada, pelo que o inquérito deveria ter sido arquivado com dispensa de pena, nos termos do disposto no artº 186º, n.º 2, do Código Penal e 280º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

    3. Previamente a ordenar a subida dos autos a esta Relação, o Mmº. Juiz a quo proferiu despacho a sustentar que não se verifica a invocada nulidade, não só por a lei não exigir a enunciação dos factos indiciados e não indiciados no despacho de não pronúncia, mas também porque o tribunal, ao considerar que que a expressão objetivamente imputada - "você é um ladrão" - não assumia carácter injurioso, limitou-se à apreciação jurídica da matéria, concluindo pela não pronúncia.

    4. Na intervenção a que se refere o art. 416º do Código de Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto nesta Relação emitiu parecer no sentido de que, independentemente de o tribunal a quo não se ter pronunciado sobre a intenção com que o arguido proferiu a expressão, concretamente se pretendia ou não ofender a honra e consideração devidas ao assistente, se com isso pretendia dizer que cometia crimes de roubo, o certo é que, em qualquer das situações, o facto de se dizer a alguém "você é um ladrão" é objetivamente ofensivo da honra e consideração que são devidas a essa pessoa, tanto no sentido de pessoa que rouba, que furta, como no sentido de pessoa que não é honesta numa transação, que procede de má-fé, o que é a mesma coisa que dizer-lhe que é um biltre, um patife, um tratante, em velhaco, ou mesmo no sentido de pessoa que leva uma vida sem grandes responsabilidades, à base de expedientes pontuais, que vive à custa dos outros, defendendo, assim, que deve conceder-se provimento aos recurso.

    5. Cumprido o disposto no art. 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não houve resposta qualquer a esse parecer.

    6. Efetuado o exame preliminar e colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência para decisão, de harmonia com o preceituado no art. 419º, n.º 3, al. c) do mesmo código.

      II.

      FUNDAMENTAÇÃO 1.

      DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO De acordo com o disposto no art. 412º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente das respetivas motivações, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que forem de conhecimento oficioso.

      No caso em apreço, em face das conclusões formuladas nos recursos, as questões a apreciar são as seguintes: a) - Saber se a decisão instrutória, na parte em que despronunciou o arguido J. F. pelo crime de injúria, padece do vício de nulidade, por não conter a descrição dos factos indiciados e não indiciados.

  5. - Em caso de improcedência dessa questão, saber se estão verificados os elementos objetivos de tal crime.

    1. DA DECISÃO RECORRIDA: O despacho recorrido tem o seguinte teor, na parte relevante para a apreciação dos recursos (transcrição parcial): «I. Relatório (…) M. P.

    deduziu...

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