Acórdão nº 2468/15.1T8CHV-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 27 de Setembro de 2018

Magistrado ResponsávelFERNANDO FERNANDES FREITAS
Data da Resolução27 de Setembro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

  1. RELATÓRIO I.

- O Executado “Município X” deduziu oposição, pelos presentes embargos, à execução comum, para pagamento de quantia certa, que lhe move a “Santa Casa da Misericórdia de X”, alegando, em síntese, que o “Protocolo” dado à execução não constitui título executivo, consubstanciando apenas uma promessa de doação, a qual deve ser considerada revogada pelo menos desde finais de 2013, e, por outro lado, estão feridas de ilegalidade as deliberações que sustentaram a referida promessa, e não foi colhido o visto prévio do Tribunal de Contas.

A Exequente contestou a oposição defendendo a exequibilidade do referido Protocolo já que se encontra elaborado e foi assinado a coberto das deliberações dos órgãos municipais respectivos – Câmara Municipal e Assembleia Municipal – que o aprovaram, ficando, assim, o Município constituído na obrigação de o cumprir.

Mais alega que o próprio Executado, já após o novo executivo camarário estar em funções, reconheceu a existência da dívida e a validade implícita do protocolo de cooperação celebrado, reconhecendo, através de carta assinada pelo Sr. Presidente da Câmara, o débito relativo aos anos de 2013 e 2014.

Os autos prosseguiram os seus termos vindo a proceder-se ao julgamento que culminou com a prolação de douta sentença que julgou improcedentes os embargos, determinando, consequentemente, o prosseguimento da execução, desatendendo ainda o pedido de condenação do Embargante/Executado como litigante de má fé.

Inconformado com a decisão que julgou improcedentes os embargos, o Embargante/Executado traz o presente recurso pedindo que a mesma seja revogada e se ordene o arquivamento da execução.

Contra-alegou a Embargada/Exequente propugnando para que se mantenha integralmente o decidido.

O recurso foi recebido como de apelação, com efeito devolutivo.

Foram colhidos os vistos legais.

Cumpre agora decidir.

**II.- O Apelante, Embargante/Executado, formulou as seguintes conclusões: 1ª – O exequente requereu execução para pagamento de quantia certa, apresentando como título executivo uma acta de deliberação do Município X que aprovou um protocolo de colaboração, celebrado entre ambas as entidades contendo obrigações reciprocas alegando não ter o Município cumprido tais obrigações Ora as actas de deliberações municipais não fazem parte dos títulos executivos a que se refere o artº 705 do C.P.Civil, e, não se integrando neste normativo, que contem de forma exclusiva todos os títulos executivos, não podem servir de base á execução para pagamento de quantia certa.

Ao entender de forma diferente e rejeitar os embargos apresentados com este argumento, a sentença proferida violou a referida disposição legal, permitindo execução sem título.

  1. - As actas das deliberações dos órgãos autárquicos são documentos que constituem relatos de deliberações e decisões que certificam actos administrativos de natureza pública, actos estes que se inserem nas atribuições e competências dos órgãos e entidades de que emanam.

    Estes documentos têm apenas a capacidade para atestar o ocorrido em reunião, não têm por si qualquer força independente dos próprios actos que, como decisões de natureza pública que representam não têm força executiva civil.

    Atribuindo força executiva a um documento que a não detém a sentença proferida violou o disposto no artº 705 do C.P.Civil.

  2. - As actas das reuniões camarárias não são elaboradas por notário ou autoridade pública mas sim pelo funcionário ou secretário designado ad hoc encarregue de as redigir e não se integram na alínea c) do nº 1 do artº 705 do C-P-Civil Também por esta razão as actas das reuniões camarárias não se incluem nos títulos executivos previstos na lei com capacidade legal de originar uma execução para pagamento de quantia certa.

  3. - As deliberações camarárias seu conteúdo, interpretação e consequências bem como o seu cumprimento ou sua exequibilidade são matéria de apreciação nos tribunais administrativos, ex vi do disposto no artº 4º nº 1, alínea b) do E.T.A.F, sendo a sua apreciação e discussão vedada ao tribunal civil, sob pena de incompetência material.

    Cfr. acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães tirado no processo 3401/13.0TBVCT.G1, de 5/6/2014, in www.dgsi.pt.

    A sua apreciação no tribunal cível origina Incompetência Material do tribunal ” a quo”, incompetência que é do conhecimento oficioso e pode ser invocada e decidida em qualquer momento de apreciação oficiosa que obriga á anulação da sentença proferida em violação desta regra.

  4. - O protocolo de colaboração celebrado entre as partes na sequência de deliberação tomada nesse sentido não configura título executivo nem permite fundamentar execução para pagamento de quantia certa.

    Este documento embora aprovado previamente por deliberação camarária não se enquadra na referida alª b do artº 703, do C.P.Civil nem em qualquer das hipóteses previstas na lei que o permitam classificar como título executivo.

    A execução a que falte o necessário título não pode prosseguir, devendo proceder a oposição de embargos com fundamento na inexistência de título, ordenando-se a extinção da execução.

  5. - O protocolo de colaboração celebrado entre o Município e a Misericórdia local com vista à prestação de serviços de saúde aos munícipes mediante contrapartida financeira constitui um contrato administrativo que visa prosseguir, através da misericórdia atribuições municipais e no interesse do município.

    É contrato administrativo um designado “protocolo” celebrado entre uma Câmara Municipal e uma “Associação de Desenvolvimento”, visando a cooperação, associação ou colaboração desta à realização de um interesse público integrado no conjunto das atribuições da pessoa colectiva envolvida, mediante retribuição e em que ambos os outorgantes assumem determinadas obrigações, já que tal “protocolo” integra um “acordo de vontades pelo qual é constituída, modificada ou extinta uma relação jurídica de direito administrativo” (artº 9º/1 do ETAF e 178º e 179º/1 do CPA). Acórdão proferido pelo Tribunal De Conflitos, em 16/-12-2004 in www.dgsi As questões relacionadas com este protocolo de cooperação sua legalidade cumprimento e consequências são igualmente matérias da exclusiva competência dos tribunais administrativos, pelo que a decisão tomada viola o disposto no artº 4º, designadamente alíneas b) c) e f) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, e o disposto no artigo 64 do C.P.Civil devendo ser revogada e declarada a absolvição da instancia executiva 7ª - Do protocolo de cooperação que serviu de fundamento á execução não consta a obrigatoriedade de pagamento de quantia certa nem que seja possível apurar através de mera operação aritmética.

    O protocolo constitui um contrato com direitos e deveres recíprocos e que se prolongam no tempo, pelo que as obrigações das partes e a violação dos respectivos deveres não é de apreciação ou apreensão imediata, não permitindo a certeza necessária à qualificação do contrato como titulo executivo.

    A execução deve ser declarada extinta por falta de título, procedendo a oposição por embargos.

  6. - Mesmo a considerar-se o protocolo como título executivo, face ao seu conteúdo e às obrigações sinalagmáticas e futuras que dele constam nunca poderia ser exigido o pagamento das contrapartidas futuras de uma das partes, que implicavam a existência de uma contraprestação, sob pena de ultrapassar o que constava meramente do título executivo O contrato firmado, embora contenha obrigações (reciprocas) não contém em si mesmo a obrigação de pagar quantia certa ou...

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