Acórdão nº 25/13.6TAVNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 24 de Setembro de 2018

Magistrado ResponsávelAUSENDA GON
Data da Resolução24 de Setembro de 2018
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I- Relatório No âmbito do supra identificado processo, a correr termos pelo Juízo Local Criminal de Vila Nova de Famalicão, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, os arguidos Alberto e Jorge, foram submetidos a julgamento e, proferida decisão a 21/03/2018 e depositada na mesma data, foram os mesmos condenados, como autores materiais de um crime de falsificação de documento p. e p. pelo art. 256º, n.º 1, d), em conjugação com o disposto no art. 255º, a), do Código Penal, nas penas de 200 (duzentos) dias de multa à taxa diária de € 7,50 (sete euros e cinquenta cêntimos) e € 8,50 (oito euros e cinquenta cêntimos), respectivamente e, ainda, a pagar solidariamente à demandante cível X - BS, Ldª, a quantia de € 30.000 (trinta mil euros), a título de danos patrimoniais, acrescidos de juros de mora legais, contados desde a notificação até integral pagamento), para ressarcimento dos danos patrimoniais pela mesma sofridos.

Inconformados, os arguidos interpuseram recurso, pugnando pela sua absolvição, rematando a motivação com as seguintes conclusões (sic): «O douto Tribunal “a quo” embora refira que tomou em consideração toda a prova trazida aos autos, quer a testemunhal, quer a documental, o que é certo é que se alheou totalmente á vastíssima prova documental existente nos autos a qual, se tivesse sido atendida, teria tido como consequência, a absolvição dos arguidos do crime de que vêm acusados 2- Refere ainda o douto tribunal que “ a prova produzida deve ser analisada atenta a segurança oferecida por cada elemento probatório…. E bem assim ponderada de acordo com o seu confronto com os demais elementos de prova constantes nos autos…por forma a que o resultado final não produza uma decisão injusta, insuficientemente segura…ou incoerente com a realidade e o normal acontecer dos factos”.

3- Porém, atendendo á decisão que acabou por ser proferida nos autos, se verifica que, apenas tomou em consideração os depoimentos testemunhais produzidos em audiência, e desses, apenas dois, que são os prestados pela dona da empresa X, única interessada no desfecho deste processo e o da sua cunhada, para alicerçar a sua decisão.

4- Estas testemunhas além de prestarem depoimentos contrários a tudo o que anteriormente a empresa tinha trazido a Tribunal, demonstraram claramente um enorme interesse na causa, resultante da necessidade de tentarem receber de terceiros os montantes que não conseguiram dos devedores.

5- Contrariamente ao por si vertido na motivação de facto, o douto Tribunal “a quo” fez “tábua raza” da imensa prova documental que aí se encontrava.

6- Atenta a manifesta falta de provas e as dúvidas que se levantaram, devia o douto Tribunal ter recorrido ao princípio “In dúbio pro reo” e absolvido os arguidos dos crime de que vinham acusados.

7- Impondo-se assim que seja revogada a douta sentença e, considerar-se não provados os nºs 7, 8, 9, 11, 13, 14, 15, 16, 18, 20 21, 22 e 23 dos factos provados.

8- Ocorreu nulidade da sentença, por violação do princípio in dúbio pro réo, devendo por isso, substituir-se a douta decisão proferida por outra, que absolva os arguidos do crime em que foram condenados.

9- Apesar de referir o douto Tribunal “a quo” que a indemnização de perdas e danos emergentes de crime, se afere em função do disposto na Lei Civil, no regime previsto no artº 483 do Código Civil e que é “conditio sine qua non” da responsabilidade civil, a verificação dos danos, isto é que o facto ilícito culposo tenha causado prejuízo a alguém, não decidiu em conformidade.

10- A exigência do nexo de causalidade adequada deve marcar presença numa fase preliminar do contrato propriamente dito, como geradora de prejuízos, nisto se traduzindo a responsabilidade pré-contratual e em momento algum tal sucedeu.

11- Nenhum nexo de causalidade ocorreu entre a ordem de cancelamento dos cheques e o prejuízo da demandante, pois esta já tinha suportado o prejuízo quando fez o fornecimento a terceiros.

12- Devem os arguidos ser absolvidos do pagamento do valor titulado pelos cheques, porque não foi o seu cancelamento que provocou o prejuízo mas sim um fornecimento anterior, a um terceiro, a que estes eram totalmente alheios.

13- A partir do momento que foi acordado o pagamento da totalidade da dívida com uma letra, a demandante deixou de ser legítima portadora dos cheques, pois ocorreu novação da dívida, pois foi celebrada nova convenção pela qual as partes extinguiram a obrigação, mediante a criação de uma nova obrigação no seu lugar.

14- A novação da dívida foi confessada no requerimento executivo, nas declarações das testemunhas de acusação e foi considerada provada em nºs 26 e 27 dos factos provados.

15- Os arguidos invocaram essa circunstância em sede de contestação mas apesar de se considerarem provados os factos, em vez de ser daí extraída uma consequência jurídica, vem emanada uma injustificável justificação, pois o douto tribunal “a quo” entendeu que a letra não tinha validade só porque não foi descontada pelo banco.

16- Ao condenar os arguidos nos termos em que o fez, incorreu o douto tribunal “a quo” em erro de julgamento, pelo que deve ser proferida nova decisão que absolva os arguidos do pagamento de qualquer quantia á demandante, por os cheques não representarem qualquer assumpção de dívida, nem a demandante ser legítima portadora dos mesmos.

17- Ocorreu caso julgado porque o montante que os cheques titulavam enquanto ordem de pagamento, já tinham sido sujeitos a decisão anterior e, como tal, não podiam servir novamente de base a outra decisão.

18- A obrigação de pagamento do montante titulado nos cheques era da empresa, o prejuízo que alegadamente os referidos cheques representavam remetia-se apenas e só á empresa.

19- Não podem os arguidos vir agora responder pelos montantes apostos nos referidos cheques, porque nenhuma obrigação assumiram pessoalmente.

20- O douto tribunal condenou os arguidos numa indemnização sem justificar em que medida é que a conduta dos arguidos, com a prática do crime de falsificação de documento, provocaram tal montante de prejuízo.

21- Não tendo sido peticionado qualquer montante pelo cometimento do crime, além do resultante dos montantes mencionados nos cheques, já sujeito a caso julgado, nem tendo sido justificado o prejuízo, nunca os arguidos podiam ter sido condenados no pagamento do que quer que fosse, pelo que devem ser absolvidos do pagamento do que quer que seja.

Termos em que revogando a douta sentença substituindo-a por outra que absolva os arguidos quer do crime de que vinham acusados quer do pedido de indemnização e custas em que foram condenados, farão Vossas Excelências a habitual Justiça.».

O recurso foi admitido nos termos do despacho proferido a fls. 906.

A assistente apresentou resposta à motivação, pugnando pela rejeição do recurso, dizendo que os recorrentes não cumpriram o ónus de especificação que a lei impõe, limitando-se a fazer a sua própria apreciação dos meios de prova, pretendendo que prevaleça as suas declarações em detrimento dos demais elementos probatórios produzidos. Também asseverou que se deve manter a condenação dos arguidos na parte cível pela verificação do nexo causal entre a sua conduta e os prejuízos que da mesma resultaram, não se verificando ainda, qualquer excepção que obste ao seu conhecimento.

O Ministério Público, junto da 1ª Instância, sustentou que a matéria de facto foi fixada correctamente e de acordo com a prova produzida em audiência de julgamento, como base nos depoimentos que nela foram produzidos e nos elementos documentais juntos aos autos. Também defende que não ocorreu a violação do princípio in dubio pro reo, devendo, pois, manter-se a decisão recorrida.

Neste Tribunal, a Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, sustentando, em suma, que, limitando-se o arguido, infundadamente, a impugnar a matéria de facto, apenas questionando a livre convicção do julgador, deverá a mesma manter-se intocada, pois, nada justifica a sua modificação, tanto mais que inexistem provas que imponham decisão diversa da adoptada, mantendo-se, consequentemente, a decisão.

Foi cumprido o art. 417º, n.º 2, do CPP.

Efectuado exame preliminar e, colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, nos termos do art. 419º, nº. 3, al. c), do CPP.

*II- Fundamentação Na medida em que o âmbito dos recursos se delimita pelas respectivas conclusões (art. 412º, nº. 1, do CPP), sem prejuízo das questões que importe conhecer oficiosamente, por obstarem à apreciação do seu mérito, no recurso suscitam-se as questões de saber se: 1) na decisão de 1ª instância, por deficiente apreciação da prova produzida, foram incorrectamente julgados os factos inseridos nos pontos 7, 8, 9, 11, 13, 14, 15, 16, 18, 20 21, 22 e 23 da matéria assente, por violação do principio in dubio pro reo; 2) os arguidos devem ser absolvidos do pedido de indemnização cível porque: 2.1) verifica-se a excepção do caso julgado; 2.2) inexiste nexo de causalidade entre a sua conduta e o prejuízo verificado; 2.3) existiu a novação da dívida.

Importa apreciar tais questões e decidir. Para tanto, deve considerar-se como pertinentes ao conhecimento do objecto do recurso os factos considerados provados e não provados na decisão recorrida e respectiva motivação (transcrição): Matéria de facto provada: «1. A sociedade “RS - Gabinete de Engenharia Civil, Ldª.” com sede na Av. de (…), Vila Nova de Famalicão, é uma sociedade por quotas, que tem por objecto a exploração de gabinete de engenharia e arquitectura compreendendo nomeadamente projectos, orçamentos, direcção, acompanhamento e fiscalização de obras de construção civil; actividades de consultoria nestas áreas, bem como consultoria para os negócios e a gestão.

  1. A gestão da sociedade “RS - Gabinete de Engenharia Civil, Ldª.” esteve, desde a sua constituição em 2007 até ao ano de 2009, conjuntamente a cargo do arguido...

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