Acórdão nº 1597/17.1T8PDL.L1-6 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 24 de Janeiro de 2019

Magistrado ResponsávelCRISTINA NEVES
Data da Resolução24 de Janeiro de 2019
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os Juízes na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: RELATÓRIO A e marido B , interpuseram contra os 1ª RR.

C e marido D , e E, casada no regime de separação de bens com Vasco … e o 2º R.

F acção declarativa, peticionando a condenação destes RR., a reconhecerem o direito de preferência dos AA. na aquisição do prédio rústico com a área de 7.580m2, sito na Ribeira Seca, Santa Cruz, Lagoa, inscrito na matriz predial com o artigo 17, secção U e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagoa sob o n.º …, com o sequente cancelamento do registo de transmissão a favor do 2.º R. e de quaisquer outros registos subsequentes, e respectiva entrega aos AA.

Como fundamento do seu pedido, alegam que, em 3 de Dezembro de 2015, os 1.ºs RR. venderam ao 2.º R.

F, o prédio rústico supra identificado, o qual confina a ponte com o prédio rústico de que os AA. são proprietários [prédio rústico com a área de 7.320 m2, sito na Ribeira Seca, Santa Cruz, Lagoa, inscrito na matriz predial com o artigo 57.º, secção U, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagoa sob o n.º …..], e da qual tiveram conhecimento em Abril de 2017.

Mais alegam que a A. mulher, em Julho de 2016, foi abordada por duas colaboradoras da empresa de mediação imobiliária (ERA – Ponta Delgada) que mediou tal negócio, tendo assinado uma declaração da qual consta que não estava interessada em exercer o direito de preferência na venda de tal prédio e que o mesmo seria vendido com um outro prédio pelo valor global de €42.500,00.

Por último invocam que só após terem tirado certidão da escritura de compra e venda é que tomaram conhecimento da identificação do comprador, do valor do prédio vendido confinante, da data do pagamento, o que foi omitido aquando da assinatura da declaração por parte da A. mulher.

* Citados os RR. vieram estes contestar, alegando que a comunicação da venda teve lugar apenas após a transmissão do prédio confinante, por lapso imputável à agência de mediação imobiliária, mas que tal lapso é irrelevante pois que os AA. sabem, desde o dia 20 de Julho de 2016, da realização do referido negócio de compra e venda dos dois prédios rústicos, um dos quais confinante com o prédio de que são donos e legítimos proprietários, tendo caducado o direito de preferência.

Mais alegam que de todo o modo, aquando da interposição da acção já haviam renunciado a este direito e que o exercício de tal direito configura um abuso de direito.

Por último, invocam que a existir a preferência, a mesma terá que ser exercida por referência ao negócio efectuado e indiviso e não por referência singela ao negócio do prédio confinante, não tendo depositado a totalidade do preço respeitante ao negócio global, nem o preço acrescido das despesas.

* Após procedeu-se a julgamento, findo o qual, foi proferida a seguinte “V – DECISÃO Em face do exposto, e atentas as disposições legais supra citadas, julgo a presente acção totalmente procedente por provada e, em consequência, reconheço o direito de preferência dos AA.

A e marido B que declaro donos do prédio identificado em 1.b) [prédio rústico com a área 7.580 m2 de terra lavradia, sito em Ribeira Seca, na freguesia de Santa Cruz, concelho de Lagoa, Açores, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagoa sob o número 1978 da referida freguesia, encontrando-se inscrito na matriz cadastral com o artigo 17 da secção “U”], substituindo o 2.º R. comprador F no contrato de compra e venda in casu, condenando os RR.

a abrirem mão do mencionado prédio e a entregá-lo aos AA. livre e devoluto, e ordeno o cancelamento de qualquer inscrição registral efectuada com base na escritura de compra e venda referida a favor do 2.º R.

* Valor da acção: €23.531,30 (vinte e três mil quinhentos e trinta e um euros e trinta cêntimos), nos termos do artigo 306.º, n.º 2 do C.P.Civil.

Custas pelos RR. (cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do C.P.Civil).

Registe e notifique.” * Não conformados com esta decisão, impetraram os 1ª RR. recurso da mesma, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem: “V.

Conclusões A. O presente recurso é interposto da Sentença proferida em 13.06.2018, a qual julgou a acção procedente. Ora, salvo o devido respeito, os aqui Recorrentes (Réus proprietários do imóvel transmitido) não se podem conformar com tal entendimento, sendo que, e essa é a sua forte convicção, da prova produzida em julgamento, da prova documental constante dos autos, B. Pois forçoso é concluir-se que a presente acção sempre estaria votada ao insucesso, ao contrário do decidido: seja (i) porquanto não foi depositada a totalidade do preço devido, seja (ii) porque ocorreu a caducidade do direito, seja até (iii) porque houve declaração de renúncia abdicativa daquele direito por banda dos Autores, seja ainda (iv) porque, mesmo a não se entender assim, sempre haveria que concluir do abuso do direito in casu.

  1. A decisão ora recorrida é nula, porquanto o Tribunal não apreciou questões que devia ter apreciado, questões estas directamente conexas com o objecto dos autos e a sorte do litígio.

  2. Com efeito, os aqui Recorrentes, na sua Contestação (cfr. artigos 36.º a 44.º) suscitaram a questão relativa à inexistência do direito de preferir, tal como delimitado na presente acção pelos Autores, E. Dado que a presente acção foi arquitectada, quanto à sua causa de pedir e pedido, por referência singela a um dos prédios objecto da transmissão sujeita a preferência, e consequentemente também apenas foi pago/depositado o preço relativo a um dos imóveis.

  3. Sucede que o negócio aqui em causa se consubstanciou na compra e venda simultânea e conjunta de dois prédios rústicos, sendo que tal negócio (tal como se provou nos autos, e voltar-se-á a tal questão) apenas foi realizado nesses mesmos pressupostos: ou seja, compra e venda de dois prédios rústicos, nunca tendo sido admitida a possibilidade da sua venda/alienação fraccionada e/ou separada.

  4. Por essa mesma razão os Réus proprietários suscitaram a questão da inexistência deste direito de preferir, por reporte a apenas um dos prédios, pois que o objecto do negócio em causa, e como tal, sujeito à preferência, consistia antes na compra e venda de dois prédios rústicos.

  5. Como corolário de tal asserção factual, nunca os Autores poderiam intentar uma acção de preferência dirigida (apenas) a uma parte, segmento ou parcela do negócio efectivamente celebrado, ou seja, como se se tratasse de uma compra e venda de um imóvel rústico, quando o negócio consistiu outrossim na compra e venda agregada de dois prédios rústicos.

    I. Sucede que relativamente a tal questão, o Tribunal não se pronunciou, não tendo emitido qualquer juízo, designadamente se era lícito aos Autores intentar uma acção de preferência por referência a parte do negócio, ou se antes apenas podiam ter preferido por confronto e em relação ao concreto negócio realizado/concluído, o qual incluía, inseparavelmente, a compra e venda dos dois prédios rústicos.

  6. Simplesmente o Tribunal nada disse sobre tal questão, ficando as partes privadas de qual foi (se existiu) a sua pronúncia e o seu entendimento sobre o conteúdo, alcance e limites do direito de preferir, no caso, como dos autos, de um negócio complexo e global, e não unitário; mormente, se a preferência se dirige apenas a parte do negócio, ou se antes, se deve reportar ao exacto negócio concluído, e consequentemente, em que termos, fundamentando o raciocínio trilhado, se apoiou ou repeliu uma ou outra tese, assim incorrendo na violação do artigo 615.º. n.º 1, alínea d), primeira parte, do CPC.

  7. No entendimento dos aqui Recorrentes, quanto a outra concreta questão, a sentença é igualmente nula, e neste caso por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), parte final, do CPC, nulidade que aqui se invoca para os devidos efeitos.

    L. Com efeito, e por força do magno princípio do dispositivo que estrutura todo o processo civil (cfr. artigo 5.º n.º 1, do CPC), o Tribunal está sujeito aos factos principais alegados pelas partes, não podendo, em circunstância alguma, inferir factos que não foram alegados, ou discretear sobre factos que as partes não trouxeram à lide.

  8. I.e., em síntese, não se pode substituir às partes no que respeita à indagação sobre factos não previamente suscitados e postos à sua directa consideração e cognição.

  9. Note-se que nos pontos 5 e 6 da matéria assente, o Tribunal considerou que os Autores assinaram e/ou confirmaram verbalmente, a declaração textualmente ali reproduzida, em 20.07.2016, “declarando que não pretendia, igualmente, exercer o direito de preferência sobre o negócio que versa a declaração subscrita pela A. mulher”.

  10. Sucede que em momento algum dos articulados, os Autores suscitaram que assinaram ou confirmaram verbalmente não pretender exercer o direito de preferência, movidos ou induzidos por algum vício ou erro sobre a sua vontade… E que portanto, a vontade que declararam em 20.07.2016 estaria viciada, designadamente por força de algum erro induzido pela parte contrária.

  11. Certo é que o Tribunal, à margem de tal questão nunca ter sido levantada, nem tal facto (erro sobre a vontade declarada) ter sido, alguma vez, suscitado nos autos, veio a pronunciar-se socorrendo-se de tal raciocínio, mas sem suporte factual que o habilitasse a tanto – Diz-se a este propósito na sentença: “Ora, e aqui chegados, cumpre referir, ainda, que a “declaração abdicativa” dos AA. – que não versou (diga-se) sobre o CONCRETO âmbito do negócio – está ferida de um erro que atinge os motivos determinantes da vontade (artigo 252.º do CC), isto é, a declaração resulta de uma errónea representação da realidade induzida (dolosa ou negligentemente, agora não importa) pelos núncios do projecto de venda, da qual faltou (como já abordado supra) a comunicação dos seus essentialia negotii, acrescendo a não desprezível circunstância do negócio já estar concretizado desde 3 de Dezembro de 2015 (!), não se vendo...

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