Acórdão nº 24/17.9GCLMG.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 28 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelAB
Data da Resolução28 de Novembro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam – em conferência – na 4.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Coimbra: TÍTULO I – RELATÓRIO 1 – Recorreu o MINISTÉRIO PÚBLICO – pela peça junta a fls. 973-980v.º (nesta sede tida por reproduzida)[1] – da vertente deliberativa (de Tribunal Colectivo) documentada no acórdão ínsito a fls. 934-952v.º, por cujo conteúdo se resolveu desqualificar o assacado[2] comportamento ilícito-criminal do sujeito-arguido A.

ofensor, em 14/03/2017, mediante a utilização duma chave inglesa (de 30-40 cm de comprimento), da integridade física do cidadão (assistente/demandante) B.

, subsumi-lo ao tipo-de-ilícito criminal simples p. e p. pelo art.º 143.º/1 do Código Penal, por contraponto à respeitante qualificação operada na acusação – pretensa/virtualmente prevenida sob a normação do art.º 145.º/1/a)/2 do mesmo compêndio legal –, e puni-lo com pena concreta de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão, pugnando (o M.º P.º) pela respectiva revogação e pela decorrente condenação do id.º arguido, pelo correspondente crime qualificado de ofensa à integridade física, p. e p. pela dimensão normativa integrada pela conjugada interpretação dos arts. 143.º/1 e 145.º/1/a)/2 do Código Penal, a reacção penal de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, e pelo consequente aumento da cominada pena conjunta/unitária de 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses de prisão – resultante de operado cúmulo jurídico entre tal pena de 1 ano e 9 meses de prisão com outras cinco ainda no mesmo aresto impostas ao dito sujeito-arguido, a título punitivo de ajuizados crimes: um de violência doméstica sobre a pessoa de sua progenitora, C., [p. e p. pelo art.º 152.º/1/d)/2 do Código Penal]; um de ofensa à integridade física, simples, do mesmo cidadão B., em 12/03/2017, (p. e p. pelo art.º 143.º/1 do Código Penal); dois de ofensa à integridade física, qualificada, tentada, em 16/03/2017, de dois elementos policiais [cabos da Guarda Nacional Republicana (GNR)], [p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 22.º/2/b), 23.º, 143.º/1, 145.º/1/a)/2 e 132.º/2/l, do Código Penal], e um de injúria agravada, em 16/03/2017, de um elemento policial [cabo da GNR], (p. e p. pelos arts. 181.º/1 e 184.º do Código Penal), respectivamente sancionados com penas concretas de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, 8 (oito) meses de prisão, 8 (oito) meses de prisão, 8 (oito) meses de prisão e 2 (dois) meses de prisão –, para valor coincidente ou aproximado a 6 (seis) anos de prisão, em função do razoamento cuja síntese reuniu no seguinte[3] quadro-conclusivo da respectiva motivação: «[…] 1. Quanto aos factos ocorridos no dia 14.03.2017 e visando o assistente B., o Tribunal recorrido alterou a qualificação jurídica dos factos imputados ao arguido, condenando-o por um crime de ofensas à integridade física simples na pena de um ano e nove meses de prisão, e afastando a qualificativa da utilização de um meio particularmente perigoso previsto e punido pelo(s) artigo(s) 145º, nº 1 a) e nº 2 e 132º, nº 2 al. h) do Código Penal.

  1. Contudo, a factualidade dada como provada pelo Tribunal colectivo (nessa parte pontos 16 a 22 e 33, 34 e 38) integra o crime de ofensas à integridade física qualificadas, na forma consumada, e não ao crime de ofensas à integridade física simples por que o arguido veio a ser condenado em primeira instância.

  2. O arguido praticado estes factos dados como provados mediante a utilização de uma chave inglesa de 30/40 centímetros visando e atingindo a cabeça do assistente por diversas vezes (pelo menos três).

  3. No caso concreto uma chave inglesa é passível se se subsumir ao conceito de “meio particularmente perigoso” e, por essa via, de qualificar a conduta do agente.

  4. A verificação deste exemplo padrão deve aferir-se em face do resultado típico concretamente visado com a conduta do agente: um objecto pode ser considerado meio particularmente perigoso para o cometimento de umas ofensas à integridade física e já não ser para o cometimento de um homicídio, mormente por ser o meio adequado à prossecução de tal objectivo.

  5. Face à conduta típica prosseguida pelo agente – o meio empregue não era o “normal” para conseguir concretizar tal finalidade sendo, ao invés um “meio que acarreta dificuldades acrescidas para a defesa da vítima e que, além disso, constitui perigo para outros bens jurídicos pessoais”.

  6. No caso concreto, o uso de uma chave inglesa com 30 a 40 centímetros de comprimento não é apenas o meio adequado para provocar uma ofensa no corpo e saúde do assistente mas sim um meio desproporcionado a tal objectivo tendo inerente a si próprio – pela sua configuração, tamanho, composição (metálica) – uma danosidade superior a um mero objecto com o qual se agride outra pessoa 8. Por outro lado, porque o meio empregue – uma chave inglesa com 30/40 centímetros de comprimento – visando a cabeça do ofendido, por várias vezes (pelo menos três) deixa a vitima/o ofendido numa situação de quase completa impossibilidade de se defender.

  7. O que sucedeu nos autos: o arguido atinge o assistente na cabeça com a chave inglesa por várias vezes – pelo menos três – e só uma das vezes é que o ofendido consegue colocar o braço em frente e evitar ser atingido na cabeça, mas sendo atingido no braço… A agressão com tal objecto é de tal forma que o ofendido perde os sentidos e cai inanimado no chão… 10. O objecto utilizado foi algo (que, pela sua configuração, tamanho e forma com foi usado) que deixou o assistente completamente desprotegido e incapaz de se defender sendo um meio particularmente perigoso, face à enorme supremacia que confere e da sua exponencial perigosidade, o que dificulta a defesa da vítima.

  8. As circunstâncias do caso concreto depõem, inequivocamente, no sentido de que a qualificativa existe: tal objecto foi utilizado de forma inesperada quando o assistente estava em sua casa … foi utilizado logo aí por – pelo menos – três vezes… visou a cabeça do assistente e atingiu-a pelo menos três vezes… no exterior visou novamente a cabeça com tal objecto só não logrando atingir o assistente porque, desta vez, este logrou colocar o braço à frente sendo aí atingido (e não na cabeça…)… em consequência destes três golpes na cabeça, o assistente desmaia e fica inanimado no chão… e, assim caído e inanimado, o arguido desfere um pontapé na face do assistente… apenas parando por força da intervenção de terceiros… 12. Tal quadro é demonstrativo da especial perversidade e censurabilidade do agente e o objecto utilizado pelas suas características, além de dificultar de modo exponencial a defesa da vítima, revela uma perigosidade muito superior ao normal, marcadamente diverso e excepcional em relação aos meios ou instrumentos mais comuns de agressão, com aptidão para provocar danos físicos e já de si perigosos ou muito perigosos 13. Está pois preenchida, da nossa perspectiva, a qualificativa prevista na alínea h) do nº 2 do artigo 132º, sendo a factualidade dada como provada no acórdão recorrido subsumível ao crime de ofensas à integridade física qualificadas previsto e punido pelo(s) artigo(s) no artigo 145º, nº 1 a) e nº 2 do Código Penal.

  9. Tal crime é punível com pena de prisão até 4 anos no caso do artigo 143º do Código Penal, pelo que, considerando a demais factualidade provada no acórdão recorrido, a elevada ilicitude da conduta do arguido e do dolo, o número de agressões perpetradas com este objecto (pelo menos quatro pancadas), a zona do corpo visada e atingida (cabeça) e as lesões causadas, a pena de 2 anos e 6 meses de prisão.

  10. E a aplicação de uma pena única no concurso de crimes não inferior a seis anos de prisão ou situada em medida muito próxima a esta.

  11. A decisão recorrida violou o disposto no artigo 145º, nº 1 a) e nº 2 e artigo 132º, nº 2 al. h) do Código Penal.

Deve pois, na procedência do presente recurso, revogar-se nesta parte o acórdão recorrido e manter a qualificação jurídica da acusação, condenando o arguido nos termos sobreditos.

[…]» 2 – Realizados os pertinentes actos/formalidades legais, e mantendo-se a regularidade da instância, nada obsta à legal prossecução processual.

TÍTULO II – FUNDAMENTAÇÃO CAPÍTULO I – Contextualização – 1 – Demandando-se desta Relação a verificação da suscitada ilicitude da questionada vertente deliberativa, importa reter a essencialidade do contextual acervo fáctico tido por adquirido pelo colégio julgador, firmado no respectivo quadro do mencionado acórdão[4], e em que, máxime, virtualmente entronca a sindicada desqualificação criminal da agressão pelo id.º arguido A. a B. no dia 14/03/2017, bem como da justificação da respectiva pertinência[5]: § 1.º – Factualidade – «[…] 1. O arguido A. é filho de C., vivendo consigo na habitação sita na (…); 2. A. padece de um quadro depressivo há pelo menos 8/9 anos; 3. O id.º arguido diz-lhe constantemente que a mata; 4. No dia 11 de Março de 2017, pelas 23 horas e 15 minutos, no interior da referida residência, o dito sujeito-arguido começou a implicar consigo (mãe), dizendo-lhe que o queria pôr na rua e fechar-lhe a porta; 5. Após, inesperadamente, munido de uma chave inglesa, desferiu com ela pancadas nos vidros das portas da cozinha e sala, de acesso às varandas, partindo-os; 6. Mais desferiu um empurrão no peito da mãe, C., fazendo com que embatesse com o tronco na porta de entrada da...

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