Acórdão nº 272/17.1JACBR-O.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 14 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelVASQUES OS
Data da Resolução14 de Novembro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra I. RELATÓRIO No inquérito nº 272/17.1JACBR, que corre termos na Procuradoria da República da Comarca de Leiria – Departamento de Investigação e Acção Penal de Leiria – 1ª Secção, a Liga dos Bombeiros Portugueses, pessoa colectiva de utilidade pública, requereu a sua admissão nos autos como assistente.

A Digna Magistrada do Ministério Público promoveu o indeferimento da requerida constituição de assistente.

Em 19 de Março de 2018 [fls. 68 dos presentes autos de recurso em separado], o Mmo. Juiz de instrução proferiu o seguinte despacho: Indefere-se a requerida constituição como assistente.

Na verdade, a Liga dos Bombeiros Portugueses não é titular dos interesses pessoais e patrimoniais em causa, nem existe norma habilitante a tal (art. 68º, nº 1 do C.P.P.).

Notifique.

* Inconformada com a decisão, recorreu a Liga dos Bombeiros Portugueses, formulando no termo da contramotivação as seguintes conclusões: B1 – Veio requerer a Liga dos Bombeiros Portugueses a sua constituição como assistente nestes autos, estribando-se, essencialmente, naquele que é o seu objeto.

B2 – Cabe recordar que a Liga dos Bombeiros Portugueses (breviter LBP) é a Confederação das Associações e Corpos de Bombeiros de qualquer natureza, voluntários ou profissionais, que, estando legalmente constituídos e em efetiva atividade, obedeçam aos requisitos da lei geral e dos Estatutos da Liga dos Bombeiros Portugueses e se proponham realizar os fins neles preconizados.

B3 – A LBP é instituição dotada utilidade pública, fundada em 1930, e diversamente agraciada, em vários momentos do sua história, já vasta, pelo serviço prestado à Comunidade, sendo, pelo sua pertinência, de relevar a Comenda da Ordem de Benemerência (1935), o título de Membro Honorário do Ordem Militar de Cristo (1980), o título de Membro Honorário do Ordem do Liberdade (2008), e o Prémio Direitos Humanos 2008, atribuído à Confederação em representação de todos os Bombeiros Voluntários Portugueses.

B4 – A LBP é, conforme se deixou antevisto, pessoa coletiva de utilidade pública, significando que nos termos do artigo 1º, nº 1 do Lei nº 460/77, de 7 de Novembro, "são pessoas coletivas de utilidade pública as associações ou fundações que prossigam fins de interesse geral, ou da comunidade nacional ou de qualquer região ou circunscrição, cooperando com o Administração Central ou a administração local, em termos de merecerem do parte desta administração o declaração de «utilidade pública»: - realces do signatário.

B5 – A LBP rege-se pela lei e pelos respetivos estatutos dos quais ressalta, para o que importa, ser esta um "instrumento de cooperação, consulta e representação dos seus associados, nas relações com os Órgãos de Soberania, com o administração central, regional e local e o sociedade civil em geral" – cf. artigo 3º, nº 1 dos respetivos estatutos.

B6 – Cabe-lhe também participar na definição das políticas nacionais nos áreas da proteção e socorro às populações, nomeadamente em iniciativas cívicas e legislativas respeitantes ao sector de Bombeiros e Proteção Civil – cf. o disposto no alínea c) do nº 2 do artigo 3º do referido normativo; B7 – E ainda, propor ao Governo e demais Órgãos de Soberania a adoção de medidas legislativas ou executivas que se considerem indispensáveis ao desenvolvimento e consolidação dos serviços de proteção e socorro e dos suas estruturas de suporte – cf. a alínea g) do mesmo preceito.

Mas mais ainda, B8 – No âmbito dos suas atribuições, compete à LBP, designadamente: "participar nas áreas da proteção e socorro às populações, no âmbito da defesa das suas vidas e haveres": "pronunciar-se sobre projetos de natureza legislativa e normativa que versem questões relacionados com a atividade dos seus associados, bem como propor, a quem de direito, medidas sobre as mesmas matérias"; e ainda, "prestar apoio jurídico, administrativo e técnico aos seus associados, bem como prestar todas as informações relativas às matérias do sua competência e atribuição" – cf. o artigo 4.º dos estatutos do LBP.

B9 – Não perdendo de vista que a LBP é pessoa coletiva de utilidade pública, prosseguindo fins de interesse geral e conjugando tal premissa com os fins e interesses acabados de transcrever – que são aqueles pelos quais se rege esta LSP, resulta sobeja a respetiva legitimidade para intervir nos autos na qualidade de assistente.

B10 – Não pode perder-se de vista que os presentes autos se encontram, à presente data, em segredo de justiça.

B11 – Não pode, porém, olvidar-se que a Procuradoria Geral desta Comarca emitiu, recentemente, comunicado no sentido de que em causa poderá estar a existência de indícios da prática de crime de homicídio negligente e de ofensas à integridade física, também negligente.

B12 – Certo é que a finalidade destes autos é, sem apelo nem agravo, apurar responsabilidades criminais – se as houve e, em caso afirmativo, quem as protagonizou – pelos infelizes acontecimentos do ido dia 17 de Junho.

B13 – O assistente, nas suas vestes de sujeito processual, é, na definição propugnada pelo artigo 69.º, Código de Processo Penal, um colaborador do Ministério Público, embora não se lhe encontre subordinado porquanto, como se sabe, é detentor das suas próprias atribuições.

B13 – É certo que o assistente surgiu estreitamente relacionado com a figura do ofendido – a verdadeira inovação do Direito Processual Penal Português, nas palavras de Figueiredo Dias.

Porém, B14 – O certo é que hoje, como outrora, o estatuto processual do assistente não pode espartilhar-se na figura do ofendido e assim o inculca a evolução legislativa que, hoje, admite, até, que "qualquer pessoa" se constitua assistente nos casos de crimes contra a paz e humanidade, bem como nos crimes de tráfico de influência, favorecimento pessoal praticado por funcionário, denegação de justiça, prevaricação, corrupção, peculato, participação económica em negócio, abuso de poder e de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção" – cf. a alínea e) do n° 1 do artigo 68.º, CPP, na sua redação introduzida em 2010. Resulta, assim, evidenciada uma clara abertura do legislador processual penal à participação de um leque mais amplo de assistentes.

B15 – Diga-se que a fase processual em que se encontram os autos apenas permitem intuir os factos ilícitos que poderão estar em questão que serão, a este tempo, sempre meramente indiciários podendo, é certo, surgir outros que inculquem tipificação diversa ou, de outra banda, que inculquem outra, acrescida, tipificação.

B16 – A legitimidade desta LBP é manifesta e evidente, não porque ofendida da aceção estrita – espartilhada, dir-se-á, da lei processual penal – mas, isso sim, mercê de duas particulares circunstâncias, quais sejam: B17 – A utilidade pública de que se encontra revestida, conjugada com os fins que teve o signatário, já, oportunidade de expor – o que, havendo de notar-se que, nos termos da cláusula geral ínsita no nº 1 do artigo 68.º, CP'P, segundo o qual podem constituir-se assistentes no processo penal as pessoas e entidades a quem a lei conferir esse direito – o que se assoma ser o caso. Isto de uma banda.

De...

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