Acórdão nº 521/18.9T8MTJ.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 27 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelARTUR VARGUES
Data da Resolução27 de Novembro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

I–RELATÓRIO: 1.– Nos autos de recurso de contra-ordenação que, com o nº 521/18.9T8MTJ, correm seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo Local Criminal do Montijo, foi proferida sentença, aos 18/09/2018, que julgou improcedente o recurso de impugnação judicial interposto pela arguida A.

da decisão da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária que lhe aplicou sanção de inibição de conduzir veículos a motor pelo período de 30 dias, pela prática de uma contra-ordenação prevista e sancionada pelos artigos 60º, nº 1 e 65º, alínea a), do Regulamento de Sinalização do Trânsito (aprovado pelo Decreto-Regulamentar nº 22-A/98, de 01/10) e artigos 138º e 146º, alínea o), do Código da Estrada.

  1. – A arguida não se conformou com essa decisão e dela interpôs recurso, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões (transcrição): 1)–Decorre do artº 188º do Código da Estrada que o procedimento por contra-ordenação rodoviária prescreve em dois anos.

    2)–Para além do regime de suspensão e interrupção da prescrição prevista no RGCO, a interrupção da prescrição ocorre também pela “notificação ao arguido da decisão condenatória – artº 118º, nº 2 C.E.

    3)–O facto em apreço ocorreu em 21 de Abril de 2016 (Factos Provados 1, 5 e 6) 4)–A decisão condenatória proferida pela Autoridade Administrativa foi notificada à arguida em 02 Agosto de 2016 (Facto Provado – 7) 5)–Nesta data interrompeu-se a prescrição, começando a correr novo prazo prescricional a 03 Agosto 2016.

    6)–Não ocorreu qualquer outro caso de suspensão ou interrupção da prescrição.

    7)–Ao contrário do que diz e pretende a sentença recorrida, a notificação à arguida do despacho de recebimento do recurso (21 de Maio de 2018) não determina a suspensão da prescrição nos termos do artº 27º-A, nº 1 – al. c) do Dec.- Lei nº 433/82 de 27 de Outubro.

    8)–A causa da suspensão de prescrição aí prevista é a da notificação do despacho que procede ao exame preliminar...

    9)–Do “Exame Preliminar”, ocupa-se o artº 417º do Cód. Proc. Penal definido, com rigor, o seu conteúdo.

    10)–É para nós evidente que o dito despacho que recebe o recurso, não constitui, nem se confunde com o “despacho do exame preliminar”... não constituindo, pois, a pretensa causa de suspensão da prescrição.

    11)–Verifica-se, assim, que o procedimento pela contra-ordenação dos autos prescreveu a 03 Agosto de 2018 12)– Pelo que, à data do julgamento – 11 de Setembro de 2018 – devia ter sido conhecida a expressamente invocada excepção de prescrição.

    13)–Ao assim não decidir a sentença recorrida violou as mencionadas disposições legais, designadamente – artºs 188º C.E., 119º e 121º, nº 2 Cód. Penal, 417º Cód. Proc. Penal, 28º, nº 1 – al. d) e 27º-A, nº 1 – al. c) do Dec.- Lei nº 433/82 de 27 de Outubro.

    14)–O Código da Estrada não dispõe de um preceito específico sobre o instituto da isenção da pena.

    15)–Devem, assim, aplicar-se subsidiariamente as disposições do RGCO (Dec.- Lei 433/82) e do Cód. Penal que regulam tal matéria – artºs 74º Código Penal, 32º do RGCO e 132º do Código da Estrada.

    16)–Tendo presente a matéria de facto provada – pontos 3, 6, 9 e 10, impõe-se concluir serem diminutas a culpa da arguida e ilicitude do acto (agiu negligentemente por momentânea distracção), a confissão associada ao arrependimento, a inexistência de “dano” – não originou qualquer acidente ou tão pouco situação de perigo para outros veículos ou pessoas – a que acresce nada constar no seu registo estradal, sendo condutora prudente e conscienciosa, deve “deitar-se mão" do regime previsto no artº 74º do Cód. Penal da Dispensa de Pena.

    17)–Ao, assim, não decidir a sentença em apreço violou as mencionadas disposições legais, nomeadamente, artºs 132º do Código da Estrada, 32º do RGCO, e 74º do Cód. Penal.

    18)–Por último, sem prescindir e para a hipótese de assim se não entender, sempre se dirá que se deveria suspender a execução da sanção acessória da inibição de conduzir.

    19)–Por todos os factos já expostos e ainda os que decorrem dos pontos 13, 14, 15 e 16 da matéria provada, há que concluir que a condução de veículos automóveis é um facto incontornável e indispensável, quer na gestão da sua vida pessoal e familiar, quer, sobretudo, no exercício da sua actividade profissional.

    20)–Aplicar à arguida a sanção acessória de inibição de conduzir é colocar em risco a manutenção do seu posto de trabalho e, consequentemente, da estabilidade económica do seu agregado familiar.

    21)–Tem a seu exclusivo cargo dois filhos menores.

    22)–Em todo o elencado contexto, impõe-se concluir que a simples censura do facto e a ameaça de inibição de conduzir realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da pena.

    23)–Aliás, as restrições dos direitos devem limitar-se ao estritamente necessário, devendo a restrição ser apta para o efeito – artº 18 C.R.P.

    24)–No caso, a aplicação da sanção de inibição de conduzir viola os direitos da arguida, constitucionalmente previstos nos artºs 18º, 47º e 58º da C.R.P.

    25)–Pelo que a interpretação do artº 141º, nº 1 do Código da Estrada, no sentido de não ser possível a suspensão da sanção acessória de inibição de conduzir no caso de contra-ordenação muito grave é inconstitucional por violação dos mesmos artºs 18º, 47º e 58º C.R.P.

    26)–Sendo inconstitucional a norma contida no artº 141 do Código da Estrada, deve operar-se a repristinação da norma revogada – artº 282º, nº 1 C.R.P.

    27)–Assim não decidindo a decisão ora em apreço violou estas mencionadas disposições legais.

    Nestes termos e pelo que doutamente será suprido por V. Exas, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida nos termos “ut supra” expostos.

  2. – O magistrado do Ministério Público junto da 1ª instância respondeu à motivação de recurso, pugnando pela manutenção da decisão revidenda.

  3. – Nesta Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta apôs o seu “Visto”.

  4. – Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

    Cumpre apreciar e decidir.

    II–FUNDAMENTAÇÃO.

  5. –Âmbito do Recurso Como é sabido, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no artigo 410º, nº 2, do CPP – neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição, Ed. Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª edição, Ed. Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/1999, CJ/STJ, 1999, tomo 2, pág. 196 e Ac. do Pleno do STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série A, de 28/12/1995.

    No que tange aos recursos de decisões relativas a processos por contra-ordenações e conforme resulta do estabelecido nos artigos 66º e 75º, nº 1, do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO), aprovado pelo Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, a 2ª instância funciona como tribunal de revista e como última instância, estando o poder de cognição deste tribunal limitado à matéria de direito, intervindo o Tribunal da Relação como tribunal de revista ampliada, sem prejuízo do conhecimento oficioso de qualquer dos vícios referidos no artigo 410º, do CPP, por força do consignado nos artigos 41º, nº 1 e 74º, nº 4, do RGCO, posto que as normas reguladoras do processo criminal constituem direito subsidiário do contra-ordenacional.

    No caso em apreço, atendendo às conclusões da motivação de recurso, as questões que se suscitam são as seguintes: Prescrição do procedimento contra-ordenacional.

    Verificação dos pressupostos da dispensa da sanção de inibição de conduzir.

    Verificação dos pressupostos da suspensão da execução da sanção de inibição de conduzir.

  6. –A Decisão Recorrida 2.1– É o seguinte o teor da decisão revidenda, na parte relevante (transcrição): I–Relatório Veio A. , portadora do C.C. …, divorciada, interpor recurso de impugnação da decisão administrativa proferida pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, que condenou a ora recorrente pela prática da contra-ordenação prevista e punida pela conjugação do disposto nos artigos 60.º n.º 1 e 65.º a) do Regulamento de Sinalização do Trânsito e 138.º e 146.º o) do Código da Estrada (doravante CE), na sanção acessória de inibição de conduzir, pelo período de 30 dias, tendo a recorrente já efectuado o pagamento voluntário da coima.

    Sintetizando, alega a recorrente que a presunção enunciada no art.º 170.º n.º 3 do CE faz recair sobre o arguido uma espécie de presunção de culpa, que permite ao julgador presumir que o visado praticou os factos descritos no auto de noticia, entendendo tal situação configurar a violação do principio da presunção da inocência enunciado no art.º 32 n.º 2 da Constituição República Portuguesa (CRP).

    Mais entende a recorrente padecer a decisão administrativa de deficiente descrição factual, subsunção jurídica e fundamentação, não permitindo assim o efectivo exercício à recorrente do seu direito de defesa, vicio gerador de nulidade.

    Argui também a recorrente que, apesar do Regime Geral das Contra-ordenações (RGCO) não prever a possibilidade de dispensa ou suspensão da execução das coimas e sanções acessórias, tal possibilidade resulta indirectamente da aplicação subsidiária das disposições do Código Penal, pelo que, sem prejuízo do anteriormente mencionado, requer que se proceda à atenuação especial da sanção acessória de inibição de conduzir ou, alternativamente, a execução de tal sanção seja suspensa.

    O Ministério Público, em obediência ao disposto no n.º 1 do art.º. 62.º do RGCO, ordenou a apresentação dos autos, acto com valor de acusação.

    Foi produzido despacho que recebeu o recurso de contra-ordenação, em resposta ao qual veio a recorrente não só manifestar o seu intento da realização da audiência de julgamento, bem como o entendimento de estar transcorrido o prazo de prescrição previsto no art.º 188.º do CE.

    Realizou-se o Julgamento com observância do formalismo legal.

    Cumpre...

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