Acórdão nº 233/17.3GATV.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 13 de Novembro de 2018

Magistrado ResponsávelCID GERALDO
Data da Resolução13 de Novembro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:

Acordam, em conferência, na Secção Criminal (5ª) do Tribunal da Relação de Lisboa.

Relatório: 1.– No processo comum nº 233/17.3GATV, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, Juízo Central Criminal de Loures - Juiz 6, o Ministério Público requereu o julgamento, em processo comum, com intervenção do Tribunal Coletivo, do arguido JMG , atualmente detido em prisão preventiva no Estabelecimento Prisional de Lisboa, imputando-lhe os factos constantes de fls. 510 a 524, que entendeu integrarem a prática, em autoria material e em concurso real, de: – um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, al. a) e n.ºs 2, 4 e 5 do Código Penal (ofendida EG); – um crime de introdução em lugar vedado ao público, p. e p. pelo artigo 191.º do Código Penal; – um crime de ameaça, p. e p. pelo artigo 153.º, n.º 1, do Código Penal (ofendido RG); – um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal (ofendido RG); – cinco crimes de ameaça agravada, p.s e p.s pelos artigos 153.º e 155.º, n.º 1, al. a), com ref.ª ao artigo 131.º, todos do Código Penal (ofendido RG); – cinco crimes de ameaça agravada, p.s e p.s pelos artigos 153.º e 155.º, n.º 1, al. a), com ref.ª ao artigo 131.º, todos do Código Penal (ofendida LC ); – cinco crimes de ameaça agravada, p.s e p.s pelos artigos 153.º e 155.º, n.º 1, al. a), com ref.ª ao artigo 131.º, todos do Código Penal (ofendido JC ).

* Findo o julgamento, foi proferido acórdão que, julgando parcialmente procedente e provada a acusação, decidiu: a)– ABSOLVER o arguido JMG da prática de: um crime de ameaça, de um crime de ofensa à integridade física e de catorze crimes de ameaça agravada, pelos quais vinha acusado.

b)– CONDENAR o arguido JMG pela prática, em autoria material, e em concurso efetivo, de: - Um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, b) e n.º 2 do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão; - Um crime de introdução em lugar vedado ao público, p. e p. pelos artigos 191.º do Código Penal, na pena de 40 (quarenta) dias de multa; - Um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. a), com ref.ª ao artigo 131.º, todos do Código Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa.

Em cúmulo jurídico das penas parcelares de multa, condenar o arguido numa pena única de multa de 140 (cento e quarenta) dias, à taxa diária de 7 (sete) euros, num total de 980 (novecentos e oitenta) euros.

c)– Proibir o contacto do arguido com a vítima, por qualquer meio, durante o período de quatro anos, devendo o cumprimento desta proibição ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância, ao abrigo do disposto nos n.ºs 4 e 5 do artigo 152.º do Código Penal.

* Não se conformando com a decisão, interpôs o arguido recurso, com os fundamentos constantes da motivação e com as seguintes conclusões: 1– O arguido foi condenado pela prática de um crime de violência doméstica na pena de três anos de prisão efetiva e na proibição de contacto com a vítima, por qualquer meio, durante o período de quatro anos, devendo o cumprimento desta proibição ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância, ao abrigo do disposto nos n.°s 4 e 5 do artigo 152.° do Código Penal.

Fundamentalmente discorda-se do julgamento da matéria de facto quanto ao crime de violência doméstica porquanto, com o devido respeito, entendemos que o Tribunal "a quo" desvalorizou duas questões que resultaram inequivocamente demonstradas na discussão da causa, e que necessáriamente deveriam ter levado a decisão diferente, são elas, a saber: a)- O contexto em que surgiram as desavenças do casal - rutura da vida conjugal e o contributo do cônjuge mulher na produção das mesmas.

Nessa medida, e conforme explicitado na motivação, consideram-se incorretamente julgados os factos dados como provados nos pontos 1.5;1.8; 1.9; 1.14 e 1.30, na medida em que conforme também explicitado na motivação, os testemunhos da ofendida, e das demais testemunhas identificadas, e nas passagens transcritas c/ou indicadas, impunham conclusão diferente da que foi retirada pelo tribunal "a quo".

b)- Considera-se também que o tribunal não deu como provados determinados factos que resultaram da discussão da causa, circunstanciais e logo decisivos para se entender o contexto em que se desenrolou a conduta do arguido, enucnciados nas alíneas a);b);c);d) e e) do ponto VIII da motivação, e com base nos depoimentos que também se transcreveram ou se indicaram.

2– Desses factos conjugados com a restante matéria de facto dado como provada resulta, por um lado, que o arguido durante vinte anos de casamento foi tido como um bom chefe de família, trabalhador, e que as desavenças conjugais só passaram a ocorrer quando o cônjuge aqui alegada vítima o confrontava com um possível adultério, sendo sempre a mesma que iniciava as discussões, e respondendo o arguido num contexto de confronto. Mais resulta evidenciado o carácter determinado da alegada vitima, não típico de uma vítima de violência doméstica, mormente quando a própria praticava actos de violência na presença dos empregados e familiares do arguido ( danos num veículo com um ferro) e este não reagia.

3– Discorda-se ainda da matéria de facto dada como provada, na medida em que pese embora a ofendida, os filhos e a sogra do arguido tenham dito ao tribunal que o mesmo, após a separação do casal, apresentava um estado depressivo, não correspondendo ao habitual durante mais de vinte anos, o que foi correborado por atestados médicos de psiquiatria juntos aos autos, o tribunal ignorou totalmente esse facto, mormente na determinação da medida da pena e na necessidade do tratamento médico adequado como alternativa a uma pena privativa da liberdade.

4– Discorda-se do julgamento da matéria de facto quanto ao crime de introdução em lugar vedado ao público, porquanto dos depoimentos em que o tribunal assentou a matéria de facto dada como provada, resulta de forma inequívoca que o arguido não invadiu qualquer propriedade privada; por essa razão se considera incorretamente julgada a matéria vertida no ponto 1.5 dos factos dados como provados, nomeadamente com base nos depoimentos da ofendida e de sua mãe, e nas passagens indicadas na motivação, únicas que depuseram sobre o tema, e que disseram ao tribunal de forma cristalina que o arguido nunca entrou na propriedade, contrariamente ao que foi dado como provado. Por conseguinte há desacerto jurídico na sentença ora posta em crise quando condena também o arguido pela prática desse crime, o que também motiva o presente recurso.

5– Discorda-se da decisão de direito quanto ao crime de violência doméstica por se entender não estarem verificados todos os elementos que integram este tipo de crime conforme demonstrado na motivação, e quando assim não se entenda, sempre se considera excessiva a medida aplicada quer no lapso de tempo — três anos, quer no facto de não ter sido suspensa na sua execução, porquanto se nos afigura que o Tribunal não atendeu a todas as circunstancias, que não fazendo parte do tipo, depuseram a favor do arguido, contrariamente ao que impõe o artigo 72° do C.Penal e que são por um lado o facto do arguido ser primário (única atenuante considerada pelo tribunal a quo), por outro o facto da alegada vitima ter confessado ser dela a iniciativa das discussões, não haver registos de agressões físicas, o tribunal ter-se apercebido, pelo depoimento da alegada vítima, dos filhos e da sogra do arguido, do estado anímico depressivo do arguido que o aconselhavam a tratamento psíquico ou psiquiátrico, a que o mesmo se submeteu, por ordem do tribunal, e foi interrompido pela circunstância da prisão preventiva, a alegada vítima inclusivamente ter informado o Tribunal pretender desistir da queixa. Ora tudo isto, sem prescindir, são circunstâncias que deveriam ter contribuído para a aplicação de uma pena próxima do mínimo e suspensa na sua execução, contrariamente ao que sucedeu, ademais quando a própria sentença ora posta em crise reconhece : "que nenhum dos atos, de per se, envolve uma gravidade intensa, por comparação a situações de violência doméstica de descomunal subjugação da vítima por parte do agressor,".

* A Digna Magistrada do Ministério Público apresentou a sua contra-motivação, com as seguintes conclusões: 1º– Não assiste no entender do Ministério Público, razão alguma ao arguido.

  1. – Desde logo, versando o recurso sobre matéria de facto, deve especificar-se os pontos de facto incorrectamente julgados, as provas que impõem decisão diversa e que provas que devem ser renovadas, com referência às respectivas gravações, tendo lugar a transcrição.

  2. – O que não sucede no recurso em apreço.

  3. – Enquadramento legal – Da aplicação do artigo 152º, nº 2 do Código Penal O arguido foi condenado (para além do mais) pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152º, nº 1, alínea a) e nº 2 do Código Penal.

  4. – O bem jurídico protegido por este tipo legal de crime é a saúde, entendida esta enquanto saúde física, psíquica e mental e, por conseguinte, podendo sair afectada por uma diversidade de comportamentos que impeçam ou dificultem o normal desenvolvimento de uma pessoa e/ou afectem a dignidade pessoal e individual do cônjuge. 6º– Segundo Taipa de Carvalho (Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, Coimbra Editora, pág. 132), a ratio do art. 152.º do CP não está “na protecção da comunidade familiar, conjugal, educacional ou laboral, mas sim na protecção da pessoa individual e da sua dignidade humana», indo muito mais além “dos maus tratos físicos, compreendendo os maus tratos psíquicos (p. ex., humilhações, provocações, ameaças, curtas privações de liberdade de movimentos, etc.), a sujeição a trabalhos desproporcionados à idade ou à saúde (física, psíquica ou mental) do subordinado, bem como a sujeição a actividades perigosas, desumanas ou proibidas», acrescentando que «o bem jurídico protegido por este...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT