Acórdão nº 2200/14.7TTLSB-4 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 24 de Outubro de 2018

Magistrado ResponsávelPAULA SANTOS
Data da Resolução24 de Outubro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.

I–Relatório: AAA, viúva do sinistrado BBB, instaurou a presente acção declarativa de condenação, com processo especial emergente de acidente de trabalho, contra: 1.º- CCC, S.A, 2.º- DDD, S.A, 3.º- EEE, S.A., pedindo que o sinistro a que se referem os autos seja considerado como acidente de trabalho, com o respectivo pagamento à Autora de pensão anual e vitalícia, subsídio por morte e despesas de funeral.

Alega, em síntese, que a Ré empregadora celebrou com as Rés seguradoras um contrato de seguro através do qual se encontrava transferida para estas a responsabilidade emergente de acidente de trabalho. Mais alega que o óbito do seu marido ocorreu no tempo e local de trabalho, por força do elevado esforço provocado pelo peso que transportava nas circunstâncias de tempo e lugar do falecimento, sendo ainda certo que sobre o falecido caiu igualmente uma prancha metálica que lhe causou ferimentos na cabeça. Pese embora na autópsia realizada ao falecido conste como causa da morte do mesmo enfarte recente do miocárdio por aterosclerose coronária cardíaca generalizada e grave, o certo é que, até à data, o falecido não era portador de qualquer sintoma prévio, nem nunca lhe tinha sido diagnosticada tal doença, nomeadamente nos exames médicos periodicamente realizados na sua empregadora no âmbito do programa de higiene e segurança do trabalho. Assim, o esforço físico despendido pelo trabalhador na execução das suas tarefas aumentou e potenciou o risco de doença súbita.

*** Citadas, as Rés contestaram, alegando, em síntese, que não aceitam a caracterização do acidente como de trabalho, defendendo que a causa da morte do trabalhador é devida a doença natural, a saber enfarte do miocárdio, conforme se extrai da autópsia. Alegam, em síntese que, nas circunstâncias de tempo e lugar em que ocorreu o óbito não se verificou qualquer acidente, no sentido de ocorrência de um acontecimento ou evento naturalístico súbito, inesperado e de origem externa, sendo ainda certo que a concreta actividade que o sinistrado se encontrava a realizar não pode ser qualificada como esforço físico violento e, consequentemente, não era adequada a causar a sua morte.

Concluem pela improcedência da acção.

A Ré empregadora contestou igualmente a presente acção, invocando as excepções dilatórias de caso julgado e de ilegitimidade.

No mais alega, em síntese, que a circunstância da morte ter ocorrido no local e tempo de trabalho do sinistrado não se deveu à natureza ou ao esforço que esse mesmo trabalho lhe exigisse, mas sim a um simples e infeliz acaso.

Pugna pela absolvição da instância ou, caso assim não se entenda, pela absolvição do pedido.

*** A Autora respondeu à contestação apresentada pela empregadora, pugnando pela sua intempestividade.

*** Foi proferido despacho saneador, o qual conheceu da validade e regularidade da instância, e decidiu pela tempestividade da contestação apresentada pela Ré empregadora, julgando procedente a excepção dilatória de ilegitimidade da mesma, com a sua absolvição da instância.

*** Foi fixada a matéria de facto assente e elaborada a base instrutória.

*** Foi realizado julgamento com observância do legal formalismo.

*** A sentença julgou a acção improcedente, por não provada, com a absolvição das Rés dos pedidos contra elas formulados.

*** Inconformada, a Autora interpôs recurso, concluindo nas suas alegações que “1ª– Neste processo de Acidente de Trabalho, a Sentença aqui recorrida, não tão teve em consideração factos e circunstâncias muito relevantes, nomeadamente a Jurisprudência proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça 2ª– A entidade patronal delegou na (…), Lda, como entidade responsável por vigiar e coordenar a higiene, saúde e segurança do aqui trabalhador. A qual não acautelou a supervisão da saúde física e psíquica do malogrado trabalhador. Colocando o mesmo apto a desempenhar as suas funções ! 3ª– Nunca foi constatada anteriormente qualquer doença ao trabalhador.

  1. – Nem lhe foram efetuados ao trabalhador como é imperativo de lei expressa, exames complementares de diagnóstico, para se aferir se o trabalhador está ou não apto para o desempenho das suas funções.

  2. – Em qualquer uma das fichas clínicas não cumpre os seus termos legais, pois não tem a assinatura e a data do trabalhador em como tomou conhecimento tal como aqui sucedeu pois todas as fichas clinicas juntas aos autos aquando da notificação pelo Tribunal à Medicina do Trabalho esta apresenta tais fichas em 13/05/2016, em nenhuma delas está sequer a assinatura do trabalhador.

    E até numa última consulta ao trabalhador realizada em 03/12/2013 (ver pág. 3/6) apresentou uma tensão arterial muito elevada de 214 – 117, quando dois anos antes tinha 160 – 90. 6ª– Tinha a obrigação o médico de dar o trabalhador como inapto, e nesse caso deveriam ter sido efectuados exames complementares . E não o foram porque ? 7ª– O médico deveria comunicar o facto ao responsável pelo serviço de segurança e saúde no trabalho, bem como, se tal se justificar, solicitar o acompanhamento pelo médico de família ou outro médico assistente do trabalhador.

    Situação que não foi feita ! Ao invés é considerado o trabalhador como apto e entregue à sua sorte, com os resultados que se vê, veio a falecer uns meses mais tarde, vítima de um ataque cardíaco.

  3. – É sabido que durante muitos anos o trabalhador foi sujeito a um elevado desgaste físico, bem com um elevado esforço no desempenho da sua aliás árdua função diária de encarregado de obra, mas que não dirigia só, pois o mesmo pegava em todos materiais mesmo os mais pesados, e a prova está em que morre com uma prancha na mão.

  4. – Este desgaste físico, que contribui directamente para a causa directa da sua morte, agravando permanentemente tal desempenho o seu estado de saúde o que tal facto causou o agravamento da anterior doença, que foi causa adequada da morte do sinistrado.

  5. – Tinha ainda o trabalhador um elevado stress, pois a obra em causa estava muito atrasada, como foi relatado pelas duas testemunhas colegas de trabalho.

  6. – O falecido trabalhador era ainda um jovem de 49 anos, e que se soubesse sem qualquer problema de saúde até à data do seu falecimento.

  7. – O Exame Pericial junto aos autos se diz claramente in fin que “ A causa da morte do trabalhador – enfarte agudo do miocárdio, poderá ter sido agravado em resultado do desenvolvimento do seu trabalho, potenciado pelo seu esforço físico” e conclui igualmente que o esforço físico ou stress emocional, são momentos em que o músculo cardíaco exige um maior aporte de sangue.

  8. – Existe aqui a Presunção da existência de acidentes de trabalho nos termos do nº 1 do artº 8 da Lei 98/2003 de 4 Set.

  9. – É jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, que vai no sentido de que o esforço físico despendido pelo trabalhador na execução das suas tarefas aumenta e muito o risco de doença súbita, cuja causa é bem conhecida e não é nada natural.

  10. – Temos o infeliz caso da morte em pleno relvado num desafio de futebol de um jogador do Club (…), de nome (…) no ano de 2004, apreciando este caso concreto, em muito igual ao aqui dos presentes autos, pois até estamos perante uma falha de um mesmo órgão humano - o coração -, veio o Supremo Tribunal de Justiça proferir um Acordão caracterizando e atribuindo ao mesmo como tendo sido, um de acidente de trabalho, e por essa via foi enquadrado juridicamente como tal.

    E pagas pela Companhia de Seguros CCC, as justas indemnizações aos familiares dessa vítima, como foi amplamente noticiados nos órgão de comunicação social.

  11. – Considerando o referido Acordão que ; - É acidente de trabalho o evento, inesperado e súbito, que se verifique, no local, no tempo e por causa do trabalho, do qual resulte agravamento de doença anterior, com a consequência de lesão corporal ou da morte.

    - A atividade física desenvolvida por um atleta profissional durante um desafio oficial de futebol que potenciou arritmia cardíaca (fibrilação ventricular) derivada de miocardiopatia hipertrófica, doença congénita de que aquele sofria mas até então não detetada, vindo aquele atleta a falecer devido àquela arritmia, é evento que integra um acidente de trabalho. - Por tal evento revestir as necessárias características de um acontecimento súbito, inesperado e exterior à vítima, ocorrido no local, no tempo e por causa do trabalho, produzindo agravamento de anterior doença, que foi causa adequada da morte do sinistrado, não se pode considerar tal evento como integrante de uma situação de “morte natural”, mas antes de um verdadeiro acidente de trabalho.

    - Acordão do STJ de 30-06-2011 Recurso n.º 383/04.3TTGMR.L1.S1 - 4.ª Secção Pereira Rodrigues (Relator)* Pinto Hespanhol Fernandes da Silva.

  12. – A douta Sentença aqui recorrida não teve pois em consideração todos estes eventos, bem como esta Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça.

  13. – Nestas autos estamos perante uma verdadeira culpa ou no mínimo uma atitude negligente em primeira linha da empresa que é responsável pela Medicina do Trabalho, que deu o trabalhador como apto para trabalhar, quando deveria ser precisamente o contrario. Ou seja, não cumpriu o seu dever.

  14. – As Seguradoras devem ser pois responder e garantir o respectivo risco, pelo que...

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