Acórdão nº 13823/13.1T2SNT de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 25 de Outubro de 2018

Magistrado ResponsávelPEDRO MARTINS
Data da Resolução25 de Outubro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados: A intentou a presente acção contra R1, R2, R3 e R4.

Conclui, pedindo que se declare que os últimos réus não são filhos do 2.º réu e se ordene a rectificação do assento de nascimento, com eliminação da paternidade e dos apelidos.

Alega para tanto que manteve uma relação de namoro com a 1.ª ré no período legal da concepção da 3.ª ré e do 4.º réu, nascidos em 24/09/2007, e que estes são seus filhos apesar de estarem registados como filhos da 1.ª ré e do 2.º réu, ambos solteiros, por declaração feita por estes perante o conservador; a acção foi intentada em 29/05/2013; o autor não diz nada para explicar por que é que a acção só então foi intentada.

Só cerca de um ano depois foram enviadas cartas para citação dos réus, que vieram devolvidas porque todos os réus tinham mudado de residência, tendo todos eles sido indicados como tendo a mesma morada; o autor foi notificado dessa devolução e nada requereu; depois disso, só quase um ano depois, foram pesquisadas as moradas dos réus nas bases de dados disponíveis e encontradas. Enviadas cartas para as novas moradas, só a do 2.º réu foi recebida. Foi então tentada a citação através de funcionário judicial, que a fez em 18/04/2015. A 1.ª ré veio então requerer apoio judiciário, com nomeação de patrono.

A 1.ª ré acabou por contestar, impugnando, dizendo que o pai das crianças é o 2.º réu, apesar de admitir ter tido uma relação de namoro com o autor; diz ainda, entre o mais, que, actualmente, o exercício das responsabilidades parentais dos menores encontra-se regulado provisoriamente, tendo sido estabelecido um regime de visitas quinzenal, respeitado pelo [2.º] réu e pela sua família, tendo os menores passado este último Natal com o [2.º] réu, no Porto, onde reside; os menores têm uma boa relação afectiva com o réu perfilhante, que sempre se mostrou dedicado e presente em relação à vida dos menores; até ao presente, o autor nunca demonstrou qualquer interesse pelos menores; a impugnação da perfilhação coloca em causa a estabilidade e certeza próprias da presunção de paternidade decorrente de acto de perfilhação realizado. Do Direito: a alteração dos apelidos dos menores, tal como requerido pelo autor, irá lesar seriamente a estabilidade e segurança adquiridas pelos menores em relação aos seus progenitores; com efeito, o direito ao nome, consagrado constitucionalmente no artigo 26 da Lei Fundamental, reflecte o elo de ligação sentimental de uma pessoa ao património moral do seu clã familiar, visando a perpetuação dos valores morais ligados ao nome da família e o vínculo aos seus progenitores; o interesse legítimo dos réus menores na imutabilidade do seu nome, mormente dos seus apelidos, é causa manifestamente suficiente para a inviabilização do alegado pelo autor, cujo interesse é manifestamente inferior e, por isso, dever-se-á manter os apelidos actuais; conclui no sentido da improcedência da acção e da manutenção da perfilhação tal como registada nos assentos de nascimento dos réus menores serem filhos do 2.º réu, mantendo os seus apelidos.

Os dois réus menores também contestaram (primeiro conjuntamente com a mãe, mas depois pela voz do advogado do curador que lhes foi nomeado), impugnando e dizendo que a sujeição dos menores aos exames de sangue vai ser uma fonte de instabilidade para eles.

Foi ordenada a realização de exames de sangue, que estiveram marcados para 08/03/2016 mas que, por razões ligadas aos réus, só se vieram a fazer em 06/09/2016, com resultados recebidos no tribunal a 14/11/2016. O julgamento acabou por ser realizado a 20/04/2017.

Depois de realizada a audiência final, foi proferida sentença a 30/06/2017, julgando a acção procedente e em consequência foi decidido reconhecer que os dois últimos réus não são filhos do 2.º réu e ordenar que se elimine do registo de nascimento das crianças a paternidade a favor do 2.º réu e correspondente avoenga paterna, eliminando-se o apelido B; foi determinado que se comunicasse a decisão à Conservatória do Registo Civil competente e que se extraísse certidão da petição, dos exames do IML e da sentença e que ela fosse remetida aos serviços do Ministério Público junto do tribunal para instauração de processo administrativo com vista a eventual instauração de processo de investigação de paternidade.

Os réus vieram ré recorrer desta sentença – em quatro recursos interpostos separadamente, os dos dois últimos réus quase 10 meses depois da sentença, devido ao incidente de apoio judiciário que requereram -, dizendo a 1.ª ré, em síntese, feita por este tribunal da relação de Lisboa, que: i- A decisão da matéria de facto não se acha suficientemente fundamentada e concretizada nos meios de prova que terão sido apreciados pelo tribunal a quo, motivo pelo qual a mãe (ou mesmo qualquer homem médio colocado na sua posição), não consegue descortinar as razões que conduziram à decisão de eliminação do registo de nascimento das crianças a favor do 2.º réu e correspondente avoenga paterna, eliminando-se o apelido B, sendo a decisão, por isso, nula nos termos do disposto nas als. b e d do n.º 1 do artigo 615 do Código de Processo Civil; ii- Em face da concreta prova produzida nos autos (com especial relevância, o resultado dos exames hematológicos, os quais a mãe não impugna ou refuta), teria que ser forçosamente proferida decisão diversa quanto aos factos alegados no ponto I [sic] e, em consequência, também quanto ao Direito.

iii- Com efeito, relativamente à decisão de facto, e com relevância para a decisão, considera a mãe que não foram dados como provados factos com relevância para a decisão da causa.

iv- A mãe entende que a decisão de eliminação do registo de nascimento das crianças a favor do 2.º réu [sic] e correspondente avoenga paterna, não acautela devidamente o superior interesse dos menores em causa, porquanto desconsidera em absoluto a relação muito próxima de ambos com esse réu e respectiva família, o desejo destes de manter tal proximidade e o papel muito activo e empenhado que tal réu desempenha e sempre desempenhou no acompanhamento dos menores, não só na prestação dos cuidados diários, como no acompanhamento escolar e educativo das crianças, pelo que a decisão de que ora se recorre, faz quebrar abruptamente a rotina e o dia-a-dia dos menores, ao ficarem abruptamente sem o apelido B.

v- O tribunal não teve em consideração para a sua pronúncia, o alegado pela mãe, em sede de contestação, no que concerne ao desinteresse manifestado pelo autor relativamente aos menores, tendo apenas impugnado a perfilhação quando os mesmos tinham seis anos de idade; deveria o tribunal a quo ter-se questionado sobre o exposto, designadamente qual o verdadeiro interesse do autor na impugnação da perfilhação e se pretende o mesmo exercer as suas responsabilidades parentais para com os menores; vi- a decisão irá irremediavelmente causar danos nos menores, os quais mantém uma profunda relação de filiação com o 2.º réu; neste momento, os menores criaram a sua “identidade pessoal”, designadamente quanto ao apelido adoptado no momento da perfilhação, tendo formado a convicção real e, digna de tutela, de que o apelido que têm, é na verdade, pertencente à única figura paterna, que sempre conheceram, o réu perfilhante; a eliminação do apelido dos menores provocará tristeza e instabilidade nos mesmos, com possíveis danos psicológicos e de formação de personalidade, o que poderá conduzir a um comportamento de revolta (cita um ac. do TRG de 19/10/2010 [que tem o n.º 286/08.2TBEPS.G1] em que se referem danos decorrentes da supressão de um nome, e a ré depois desenvolve o assunto; depois invoca um outro acórdão também do TRG, de 15/12/2008 [que tem o n.º 2655/08-1] em que não se reconhece ao MP legitimidade para propor acção com vista à alteração do nome do menor, porque a possibilidade do menor vir a adoptar também o apelido do pai, está na disponibilidade dos pais, a quem cabe requerer o respectivo averbamento, ou ao próprio, atingida a maioridade; e um outro do TRP de 07/07/2005 [que tem o n.º 0522463] que refere que a possibilidade do menor vir a adoptar também o apelido do pai, está na disponibilidade dos pais, a quem cabe requerer o respectivo averbamento ou ao próprio, atingida a maioridade”, recusando, por isso, também a legitimidade ao MP para requerer a alteração do nome no caso do estabelecimento da filiação); conclui disto que devia ser dada aos menores a possibilidade de alterarem o seu apelido quando atingirem a maioridade, e não impor-se-lhes a perda do apelido do 2.º réu. Termina o corpo das alegações dizendo que a decisão deve ser revogada e substituída por outra que defina, tal como é do superior interesse dos filhos, a manutenção dos seus apelidos, dando a possibilidade de posteriormente, após o devido acompanhamento, de serem os mesmos a optar pela eliminação do apelido B ou, substituição pelo apelido do autor; no fim das conclusões, que são praticamente iguais ao corpo das alegações, já termina de outro modo, ou seja, requer a revogação da decisão, sem qualquer especificação.

Os 2.º e 3.º réus limitam o seu recurso à questão da manutenção do apelido do 2.º réu pelos dois últimos réus, fazendo o 2.º réu sistemática referência, para além de aos artigos 1875/2 e 1876 do CC, a factos que não foram dados como provados na sentença recorrida e que não tinham sido por ele alegados, apesar de não ter impugnado a decisão da matéria de facto. O 4.º réu diz que o autor não provou qualquer interesse na procedência da acção e, no resto, diz que o apelido não lhe devia ser retirado.

Não foram apresentadas contra-alegações.

* Questões que importa decidir: da nulidade invocada; se devia ter sido outro o resultado da acção e se o apelido do 2.º réu não deve desaparecer do registo do nascimento dos réus menores.

* Os factos que estão provados e que interessam à decisão destas questões são os seguintes: O autor manteve relações de cópula...

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