Acórdão nº 239/16.7GAVZL.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 17 de Outubro de 2018

Magistrado ResponsávelBELMIRO ANDRADE
Data da Resolução17 de Outubro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam em conferência, na 4ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra: I RELATÓRIO Nos autos de processo comum, T. Singular, em referência, após realização da audiência de discussão e julgamento, com exercício amplo do contraditório, foi proferida a sentença com o seguinte DISPOSITIVO: Assim, por todo o exposto, decido:

  1. Condenar o arguido pela prática, em autoria material e concurso real, dos seguintes ilícitos criminais: - um crime de injúrias, p. e p. pelo artº 181º, nº 1 do CP, na pena de 45 dias de multa, à taxa diária de 9 euros; - um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos artºs 153º, nº 1 e 155º, nº 1, al. a), ambos do CP, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de 9 euros.

    Em cúmulo jurídico vai o arguido condenado na pena conjunta de 80 dias de multa, à taxa diária de 9 euros, num total de 720 euros, com 53 dias de prisão subsidiária.

  2. Condenar o arguido/demandado a pagar ao assistente/demandante (por via do pedido formulado a fls. 92 e s.) a importância actualizada de 300 euros, acrescida de juros moratórios contados da presente data, à taxa de 4% ao ano, até efectivo e integral pagamento.

  3. Absolver o demandado do remanescente daquele pedido contra si formulado pelo assistente/demandante, isto é, da importância de 1.200 euros.

  4. Condenar o arguido/demandado a pagar ao assistente/demandante (por via do pedido formulado a fls. 95 e s.) a importância actualizada de 500 euros, acrescida de juros moratórios contados da presente data, à taxa de 4% ao ano, até efectivo e integral pagamento.

  5. Absolver o demandado do remanescente daquele pedido contra si formulado pelo assistente/demandante, isto é, da importância de 352 euros.

    * Inconformado com a sentença, dela recorre o arguido.

    Na respectiva fundamentação formula as seguintes CONCLUSÕES: I) O presente recurso versa sobre a matéria de direito e de facto, com a reapreciação da prova gravada.

    II) Como questão prévia, alega o recorrente que lhe foi imputada a prática de um crime de injúria agravado, por força da acusação particular deduzida, porém, o Tribunal condenou-o por um crime de injúria simples, sem que dessa alteração lhe tenha sido dado conta - houve, por isso, uma alteração substancial dos factos, nos termos da al. f) do art. 1º do CPP, pois que existe uma alteração substancial dos factos sempre que aquela alteração tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso do que consta da acusação.

    III) Em consequência, argui a nulidade da sentença, por violação dos art.rs 32 da CRP e 379°, nº1 do CPP.

    IV) Depois, quanto ao crime de injúria, não consta dos factos dados como provados, precisamente porque não resultou da prova produzida, que as palavras que terão sido dirigidas ao assistente tenham ofendido a sua honra ou consideração.

    V) Ora, sendo o bem protegido no crime de injúria, a honra e consideração, não encontramos, nos factos dados como provados, qualquer referência a que as palavras que terão sido dirigidas pelo arguido ao assistente, tenham ofendido a sua honra ou consideração, nem tão pouco se vislumbra uma ténue referência ao dolo necessário a esse tipo legal de crime VI) De facto, o crime de injúria exige dolo, porém, não consta qualquer referência ao dolo do arguido nem ao elemento subjectivo desse tipo legal de crime nos factos dados como provados, ao contrário do que aí é referido quanto ao crime de ameaça agravada, quando se dá como provado o ponto 5- "O arguido, ao dizer ao queixoso que tinha (lá) uma arma para o matar, agiu com o propósito de o intimidar”.

    VII) Assim, salvo o devido respeito por opinião contrária, o arguido não poderá ser condenado pelo crime de injúria, por insuficiência para a decisão da matéria de facto provada no que se refere ao crime de injúria em que foi condenado, mostrando-se, por isso, violados os artigos 14° e 181 ° do CP, na interpretação que lhes foi dada pelo Mmo Juiz a quo e que sustentou a condenação do arguido. Efectivamente, o crime de injúria p. e p. pelo artigo 181° do CP exige como elemento básico o dolo. Ora, não consta dos factos dados como provados qualquer indício de uma actuação dolosa por parte do arguido, no sentido de querer e representar que as palavras proferidas ofendessem a honra e consideração do assistente.

    VIII) Quanto ao crime de ameaça agravada, diga -se que os factos que foram dados como provados, em confronto com os depoimentos que aqui se trazem, denotam uma evidente irrelevância penal, isto é, tais factos não atingem, salvo o devido respeito, um mínimo de dignidade penal, muito menos, um mínimo de justificação na condenação do arguido por tal crime.

    IX) De facto, resulta da douta acusação pública, no que ao crime de ameaça agravada concerne, que o arguido terá dito: "Tenho lá uma arma para te matar a ti e aos outros"; "Eu mato-te", "agindo o arguido com o propósito concretizado de intimidar o ofendido", porém, X) Resulta como provado que o arguido disse ao queixoso: "tenho lá uma arma para te matar", "eu mato-te", porém, resulta provado que o arguido agiu com o propósito de intimidar o queixoso ponto 5, mas resulta NÃO provado que o queixoso tenha ficado intimidado com as expressões que o arguido lhe dirigiu. Ora, XI) Os factos que constam na acusação relativos ao crime de ameaça agravada e essenciais ao seu preenchimento - intimidação, medo ou receio de que o arguido o viesse a matar, não foram dados como provados, como não deveriam ter sido dados como provados todos os outros relativos ao crime de ameaça agravada.

    XII) De facto, é falso que o arguido tenha agido com o propósito de intimidar o assistente. Como se pode ler no Ac. deste Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, processo nº 366/10AGCTND.C1, datado de 30.05.2012, acessível in wvww.dssi.pt: "Para constituir o crime de ameaça, a expressão proferida tem de prenunciar, ou como refere o Ac. da Relação do Porto, de 12-12-1984, in Col. Jurisp. Tomo II, pág. 291 anunciar um grave e injusto dano, necessariamente futuro. E, anunciar a prática de um mal, no futuro, é que é ameaçar”.

    XII) Os depoimentos das testemunhas ouvidas e que fundamentaram a decisão proferida negaram um carácter penal às expressões proferidas: a testemunha X asseverou que "Um que dizia que tinha uma arma, outro que dizia que tinha outra, um que tinha uma pendurada, outro não sei o quê. Foi vice-versa. Aqueles calores da época." XIII) A testemunha Y, por sua vez, questionado pelo Mmo. Juiz a quo, acabou por sintetizar a situação, com as seguintes palavras: "Sei lá, com uns tiros, mas isso toda a gente diz essas coisas. Isso é normal".

    Ou seja, XIV) A normalidade com que a situação foi observada não mereceria, sequer, quanto a nós, a acusação deduzida, por manifesta falta de mínimo de dignidade penal, porquanto, como bem ensina Faria Costa, "o significado das palavras, para mais quando nos movemos no mundo da razão prática, tem um valor de uso. Valor que se aprecia, justamente, no contexto situacional, e que ao deixar intocado o significante ganha ou adquire intencionalidades bem diversas, no momento em que apreciamos o significado. " Ora, XV) Dos depoimentos das testemunhas que sustentaram a condenação do arguido pelos crimes de injúria e de ameaça agravada, cujos excertos mais relevantes dos seus depoimentos aqui quisemos trazer, resulta que o arguido vive em ambiente rural, está reformado, quis prestar declarações, negando a prática dos factos.

    XVI) Não resultou que tivesse agido com o dolo exigido para qualquer dos crimes em que foi condenado.

    XVII) Não resultou que o assistente tenha ficado intimidado, com medo ou receio pelo mal ameaçado, nem naquela altura, nem, muito menos, em momento futuro. A expressão "Eu mato-te" é manifestamente actual e presente.

    XVIII) Não resulta dos depoimentos das testemunhas que serviram para fundamentar a condenação do arguido que qualquer das palavras proferidas pelo arguido fossem de levar a sério - era uma situação normal, banal, é normal dizer- se "eu mato-te" em discussões no café, entre pessoas que até se conhecem há muitos anos.

    XIX) O arguido não agiu com dolo, em qualquer das suas vertentes.

    XX) Os crimes em que foi condenado exige uma actuação dolosa, que não resulta dos factos dados como provados.

    XXI) Assim, mostram-se incorrectamente julgados os factos provados sob os pontos 4,5, os quais, conjugados com os factos não provados sob os pontos a) a f), ditariam a sua absolvição.

    XXII) Razão pela qual os depoimentos das testemunhas X e Y acima transcritos impunham uma decisão de absolvição do arguido, posto que demonstram a ausência de dolo, a normalidade e contemporaneidade das expressões proferidas e um contexto banal de discussão de café que não se coaduna com uma e primeira condenação penal.

    Nestes termos e nos melhores de Direito, deve ser dado provimento ao recurso, declarando-se nula a sentença proferida, por violação do disposto nos art.°s 1º f, do CP, 32° da CRP e 379, nº do CPP: Assim não se entendo, deverá ser dado provimento ao recurso, absolvendo-se o arguido pelos crimes em que foi condenado, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA! * Respondeu o digno magistrado do MºPº junto do tribunal recorrido, dizendo em síntese conclusiva (conclusões extraídas do respetivo suporte electrónico disponibilizado nos autos): 1- Nos termos do artigo 412.º, n.º 2, aI. a) do C.P.P., versando sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar as normas jurídicas violadas, no caso em apreço, no que diz respeito à condenação do arguido pelo crime de ameaça agravado, o recorrente não indica quais as normas que, no seu entendimento, foram violadas pela decisão a quo; pelo que, nesta parte (crime de ameaças agravado), deve o recurso improceder.

    2 - Não existe a invocada nulidade de sentença por violação do disposto nos arts. 32.º da C.R.P. e 379.º/1 do C.P.P., pois é entendimento da jurisprudência e da doutrina que não é necessária a comunicação prevista no art. 358.º/3 do C.P.P. quando o interesse tutelado é semelhante, e tal ocorre quando, não havendo qualquer alteração...

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