Acórdão nº 111/2016.0YUSTR.L1.-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 09 de Outubro de 2018

Magistrado ResponsávelANA SEBASTIÃO
Data da Resolução09 de Outubro de 2018
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, na 5.ª Secção da Relação de Lisboa.

I.1–Inconformado com a decisão judicial proferida, em 04/04/2018, pela Exma. Juiz do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, recorreu o Ministério Público, apresentando motivação com as seguintes conclusões: I.

–Constitui objecto do presente recurso a decisão judicial de 04/04/2018, através da qual se indeferiu que os autos aguardassem por três meses informação e apresentação de requerimento por parte do Ministério Público, e, se considerou que "o arquivamento condicional [previsto no art.º 35.° n.º 7 do Regulamento das Custas Processuais], tal como a extinção da ação executiva nos termos do artigo 750.º. n.º 2. do Código de Processo Civil (CPC). Põem fim à ação executiva" e que os autos estão em condições para serem remetidos para o arquivo.

II.

–Por decisão condenatória do Banco de Portugal, tornada definitiva em 12/01/2016. L.M. foi condenado, além do mais, numa coima única de 125.000 € pela prática de 16 contra-ordenações.

III.

–O condenado L.M. não efectuou o pagamento da coima única e das custas administrativas, motivo pelo qual o Banco de Portugal remeteu o processo de contra-ordenação ao MP para instauração de acção executiva, o que veio a suceder em 05/05/2016.

IV.

–Não obstante as diversas diligências encetadas não se logrou identificar quaisquer bens ao condenado/executado (de nacionalidade brasileira), estando os presentes autos arquivados condicionalmente desde Fevereiro de 2017.

V.

–Em Março/2018, a secretaria (serviços judiciais) efectuou pesquisas com vista à identificação de bens do executado, as quais resultaram infrutíferas.

VI.

–O prazo prescricional das 16 coimas parcelares é de 5 anos, cujo termo só ocorrerá no ano de 2021.

VII.

–Ao promover a execução da coima, o MP age na prossecução de um interesse público que lhe está confiado por lei. Em concreto, o normativo legal é o art. 89.° n.° 2 do RGCO, e, o interesse público "é o mesmo que preside ao desígnio da contra-ordenação e à aplicação da respectiva coima e de que o Ministério Público é particular garante".

VIII.

–O interesse público no cumprimento das coimas não desaparece, não diminui nem se altera com a instauração de acção executiva para cobrança coerciva das mesmas, havendo que se desenvolver todas as diligências e se envidar todos os esforços com vista ao cumprimento coercivo da sanção.

IX.

–O insucesso na cobrança coerciva de uma coima, não significa apenas o não arrecadar de receitas para o Estado e/ou para entidades públicas, mas também a impunidade de quem violou um dever imposto por lei (que se sentirá motivado para reincidir) e a subsequente perda de confiança da comunidade na validade e na força de vigência das suas normas de tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico. Por seu turno, a perda de confiança na validade e na força de vigência das normas conduz quer a sentimentos de insegurança quer ao aumento dos prevaricadores.

X.

–Não basta aplicar a coima, é imperioso que a mesma seja cumprida.

XL–E é igualmente esse interesse público que justifica que o legislador - ao contrário do que sucede actualmente nas demais execuções para pagamento de quantia certa - tenha determinado (e mantido) a maior intervenção do juiz nas execuções por coima - cfr. decorre do art. 91.° do RGCO.

XII.

– É ainda esse interesse público que impõe que a aplicação subsidiária de normas de processo civil seja sempre efectuada com a necessária ponderação e adaptação, e, caso tal aplicação contrarie as finalidades da coima, terá mesmo de ser afastada. A aplicação de disposições previstas no CPC à execução por coima resultante de uma sucessiva aplicação subsidiária de normas (vd. art. 89° n.° I do RGCO, art. 491 ° n.° 2 do CPP e art. 35.° n.° 5 do RCP) - tem de ser efectuada com muita cautela.

XIII.

– O Banco de Portugal remeteu ao MP os originais do Processo de Contra-Ordenação n.° 64/12/CO para instauração de execução.

XIV.

– Diversamente do que acontece na cobrança coerciva de coimas aplicadas por um tribunal, a execução de uma coima aplicada por uma autoridade administrativa não corre por apenso a uns autos principais.

XV.

– Um processo executivo para cobrança de coima aplicada por autoridade administrativa tem especificidades próprias que obrigam a uma tramitação que respeite tais especificidades, não podendo existir uma aplicação subsidiária cega de normas processuais civis.

XVI.

– Tais especificidades são as ligadas às finalidades das coimas, ao facto das causas de extinção das coimas terem um elenco legal taxativo, e, à circunstância de tal tipo de execução não correr por apenso a um processo principal.

XVII.

– As coimas não se extinguem com um arquivamento condicional, pelo que, nos casos em que a execução tem por base uma decisão definitiva da autoridade administrativa -em, que, portanto, não existem uns autos principais ou outro suporte material para tomar posição quanto à responsabilidade contra-ordenacional do condenado/executado - não se concebe que se possa remeter um processo para o Arquivo sem que as coimas estejam extintas.

XVIII.

– Salvo o devido respeito, tal configura uma demissão inaceitável da obrigação que recai sobre o Tribunal a quo de realizar a justiça, saindo prejudicados os interesses e a confiança da comunidade. Como se explica ao Povo, em nome do qual os tribunais administram a justiça (cfr. art.º 202. ° n.º 1 da CRP), que um tribunal determine a remessa de um processo para o Arquivo sem que uma coima única de 125.000 € - aplicada pela prática de 16 contra-ordenações - esteja extinta? XIX.

– O interesse público no cumprimento das coimas não se compadece nem é compaginável com preocupações meramente estatísticas / de redução de pendências e/ou de organização/libertação de espaço nos serviços judiciais e/ou outras preocupações similares.

XX.

– O Tribunal a quo encara o arquivamento condicional da acção executiva previsto no RCP como uma causa extintiva da execução. Contudo, o mesmo não constitui uma causa extintiva da execução, mas uma figura atípica de suspensão da execução.

XXI.

– E, sendo uma mera causa de suspensão da execução, não permite considerar findos os autos executivos, motivo pelo qual não podem serem remetidos para o Arquivo.

XXII.

– Erra pois o Tribunal a quo na interpretação e aplicação do art. 35.° n.° 7 do RCP.

XXIII.

– Embora o art. 142.° n.° 1 al. b) da LOSJ só se refira aos processos penais em sentido estrito (pois que só alude a penas e a medidas de segurança), as razões que justificam tal regulamentação são as mesmas que justificam a aplicação analógica de tal regra às execuções para cobrança coerciva de coimas aplicadas por autoridades administrativas. Em ambas as situações o interesse público impõe que não se remeta para o Arquivo processos com sanções não extintas.

Assim, como não se remete para o Arquivo um processo crime com uma pena de prisão não extinta ainda que não se saiba do paradeiro do condenado, também não se pode remeter para o Arquivo um processo com uma coima de 125.000 € não extinta ainda que não se conheçam (por ora) bens penhoráveis ao condenado.

XXIV.

– Ao declarar que os presentes autos executivos - com 16 coimas parcelares não extintas - estão em condições para serem remetidos para o Arquivo, o Tribunal a quo violou o art. 142.º n.° 1 al. b) da LOSJ, aplicável por analogia ao caso dos autos nos termos do art. 10.°n.s 1 e 2 do Código Civil.

Nesta conformidade, deverão Vas. Exas. revogar a decisão judicial na parte de que ora se recorre, declarando que o arquivamento condicional não constitui uma causa extintiva da execução e que os autos não se encontram findos para efeitos de remessa para o Arquivo, e, determinar que os autos aguardem informação e apresentação de requerimento por parte do MP.

  1. O recurso foi regularmente admitido.

  2. Não foi apresentada resposta ao recurso.

  3. Nesta Relação, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta lavrou Parecer acompanhando a argumentação recursiva apresentada pelo Ministério Público em 1.ª instância.

  4. Cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do CPP., não foi apresentada resposta.

  5. Colhidos os vistos realizou-se a conferência.

II.

O despacho recorrido é do seguinte teor: CONCLUSÃO - 04-04-2018 Ref.ª 32081 : Proceda-se à extração da certidão requerida pelo Ministério Público.

* Mais requer o Ministério Público que os autos aguardem por três meses: (i) a informação que o Ministério Público irá prestar nos autos referente à averiguação de bens que irá efetuar nesse prazo; e (ii) a apresentação de requerimento de retoma da execução (caso logre identificar bens), ou, de requerimento de “reinício para efeitos de averiguação de bens por não conseguir obter, por meios próprios, a informação necessária para o efeito”.

Cumpre apreciar e decidir.

Os elementos factuais, de natureza processual, relevantes para a presente decisão são os seguintes: - a presente ação executiva destina-se à cobrança de coima e custas; - por inexistência de bens penhoráveis foi arquivada condicionalmente; - em 20.03.2018, o Ministério Público promoveu que, decorrido um ano, se voltasse a averiguar da eventual existência de bens do executado ref.ª, 197852; - por despacho de 21.03.2018 tal pedido foi decidido nos seguintes termos: "Em face do exposto, indefere-se o pedido de averiguação da eventual existência de bens da executada, decorrido um ano, devendo a ação executiva manter-se arquivada condicionalmente, sem prejuízo de ser renovada caso sejam indicados bens à penhora ou caso o Ministério Público requeira, de forma, fundamentada, o reinício para efeitos de averiguação de bens por não...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT