Acórdão nº 153/18.1JAPRT-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 26 de Setembro de 2018
Magistrado Responsável | MOREIRA RAMOS |
Data da Resolução | 26 de Setembro de 2018 |
Emissor | Court of Appeal of Porto (Portugal) |
Proc. nº 153/18.1JAPRT-A.P1 Tribunal da Relação do Porto (2ª Secção Criminal – 4ª Secção Judicial) Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:I – RELATÓRIO:Inconformado com o despacho proferido em 19/02/2018 no qual se decidiu indeferir a promoção do Ministério Público no sentido de solicitar às operadoras “B…”, “C…” e “D…” os eventos referentes a várias “BTS” num determinado período de tempo, dele veio o mesmo recorrer nos termos constantes de fls. 2 a 16 destes autos, aqui tidos como especificados, tendo formulado, a final, as seguintes conclusões (transcrição): 1. Os dados pretendidos pelo recorrente representam uma interferência mínima na esfera de privacidade dos cidadãos.
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Os factos sob investigação são graves e revelam o grau de desprezo que o assaltante sente pela segurança e vida das pessoas intervenientes nos factos, designadamente, a funcionária bancária em causa.
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Compaginando a prática destes graves factos com a interferência mínima na privacidade dos cidadãos anónimos visados, esta (a privacidade) tem de ceder perante a possibilidade conferida pela promoção indeferida de se chegar à identificação do assaltante.
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O deferimento da promoção acima referida sempre respeitará os princípios da adequação e proporcionalidade que a esta matéria cabem.
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À semelhança das interceções telefónicas não uteis para a descoberta da verdade material, também os dados pretendidos, quer exista um suspeito prévio, quer a sua identidade não seja conhecida, sempre seriam, eventualmente, destruídos.
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Assim se assegura, num caso e noutro, que a privacidade de cidadãos anónimos sofresse um constrangimento mínimo e muito limitado no tempo.
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Não se pretende utilizar, para o prosseguimento das investigações, todos os dados relativos a todos os acionamentos de antenas no local dos factos, nem os que dizem respeito a todos os cidadãos que se encontravam nos locais de ação do assaltante no período compreendido entre as 13:30 horas e as 14:30 horas do dia 15 de janeiro de 2018.
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O assaltante teve uma conduta particular, exclusiva, privativa do próprio, que mais nenhum cidadão adotou ou poderia adotar.
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O percurso de entrada no local dos factos efetuado pelo assaltante, o tempo presumível de permanência deste no interior da agência bancária (que excluirá qualquer cidadão anónimo que entrou e saiu do local em momentos diferentes), o percurso de saída deste local, permitem, com recurso aos dados resultantes do deferimento da promoção em causa nos autos, individualizar o terminal telefónico que tenham sido exclusivamente utilizados pelo assaltante.
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O que poderá levar à sua identificação.
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São extremamente escassos os elementos disponíveis para seguir uma linha de investigação que leve à identificação do autor dos factos em causa no processo.
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Exceto o recurso à diligência promovida, mais nenhuma se vislumbra que permita atingir aquele desiderato, estando toda a investigação dela dependente.
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A diligência promovida reveste-se de todos os pressupostos formais legais, não contende com os princípios da adequação e proporcionalidade e resulta indispensável para a descoberta da verdade material.
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A decisão do Meritíssimo JIC a quo viola o disposto nos artigos 187°, 189° e 269°, n.° 1, e) do Código de Processo Penal e artigos 3º, n.° 2, 9° e 11º, n.° 1 da Lei n.° 32/2008 de 17/07.
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Pelo que, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que determine a solicitação às operadoras B…, C… e D… a identificação dos eventos de rede referentes às BTS supra indicadas no período compreendido entre as 13:30 horas e as 14:30 horas do dia 15 de janeiro de 2018.
O recurso foi regularmente admitido e, depois, tabelarmente sustentado (cfr. fls.
17 e 55).
Não há respostas (atenta a fase processual e a natureza do despacho recorrido não existem recorridos).
Já neste tribunal, o Ex.mo PGA apôs um visto nos autos.
Após exame preliminar, colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir, nada obstando a tal.
II – FUNDAMENTAÇÃO: a) a decisão recorrida: No que ora importa destacar, o despacho recorrido é do teor seguinte (transcrição): “O Ministério Público promove, “nos termos do disposto nos artigos 187.º, nº1, a), e 189.º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Penal, (…) que se solicite às operadoras B…, C… e D… os eventos de rede referentes às BTS infra indicadas no período compreendido entre as 13:30 horas e as 14:30 horas do dia 15 de janeiro de 2018”.
Nos termos do disposto pelo art. 189.º, nº2, do Código de Processo Penal (norma que nos parece diretamente aplicável à situação dos autos, estando em causa registos relativos à utilização de telemóveis), a obtenção e junção aos autos de dados sobre a localização celular ou registo da realização de conversações ou comunicações só podem ser ordenadas ou autorizadas pelo juiz, quanto a crimes previstos no art. 187.º, nº1, do Código de Processo Penal, se houver razões para crer que a diligência é indispensável à descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma impossível ou muito difícil de obter e só pode ser autorizada, nos termos do nº 4 do mesmo preceito, entre outros, relativamente a suspeito ou arguido.
No caso, atenta a factualidade descrita nos autos, está indiciada a prática por indivíduo(s) desconhecido(s) de um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210.º, nºs 1 e 2, al. b), com referência ao art. 204.º, nº2, al. f), ambos do Código Penal.
Como resulta do exposto, a obtenção de dados sobre a localização celular e registo de chamadas está dependente da verificação dos pressupostos referidos pelo art. 187.º do Código de Processo Penal quanto às escutas telefónicas, porque, como elas, conflitua com direitos e valores fundamentais como o direito à privacidade, o direito ao sigilo e à inviolabilidade das telecomunicações.
Assim, a lei exige que existam razões suficientemente fortes e objetivas de que os dados se revelam de grande...
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