Acórdão nº 198/17.9PFCBR.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 10 de Julho de 2018

Magistrado ResponsávelJOS
Data da Resolução10 de Julho de 2018
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, os Juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: I. Relatório: No âmbito do processo sumário n.º 198/17.9PFCBR que corre termos na Comarca de Coimbra – Juízo Local Criminal de Coimbra – Juiz 2, em 17/11/2017, foi proferida Sentença, cujo Dispositivo é o seguinte: “DISPOSITIVO “Pelo exposto, julgo procedente por provada a acusação e, consequentemente, condeno o arguido, A…, (…), pela prática como autor material e em concurso efectivo, de dois crimes de ofensa à integridade física qualificada, na forma tentada previstos e punidos pelos art.ºs 22.º, 23.º, 143.º n.º 1, 145.º, n.ºs 1, al. a), e 2, e 132.º, n.º 2, als. h) e l), do Código Penal, respectivamente, na pena de 1 (um) ano de prisão para cada um dos crimes.

Operado o cúmulo jurídico dessas penas parcelares, cuja coma material corresponde a 2 (dois) anos de prisão, nos termos do art.º 77.º, n.ºs 1 e 2 do Cód. Penal, condeno o arguido na pena única de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão.

Visto o preceituado no art.º 58.º, n.ºs 1, 2, 3 e 5, do Código Penal, determino a substituição da pena de prisão pela pena de 480 (quatrocentas e oitenta) horas de prestação de trabalho a favor da comunidade.

*(….).

****Inconformado com a decisão, dela recorreu, em 18/12/2017, o arguido, extraindo da motivação as seguintes conclusões: A. Com o presente recurso a incidir sobre matéria de facto (maxime demissão ajuizativa sobre parte do circunstancialismo factual de prática dos factos!) e de Direito, unicamente subjacente a vícios decisórios, subsunção jurídica e dosimetria penal, não se pretende colocar em causa o exercício das mui nobres funções nas quais se mostram investidos os Ilustres julgadores, mas tão-somente exercer “manifestação de posição contrária” ou “discordância de opinião”, traduzido no legalmente consagrado direito de recorrer; B. Analisada a matéria de facto dada por provada constata-se que, para além da ausência de antecedentes criminais bem como circunstancialismo económico e social do arguido, mais nada foi levado ao elenco dos factos provados, aderindo-se à douta acusação pública, julgando-se que o circunstancialismo vertido na douta acusação pública, e transposto para a douta decisão condenatória, é em si mesmo insuficiente, pois nada diz sobre a distância a que se mostrava o arguido de cada um dos senhores agentes policiais e tal circunstancialismo é essencial para que se perceba se de facto alguma tentativa houve e qual o número de ofendidos (e correspectivamente o número de crimes!) ou se ao invés apenas se tratou da exibição de uma faca com distância inapta para qualquer lesão, julgando-se que a douta sentença padece da nulidade plasmada na alínea c) do art. 379º CPP, atenta a demissão de inquisitório e ajuizativa; C. Mostrou-se o arguido devida e cabalmente manietado e imobilizado quer pela exibição de arma de serviço quer pelo atingir com gás pimenta pelo que se questiona onde ver no elenco dos factos provados qualquer concreto acto de tentativa de ofensa à integridade física, como seja, e desde logo, a colocação a uma distância próxima e manejamento ou arremesso da faca em direcção a quem quer que seja quando nada se mostra dito nos factos provados sobre qualquer efectiva tentativa de atingir os ofendidos e sempre tal tentativa seria impossível, tal qual configurada no art. 23º do Código Penal pois veja-se o quadro factual: alguém a quem não haviam prendido a sua solicitação, caminha, alegadamente em direcção a dois agentes de autoridade, não os atacando pelas costas ou de forma insidiosa, com uma faca na mão e dizendo em voz alta que os iria “f*d*r”; D. Que sentido fará tal circunstancialismo, a representar insanidade e auto-colocação em perigo, sujeitando-se a ser abatido?! Como é que alguém poderá representar o atingir de tal desiderato quando terá pela frente dois agentes policiais, devidamente treinados e armados para fazer face a situações de ataque?! E tanto era impossível que o foi em concreto, não tendo havido a mínimo ofensa para a integridade física dos senhores agentes que manietaram o arguido muito antes de o mesmo estar próximo o suficiente para esboçar qualquer ataque, havendo manifesta tentativa impossível, a justificar a não punibilidade, pois em concreto não foi levado a cabo qualquer concreta tentativa ou acto de execução que visasse a ofensa da integridade física de tais agentes; E. Mostra-se inconstitucional, por violação dos princípios da legalidade, tipicidade e natureza de ultima ratio do Direito penal o entendimento e dimensão normativa do art. 22º n.º 1 CP no sentido de [P]ara o preenchimento da tentativa de ofensa à integridade física mediante utilização de faca basta que o agente anuncie tal mal e exiba uma faca, caminhando na direcção das supostas vítimas sem necessidade de movimentar tal faca objectivamente próximo do corpo dos alegados ofendidos e em condições de efectivamente os lesar ou de os tentar atingir mediante arremesso falhado”; F. Impor-se-á ainda que o Tribunal dê por provado o circunstancialismo que se julga essencial para a boa decisão da causa e que se mostrou a génese da reacção do arguido, que não a desculpando a torna mais compreensível e menos censurável, nomeadamente a exaltação e aparente embriaguez, o que mostrou referido pela prova testemunhal ouvida (passagens 01:26 a 01:31 e 03:24 a 03:28 da testemunha B… e 00:10 a 00:17 do depoimento iniciado a 15:09:24 e que aparece cindido na gravação, da testemunha C…) bem como confessado pelo arguido na passagem 14:36 a 14:39 do seu depoimento, referindo “estar bêbedo, com uns copitos”, bem como paragem e não avanço do arguido logo que foi dito para largar a faca e exibida a arma (passagem 07:14 a 07:24 da testemunha B…); G. No âmbito do presente processo foi proferida doutas acusação pública e sentença condenatória imputando ao ora recorrente a prática do supra referido crime de ofensa à integridade física qualificada, tentada, e ao abrigo da alínea h) do n.º 2 do art. 132º CP, mas ouvida a douta sentença proferida constata-se que a mesma não dedicou particular atenção a tal qualificação jurídica, podendo mesmo estar em causa a nulidade plasmada na alínea c) do art. 379º CPP; atenta a falta de fundamentação, não sendo dadas a conhecer as razões de tal subsunção jurídica e têm-se sérias reservas no tocante à subsunção jurídica dos factos e qualificação do crime ao abrigo de tal alínea, pois não se tratando de prática conjunta com, pelo menos, mais duas pessoas ou que se traduza de crime de perigo comum a questão é saber se o meio utilizado pelo recorrente é ou não particularmente perigoso; H. Entende o recorrente, em nome da Justiça, que não utilizou nenhum meio particularmente perigoso, uma vez que colhendo os ensinamentos vertidos no Comentário Conimbricense, tomo I, fls. 37, em anotação à anterior alínea g) [actual h)] do n.º 2 do art. 132º CP, não se poderão considerar como tal as facas, revólveres, pistolas, ou vulgares instrumentos contundentes, pois há que atentar que a lei exige que sejam particularmente perigosos, ou seja, terão de revelar uma perigosidade muito superior à normal, como seja o uso de gasolina incendiada ou talvez de uma granada, sendo, cumulativamente, indispensável determinar, com particular exigência e severidade, se da natureza do meio utilizado resulta ou não já uma especial perversidade ou censurabilidade do recorrente, tendo para nós que a resposta será negativa pois a exaltação trata-se de um fenómeno que foi já alvo de vários estudos, surgindo assim a conduta criminosa como defesa contra a eclosão de um surto psicótico, evitado pela descarga da energia destrutiva através do acto criminoso; I. Há sempre o perigo que resulta destas remissões intra sistemáticas e em bloco contidas no Código Penal, uma vez que se remete para situações em que terá ocorrido um homicídio ou tentativa do mesmo, havendo que interpretar cum grano salis tal questão e sob pena de “tomarmos a árvore pela floresta”, não se pode pretender ter por forma-regra da ofensa à integridade física a sua qualificação, uma vez que até uma simples pedra poderia ser meio especialmente perigoso, não se devendo integrar em tal conceito as armas vulgares, invocando-se o teor decisório da jurisprudência deixada em sede de motivação para entender a douta sentença por padecer de errónea subsunção jurídica pois ao entender-se como se mostra entendido na douta sentença ora recorrida, subverte-se o inteiro método de qualificação legal e incorre-se no erro político criminal grosseiro de arvorar o crime qualificado em forma regra do crime de ofensa à integridade física, devendo “cair” a qualificação do crime de ofensa à integridade física ao abrigo de tal alínea h), devendo interpretar-se cum grano salis a norma incriminadora; J. Todos os preceitos constitucionais integram normas que fornecem os parâmetros de interpretação recta do Direito que lhe está infra ordenado, devendo assim lançar-se mão do princípio da interpretação conforme a Constituição da República Portuguesa, sendo a progressividade não mais do que a densificação do conceito de justiça proveniente da igualdade material, princípio base de todo o Direito, pressupondo um conceito de democraticidade: a lei penal é igual para todos e essa a essência do princípio da igualdade que não consiste em tratar tudo por igual sob pena de, por paradoxal que pareça, gerar manifesta e clara desigualdade, mas sim em tratar de forma igual o igual e de forma diferenciada o desigual, tendo assim por violados os princípios da igualdade, proporcionalidade bem como do carácter de ultima ratio do Direito Penal que assim se vê convocado quando a litigiosidade e danosidade material se mostra inexistente e a “justiça restauradora” uma realidade dado que, com o devido respeito, todos instrumentos que são aptos a provocar lesões na integridade física terão forçosamente de ser considerados perigosos tout court mas nem todos o serão particularmente; K. Olhada a...

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