Acórdão nº 1005/15.2PZLSB.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 17 de Abril de 2018

Magistrado ResponsávelCID GERALDO
Data da Resolução17 de Abril de 2018
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, na Secção Criminal (5ª) do Tribunal da Relação de Lisboa: 1. – No processo nº 1005/15.2PZLSB, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo Local Criminal de Lisboa - Juiz 4 , o arguido E., foi julgado e condenado pela prática de um crime de um crime de roubo, p. e p. no art.° 210°, n.° 1, do Código Penal, na pena de 15 (quinze) meses de prisão.

*Não se conformando com a decisão, interpôs o arguido recurso, com os fundamentos constantes da motivação e com as seguintes conclusões: 1. Vem o recorrente condenado pela prática, como autor, de um crime de roubo, p. e p. no art. 210º, nº 1, do Código Penal, na pena de 15 (quinze) meses.

  1. O presente recurso vem interposto da douta sentença que o condenou, por entender que, face à prova produzida em julgamento não resultou provada a autoria do crime que lhe é imputado, pelo que deveria ter sido absolvido.

  2. Na douta sentença de que se recorre foram dados como provados todos os factos que constam da acusação, exceto que “O telemóvel era o modelo da galaxy e tinha o valor de € 400,00”, com base na motivação supra transcrita.

  3. Conforme se refere na motivação da douta sentença, “A convicção do tribunal quanto à factualidade provada assentou, essencialmente, no depoimento da testemunha/ofendida RR, que de forma clara, isenta e coerente, merecendo credibilidade, relatou à exaustão e com pormenor os factos assentes”.

  4. Em virtude de considerar que “…a sua segurança e precisão, reveladas, também, na forma como prestou o seu depoimento, não permitem qualquer réstia de dúvida sobre o que afirmou, o que inclui, manifestamente, a identificação que fez, cerca de dois meses depois, do arguido quando fortuitamente com ele se cruzou no metro de Lisboa.” 6. Entende o recorrente que o depoimento da depoimento da testemunha/ofendida RR apresenta contradições e da sua conjugação com outros elementos de prova, designadamente, a visualização de fotografias de fls. 9 e 43 e o os auto de reconhecimento pessoal fls. 39, resultam manifestamente sérias dúvidas quanto à autoria dos factos que são imputados ao recorrente, não permitindo o grau de certeza que a Mma. Juiz do Tribunal a quo considerou existir.

  5. Com o objetivo de evidenciar algumas contradições, incoerências e imprecisão do depoimento da ofendida e confrontá-lo com outros elementos de prova constantes dos autos, a fim de demonstrar que existem dúvidas (mais que) razoáveis quanto à autoria dos factos por parte do recorrente, que impunham a sua absolvição, procede-se, supra, à transcrição integral do depoimento da mesma, a partir do respetivo registo magnético.

  6. Questionada pela Senhora Procuradora, se tinha ido a Alcântara Mar à Polícia Judiciária ver as fotografias (11:08), a ofendida respondeu: “Não, isso é em Picoas, não consegui, fiquei lá quase duas horas mas não consegui reconhecê-lo só que em fevereiro quando ela passou por mim…” 9. Efetivamente, conforme consta do auto de reconhecimento da PJ que o reconhecimento fotográfico teve resultado negativo (fls. 9).

  7. Na notificação para comparecer na PJ (fls. 6 e 8) a fim de a ofendida informou que a cor da pele do suspeito é branca.

  8. No auto de notícia (fls. 3) declarou que a ascendência do suspeito é ocidental.

  9. Ora, o recorrente tem a cor da pele escura e feições nitidamente de raça negra, conforme se verifica, sem deixar dúvidas, nas fotografias (fls. 43) que lhe foram mostradas na PJ dois dias após a ocorrência dos factos.

  10. A ofendida, ao declarar que o suspeito tinha cor de pele branca e ascendência ocidental – os seus pais são ambos de raça negra –, não podia estar a descrever as características físicas e as feições do recorrente. Por isso é que não o reconheceu nas fotografias.

  11. Decorridos cerca de três meses, na estação do metro entendeu que tinha sido o arguido quem lhe tinha subtraído o telemóvel e, posteriormente, decorridos cerca de cinco meses (dia 13.05.2016), no reconhecimento pessoal (fls. 39 e 40) – com um olho vendado, devido a uma operação à vista – disse que reconhecia o individuo identificado com o nº 3, que era o arguido e, cerca de vinte e um meses depois, na audiência de discussão e julgamento, confrontada com as fotografias do arguido, questionada pelo advogado se naquele momento já reconheceria o recorrente, respondeu que sim.

  12. Em seu entendimento, a única conclusão a que se pode chegar é que, se a arguida não reconheceu o arguido entre as fotografias que lhe mostraram (e esteve duas horas nesta diligência, conforme a própria declarou na audiência) como sendo o indivíduo que lhe subtraiu o telemóvel, e no reconhecimento pessoal e na audiência de julgamento afirmou reconhecê-lo, é porque a memória que registou foi a da pessoa que viu nas fotografias que lhe mostraram, de forma inconsciente e automática, isto é, subliminarmente, ficou registada na sua memória associada ao crime. Se assim não fosse, como se explica que logo a seguir aos factos não reconheceu o suspeito nas fotografias e cinco meses depois, no reconhecimento pessoal, e também decorridos 21 meses, na audiência de julgamento já reconheceu? Decorridos 5 meses já a sua memória visual se teria desvanecido e, por maioria de razão, decorridos 21 meses, na audiência de julgamento.

  13. Registou na memória o rosto, de olhos azuis, que viu nas fotografias associado ao crime de que foi vítima e era essa a cara que recordava quando ia para a cama, conforme declarou: 17. A ofendida não reconheceu o arguido nas fotografias, porque este não era de cor branca, conforme referiu logo a seguir aos factos, ao contrário do indivíduo que lhe subtraiu o telemóvel.

  14. Salienta-se que aquando do reconhecimento pessoal a ofendida tinha um olho vendado. Se os dois olhos vêm a 100%, em princípio, um só olho verá 50%.

  15. Por outro lado, refere a douta sentença, na fundamentação da convicção acerca da boa memória da ofendida: “…os factos praticados, ao contrário de muitos roubos semelhantes, não ocorreram num único instante do tempo (chegar, puxar e fugir), mas implicaram necessariamente alguns minutos, incluindo conversa direta entre o arguido e ofendida, ainda num ambiente sem stress e descontraído.

    ” (sublinhado pelo signatário) 20. Por sua vez, declarou a ofendida: …. empreste-me o telemóvel. Só que eu, desconfiada (07:55) 21. E …eu naquele dia estava tão em baixo (13:11), porque eu já sou mesmo assim, mas naquele dia estava mais em baixo, no dia do assalto… 22. Ora, face ao que a ofendida alegou, o ambiente, no momento do assalto, não era sem stress nem descontraído, pelo contrário, a ofendida encontrava-se “em baixo” e com stress, porque estava desconfiada.

  16. Por isso, não se encontraria nas melhores condições para que a sua memória processasse o registo do seu rosto.

  17. Além do ambiente de stress e de se encontrar em baixo, também se afigura, por outro lado, face à descrição feita pela ofendida, que os factos se terão passado em breves instantes, o que não favoreceria uma boa memorização das feições do suspeito.

  18. Relativamente ao encontro da ofendida com o recorrente na estação do metro, a mesma declarou: Ele passou por mim e eu estava a sair do metro, ia ter com uma amiga. Ele passou por mim para entrar. Deixei a minha amiga falar e eu corri, fui atrás dele dentro do metro, não sei se ele me viu ou não, ele ficou logo atrás de um pilar eu fui lá eu disse: o senhor é que me assaltou em dezembro, levou o meu telemóvel. – Acha? A menina é maluca. Eu não. Eu: sim sim. Depois ele começou a correr e eu disse: alto lá. Eu corri atrás dele (11:53) (…) Adv - Muito bem. Ele fugiu quando foi ter com ele? T - No metro? Adv - Sim.

    T - Eu fui lá, eu fui lá, o senhor é que me assaltou, disse-lhe logo, o senhor é que me assaltou. Ele ficou tipo, para ele, é tipo uma maluca que esta a falar comigo. Ah a senhora é maluca? Eu!? E eu, sim, foi o Sr. Claro que eu até troquei palavras com ele e, ele a dizer que não era, e eu, é o senhor, é o senhor. E ele até me disse: vamos então há esquadra lá em cima, da PSP, aqui do colombo (20:31). Não, eu não vou porque o senhor já me assaltou uma vez e pode me querer fazer alguma coisa agora ele começou a subir as escadas tipo para fugir (20:41). Corri atrás dele sem medo nenhum, e eu a gritar, claro feita uma maluca, que era para alguém me ajudar por que passavam de pessoas e não me ajudavam. E eu, segurança! Segurança! Quando ele pôs o passe e passou, eu pus o meu passe e fui atrás dele, peguei nele, e eu: vamos aqui ficar à espera do segurança (20:54). Depois veio o mesmo segurança e o segurança a pensar, ele me perguntou: então mas foi agora que ele a assaltou? Não, foi em dezembro. O segurança até ficou assim…E eu: sim, vamos chamar a polícia. E ele sempre a bater na mesma tecla: vamos lá então na esquadra. E eu: não! Vamos ficar aqui à espera! Depois de pegar no meu telemóvel palavra ligar para a polícia, eu não consegui falar porque eu estava nervosa e foi o segurança do metro que falou com a polícia. E ficamos à espera(21:20) Adv- Ele fugiu? Ele tentou fugir? T - Não, porque eu estava feita uma maluca a gritar. Ele podia correr que eu corria atrás dele, porque eu fiquei na… Adv- Mas ele não tentou fugir? T - Não, não tentou (21:31)... não, na… quando estávamos lá no metro, foi mesmo na plataforma e depois ele começou a correr, claro que era para sair, para fugir, sim, a correr, por isso é que eu estava a dizer há minutos a trás, eu disse e vou repetir a mesma coisa: corri, eu estava de salto, corri atrás dele a gritar pelo segurança, que era para alguém me ajudar.

    Adv- Então quando o segurança apareceu aonde é que se encontrava? T - Ficamos mesmo antes mesmo de passar a cancela, depois da cancela(21:55).

  19. As contradições e incongruências da ofendida são evidentes: questionada pelo advogado, primeiramente responde ao advogado: …ele começou a subir as escadas tipo para fugir (20:41)., 27. E a seguir, Adv- Mas ele não tentou fugir? T - Não, não tentou (21:31) 28. A ofendida encontrava-se de salto...

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