Acórdão nº 35/13.3PTAMD.L1-5 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 17 de Abril de 2018

Magistrado ResponsávelMª JOSÉ MACHADO
Data da Resolução17 de Abril de 2018
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa: I – Relatório 1.

No processo supra identificado foi o arguido V. submetido a julgamento, por tribunal singular, pela imputada prática de um crime de ofensa à integridade física negligente p. e p. pelo art.º 148.º, nº 1 do Código Penal.

  1. Foi deduzido pedido de indemnização civil, pela assistente MLS, contra Companhia de Seguros K, S.A. pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de €83.492,60, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, por aquela sofridos em consequência do acidente imputado ao arguido.

  2. Uma vez realizado o julgamento foi proferida sentença na qual o tribunal decidiu: (transcrição) 3. «- Condenar o arguido pela prática, em autoria material, na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física por negligência, previsto e punido pelo artigo 148°, n.°1 do Código Penal, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de 7 euros, no total de €630 (seiscentos e trinta euros), a que correspondem subsidiariamente 60 dias de prisão; - Condenar a demandada Companhia de Seguros K, SA a pagar à demandante o montante global de €41.420, sendo: - €21.420 a título de danos patrimoniais, acrescida de juros legais, a contar desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento; - €10.000 a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros legais, a contar desde a data da sentença e até efectivo e integral pagamento; - €10.000 a título de dano biológico, acrescida de juros legais, a contar desde a data da sentença e até efectivo e integral pagamento; 4. - Condenar o arguido no pagamento das custas do processo fixadas em 2 UCs de taxa de justiça.

  3. - Condenar a demandante e a demandada no pagamento das custas cíveis do processo, de acordo com o respectivo decaimento, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 523° do Código de Processo Penal com remissão para o artigo 527°, n°s 1 e 2 do Código de Processo Civil.» 4.

    Inconformada com tal decisão, dela interpôs recurso a demandante/assistente, conforme motivação constante de fls. 628 a 650, a qual finaliza com as seguintes conclusões: 1. O acidente ocorreu no dia 05 de Setembro de 2012, pelas 11H40, na Rua D. Inês de Castro, Amadora, quando o arguido conduzia, de marcha atrás, o veículo de mercadorias com a matrícula X, nessa rua.

  4. É uma carrinha muito grande

    , diz o arguido.

    Tem 4,5 metros de comprimento.

    «... É uma carrinha de 3.500 Quilos.» 3. A Rua D. Inês de Castro é uma recta com dois sentidos de marcha, com uma via para cada sentido de marcha, como consta da douta sentença, dos factos provados e dos documentos juntos.

    A Rua D. Inês de Castro é uma rua citadina que fica na Cidade da Amadora. Só tem saída para um dos lados, ou seja, para o lado oposto àquele para onde o arguido seguia marcha atrás, ou seja, parou para depois poder seguir marcha atrás quando o fez.

  5. O arguido descreve assim o acidente: Disse que veio a descer a Rua João Villaret. Aquilo faz tipo um entroncamento e eu fui para a frente para o meu lado esquerdo. Ou seja passou debaixo do arco, entrou na Rua D. Inês de Castro, indo em frente (ou seja atravessando-a) guinando para o seu lado esquerdo da Rua D. Inês de Castro, com o objectivo de ocupar a via por onde se ia dirigir, para a oficina, de marcha atrás.

    ...porque a Rua D. Inês de Castro onde ia deixar a carrinha não tem saída e não dava para fazer inversão de marcha com a carrinha lá ...

    «Tinha que ir obrigatoriamente de marcha atrás para poder sair de frente.» Disse que fez marcha atrás mas que não viu a Demandante. Disse que ouviu gritos de pessoas (dois senhores: FF e outro já falecido) a mandá-lo parar, nomeadamente uma testemunha que já faleceu. Que a carrinha é um veículo pesado e o locado da carga é fechado, pelo que teve que olhar pelo retrovisor do lado direito da viatura que ia de marcha atrás. Quando parou a senhora estava na via, junto à roda da frente da viatura do lado direito. Tinha as pernas para a frente e a cabeça junto à roda da frente da viatura do lado direito.

  6. Este depoimento prova, sem margem de dúvida, que ao fazer marcha atrás, contra a mão, sem ver a Demandante derrubou-a com a parte traseira da viatura, projectando-a na via quando esta já estava muito próximo do passeio para onde se dirigia, em direcção ao supermercado.

  7. Passou por cima dela, causando-lhe os danos constantes dos vários relatórios do Instituto de Medicina Legal, que referem que tais danos têm como causa adequada o acidente de viação dos autos e, em dois desses relatórios se diz, que tais danos provocariam a morte da Demandante se não tivesse sido socorrida imediatamente, adequadamente e eficazmente.

  8. Assim, não restam dúvidas, como aliás consta do relatório do Sr. Agente que tomou conta da ocorrência e da douta sentença, bem como da Lei e da Jurisprudência que o arguido violou o Artigo 35° do Código da Estrada, que no seu n°. 1 diz que esta manobra, marcha-atrás, só se pode efectuar depois de verificar que não há perigo para peões ou viaturas; a lei só o permite como manobra auxiliar ou de recurso, devendo efectuar-se lentamente no menor trajecto possível e apenas em local e por forma que da sua realização não resulte perigo ou embaraço para o trânsito. (Vide Acórdão da Relação de Coimbra de 26.04.2005).

  9. Ora o arguido fez aquela manobra de marcha atrás, percorrendo contra a mão cerca de 10 metros.

    Ia de marcha atrás pela via onde só se pode circular em sentido contrário, como consta do croqui e das declarações do arguido). E como consta do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra: «II - O reconhecimento da violação do art°. 35° do CE tem implícito o reconhecimento da violação da regra geral do art° 3°., n°. 2 do CE como princípio orientador daquele.» 9.

    Do depoimento da Demandante verifica-se que tomou todos os cuidados para atravessar a rua, pois esta tem duas vias e não tem passadeira.

    A Demandante pretendia ir ao supermercado, onde habitualmente ia fazer compras, e para isso tinha que atravessar as duas vias da rua. Disse que viu o veículo grande em frente ao arco, parado, mas do outro lado da rua, tomando como referência a sua casa.

  10. E disse que chegando ao meio da rua, «fui assim um bocado mais para lá, para o lado do supermercado e depois foi aí quando eu já ia quase a alcançar o processo que eu recebi um grande choque no corpo provocado pelo carro e caí no chão.

    » O embate foi fortíssimo, derrubou a Demandante que caiu de costas e ficou com a mão e o braço direito mal tratados a ponto de não poder escrever com a mão direita, ter que aprender a escrever com a mão esquerda e não poder pegar na bengala com essa mão.

  11. A questão a dirimir neste recurso face aos documentos existentes no processo, aos depoimentos das testemunhas, aos depoimentos do arguido e da demandante é saber-se em que circunstâncias de lugar foi colhida a demandante e quem teve culpa no acidente.

    A douta sentença atribui 50% da culpa do acidente ao arguido e os outros 50% à demandante.

  12. Resulta dos depoimentos do arguido e da demandante que a viatura do arguido veio da Rua João Villaret, passou debaixo do arco, entrou na Rua D. Inês de Castro, indo em frente, para o lado esquerdo da Rua D. Inês de Castro. Para aí parar e depois ir de marcha atrás, como foi, para a oficina que fica na extremidade da Rua D. Inês de Castro que não tem saída. Só indo de marcha atrás até à oficina é que podia depois sair de lá de marcha à frente.

  13. Disse que não viu em momento algum a demandante a não ser após lhe ter passado com a viatura por cima dela, a viu, com as pernas para frente e a cabeça junto à roda dianteira da viatura do lado direito, na posição constante do croqui elaborado pelo Sr. Agente da PSP que tomou conta do acidente, se deslocou ao local, viu sangue no pavimento e ouviu as testemunhas que indica e que foram ouvidas nos autos e confirmam o acidente, como consta do relatório.

  14. No depoimento do arguido há uma ocultação intencional quando diz que quando vem da Rua João Villaret, passou debaixo do arco para entrar na Rua D. Inês de Castro, «não vem carro nenhum, não vêm pessoas nenhumas, eu viro para o meu lado esquerdo, começo a fazer marcha atrás para ir para o fim da Rua D. Inês de Castro.

    » Ora, antes de fazer a marcha atrás tinha que necessariamente parar primeiro a viatura, o que realmente fez como se vai demonstrar.

    A demandante por sua vez, no seu depoimento, refere que saiu de sua casa para ir às compras ao supermercado.

    Para chegar a este supermercado tinha que atravessar a Rua D. Inês de Castro e depois descer umas escadas.

    Disse que não vinha nenhum carro. Estava o veículo grande em frente ao arco, parado.

    E acrescenta: «Estava em frente ao arco mas do lado de lá da rua.» 15.

    Importa agora saber qual o itinerário que a demandante fez da sua casa até ser colhida pela viatura.

    Saiu de casa e viu onde podia passar entre os carros que estavam estacionados em espinha, mas para o lado do supermercado.

    Depois diz: «Eu ia para o supermercado que é um bocado mais ... (longe?)» «A senhora tem a certeza absoluta que ele estava parado?» «D.: Paradinho Chegando ao meio da rua eu comecei a ver o sítio onde podia passar para o lado de lá e fui assim um bocado mais para lá, para o lado do supermercado e depois foi aí quando eu já ia quase a alcançar o passeio que eu recebi um grande choque no corpo. Caí ao chão. Depois eu estava debaixo do carro cheia de dores.

    ... Depois senti logo as rodas da frente a partirem-me aqui as costelas todas do lado esquerdo e fiquei sem poder falar. E depois aqui passou. Eu ouvi as pessoas a falar, "chama o INEM, chama os...

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