Acórdão nº 505/10.5TVLSB. L1 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 11 de Novembro de 2014

Magistrado ResponsávelMANUEL TOM
Data da Resolução11 de Novembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa: I – Relatório 1. CMU (A.) intentou, em 04/03/2010, junto das Varas Cíveis de Lisboa, acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra SC (R.) requerendo ainda a intervenção principal de MT, como associada do A., alegando, no essencial, o seguinte: - A R. é viúva de CMB, pai do A., que faleceu em 20/10/2003, sendo ambos com a interveniente MT, irmã do A., herdeiros exclusivos do falecido, tendo sido instaurado um inventário judicial para partilha da herança; - Porém, em 22/01/2009, ainda no decurso do inventário, os herdeiros celebraram um contrato-promessa de partilha, no âmbito do qual se obrigaram a desistir da instância naquele processo e a proceder à partilha extrajudicial dos bens da herança; - Tendo o A. e sua irmã cumprido os termos a que se obrigaram, entregando os bens móveis e imóveis que não lhes foram atribuídos, nomeadamente mercê de licitações realizadas, a R. recusou-se depois a fazer outro tanto, nomeadamente não comparecendo à outorga da escritura notarial de partilha, de divisão de coisa comum e de adjudicação de bens imóveis, não obstante interpelada para o efeito, não pagando as tornas a que estava obrigada e não ratificando a desistência da instância no referido inventário, feita antes em seu nome pelos respectivos mandatários; - Em face disso, o A resolveu o contrato-promessa de partilha, mediante carta remetida à R. em 30/07/2009, reclamando por isso nos autos o pagamento da cláusula penal nele expressamente consagrada, no valor de € 250.000,00, para ressarcimento não só das despesas que teve que suportar com o seu próprio cumprimento do contrato-promessa de partilha, como ainda para ressarcimento do desgaste psicológico que todo o processo de inventário já lhe causou, nos seis anos de pendência em juízo.

Concluiu o A. a pedir que se declarasse resolvido o contrato-promessa de partilha celebrado entre ele, a interveniente MT, sua irmã, e a R., por incumprimento definitivo e culposo desta, e se condenasse a mesma a pagar-lhe a quantia de € 250.000,00, a título de cláusula penal fixada no contrato.

  1. A R. contestou, a sustentar, em síntese, que: - Não percebendo a língua portuguesa, nem oral, nem escrita, por ser estrangeira, não compreendeu o conteúdo do contrato-promessa de partilha que outorgou, não tendo, porém, reagido oportunamente contra o mesmo por desconhecimento da lei; - Não obstante isso, tentou cumprir o contrato, entregando nomeadamente aos demais co-herdeiros os bens imóveis e os bens móveis que lhes couberam em licitação, só não o fazendo quanto ao pagamento das tornas; - O A. também incumpriu o contrato-promessa de partilha em referência, uma vez que não entregou à herança as rendas dos imóveis que se encontram na sua posse; - Tendo havido apenas incumprimento parcial da R. e ocorrendo igualmente incumprimento por parte do A., a cláusula penal fixada, de € 250.000.00, é excessiva, devendo ser reduzida segundo juízos de equidade.

    Concluiu a R., em primeira linha, pela improcedência da acção com a sua consequente absolvição do pedido e, subsidiariamente, pela redução do montante da cláusula penal, segundo juízos de equidade.

  2. O A. replicou, alegando que: - A R. reside em Portugal desde 1994, nunca tendo revelado não conhecer a língua portuguesa, tendo estado sempre representada por mandatários, advogados bilingues, e revelando ter compreendido as comunicações que lhe foram endereçadas, dando as suas respostas escritas sempre em português; - O contrato-promessa de partilha foi elaborado e redigido pelos seus advogados e licitou em português os bens imóveis que lhe foram adjudicados, acompanhada de um intérprete; - Só depois da R. ter tomado posse dos bens móveis que lhe foram adjudicados e se ver obrigada a pagar as tornas pelos bens imóveis que licitou, bem como a prestar contas pela administração da herança, é que veio, pela primeira vez, por em causa o contrato-promessa de parti-lha, tendo, posteriormente, pedido aos demais co-herdeiros uma prorrogação do prazo para o cumprir; - A cláusula penal aqui exigida foi fixada pelos Ilustres Advogados da R., não tendo fundamento o seu pedido de redução e não sendo a mesma excessiva, já que foi intencionalmente fixada para demover qualquer dos contraentes ao incumprimento, face ao cansaço extremo que os seis anos de pendência do inventário lhes tinham causado; - Não existe qualquer cumprimento parcial da R., uma vez que a posição que assumiu, de não ratificar a desistência da instância do processo judicial de inventário, levou a que o mesmo prosseguisse, tornando totalmente irrelevante o contrato-promessa de partilha; - A R. distorceu a verdade dos factos, dela conhecidos, e deduziu uma oposição cuja falta de fundamento não podia ignorar, justificando-se assim a sua condenação como litigante de má fé, numa multa não inferior a € 4.500,00.

    Concluiu com a reiteração do petitório, pedindo que a R. fosse condenada como litigante de má fé, em multa não inferior àquele valor.

  3. A R. apresentou tréplica a reiterar que: - Não consegue comunicar em língua portuguesa e que não dispôs de intérprete na assinatura do contrato-promessa de partilha, que não lhe foi traduzido; - Cada um dos co-herdeiros recebeu rendas mensais no valor de € 2.000,00, de bens imóveis da herança, nunca tendo prestado contadas das mesmas, e ter sido o A. quem deturpou a verdade dos factos, assim se justificando a sua condenação como litigante de má-fé.

  4. Por fim, o A. respondeu à matéria respeitante à litigância de má-fé invocada pela R., impugnando os fundamentos para tal alegados.

  5. Deferido o incidente de intervenção principal, foi citada a interveniente MT, que veio apresentar articulado próprio (fls. 223 a 225), alegando: - Em primeira linha, que intentou contra a R., em 30/07/2010, uma acção a correr termos sob o n.º …, na … Vara Cível de Lisboa, em que formulou pedido idêntico ao destes autos, ocorrendo assim uma situação de litispendência, a deduzir nesta acção, uma vez que a R. foi aqui citada posteriormente; - Subsidiariamente, que a interveniente comunicou à R., mediante carta registada com aviso de recepção, de 12/07/2010, o seu desinteresse no cumprimento do contrato-promessa de partilha, em virtude do seu incumprimento por parte da mesma, tendo por isso direito à cláusula penal que reclama; Concluiu a pedir que se julgue procedente a excepção dilatória de litispendência e, assim não entendendo, se condene a R.

    a pagar-lhe a quantia de € 250.000,00, a título de cláusula penal fixada para o incumprimento do contrato-promessa de partilha.

  6. O A. veio pronunciar-se quanto à deduzida excepção de litispendência, sustentando que: - Não ocorre tal excepção por não se verificar identidade de partes nem de pedidos; - Não obstante isso, os presentes autos foram propostos primeiro e ainda nele foi a R. primeiro citada; - Se verifica aqui uma situação de litisconsórcio necessário, porquanto é pedida a resolução de um único contrato-promessa de partilha com três contratantes.

  7. Findos os articulados, em 22/03/2013, foi dispensada a realização de audiência preliminar pelos fundamentos constantes do despacho de fls. 357, sendo, de imediato, julgada improcedente a invocada excepção de litispendência, fixado o valor da causa e, por fim, proferido saneador-sentença a tomar conhecimento do mérito da causa, julgando-se a acção totalmente procedente e a decidindo-se: a) - Declarar validamente resolvido “o contrato-promessa de partilha” celebrado entre o A., a Interveniente e a R., em 22 de Janeiro de 2009, onde se pretendia proceder à partilha da herança de CMB e à divisão da fracção denominada «Terraços de B…»; b) - Condenar a R. a pagar ao A. e à Interveniente, em relação a cada um destes, a quantia de € 250.000,00, a título de cláusula penal prevista no contrato-promessa de partilha referido na alínea a), acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa supletiva legal, actualmente de 4% ao ano, contados desde 18 de Março de 2010 até ao seu efectivo e integral pagamento.

  8. Inconformada com aquele saneador-sentença, veio a R., em 13/05/2013, apelar dele, formulando as seguintes conclusões: 1-ª - O saneador-sentença proferido pelo Tribunal “a quo” considerou a acção totalmente procedente, e ainda por inexistirem elementos nos autos, decidiu não condenar o A. e a R. como litigante de má fé; declarar validamente resolvido o Contrato-Promessa de Partilha, de 22/01/2009; condenar a R. a pagar ao A. a quantia de € 250.000,00, a título de cláusula penal; condenar a R. a pagar ao mesmo A. juros de mora sobre aquela quantia, vencidos desde 18/03/2010 e vincendos, à taxa de 4% ao ano, até seu efectivo e integral pagamento; condenar a R. a pagar iguais quantias referidas nas alíneas b) e c) à Interveniente, à mesma taxa, pelo que deve a mesma ser declarada nula, ser anulada ou revogada.

    2.ª – Não obstante, os argumentos e fundamentos invocados no pedido de escusa pela anterior titular do processo, para os quais se remete, mas que se desconhecem, não terá ocorrido posterior distribuição do processo, de forma aleatória, antes tendo sido entregue o processo, por simples despacho, à nova e actual Mm.ª Juíza, que logo proferiu despacho saneador, com valor de sentença, dispensando a marcação audiência preliminar; 3.ª - Tal facto constitui ofensa ao princípio do juiz natural, que constitui a base e o cerne da isenção e da confiança dos cidadãos na aplicação da justiça.

    4.ª - Ao ser violado tal princípio, todas as decisões proferidas “ex post” são ilegais e, ainda, inconstitucionais, conforme art. 2° (estado de direito) da Constituição, o que conduz à nulidade do processo, pelo menos, a partir do saneador-sentença – o que se invoca para todos os efeitos legais.

  9. a - O tribunal “a quo”, ao decidir definitivamente a questão de mérito, invocando manifesta simplicidade e a desnecessidade de mais provas, o despacho saneador/sentença teve o efeito de decisão-surpresa, ao não ouvir previamente...

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