Acórdão nº 179/10.3TBBBR.L1-2 de Court of Appeal of Lisbon (Portugal), 20 de Novembro de 2014

Magistrado ResponsávelJORGE MANUEL LEIT
Data da Resolução20 de Novembro de 2014
EmissorCourt of Appeal of Lisbon (Portugal)

Decisão Texto Parcial:


Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa RELATÓRIO Em 12.4.2010 Duarte , representado pela sua tutora, Maria, intentou no Tribunal Judicial de Bombarral ação declarativa de condenação, com processo ordinário, contra Companhia de Seguros.

O A. alegou que em 18.6.1999, pelas 11 horas e 15 minutos, em Bombarral, quando o A. regressava da sua atividade agrícola, ocorreu, em circunstâncias não totalmente conhecidas, uma colisão entre o ciclomotor que o A. conduzia e um veículo automóvel que circulava em sentido oposto ao do A.. Em consequência da colisão o A. sofreu traumatismo crânio-encefálico grave, com alterações motoras e psico-cognitivas que determinaram perda total da sua capacidade produtiva e da sua autonomia para as atividades da vida diária, permanecendo totalmente dependente de terceiros, sendo portador de uma desvalorização de 95%. À data do acidente o A. era empresário agrícola por conta própria, tendo celebrado com a Companhia de Seguros, S.A., antecessora da ora R., um contrato de seguro de acidentes de trabalho destinado a trabalhadores por conta própria, tendo sido declarada como remuneração anual segura a quantia de Esc. 738 000$00. O acidente foi participado ao Tribunal do Trabalho das Caldas da Rainha, mas o processo veio a ser arquivado, por se ter entendido que o regime legal para os acidentes de trabalho em vigor à data do sinistro, Lei n.º 2127 de 3.8.1965 e Dec.-Lei n.º 360/71, de 21.8, não se aplicava aos trabalhadores independentes.

Ora, se bem que a competência para apreciar o litígio caiba ao tribunal de competência genérica, o A. tem direito, por ter sido essa a vontade das partes quando celebraram o supra referido contrato, às prestações previstas na legislação sobre acidentes de trabalho já publicada na época, embora ainda não em vigor, ou seja, a Lei n.º 100/2007, de 13.9, e o Dec.-Lei n.º 143/99, de 30.4..

O A. terminou pedindo que, julgada a ação provada e procedente, a R. fosse condenada a: a) Pagar ao A. o custo de todos os medicamentos, tratamentos, consultas, transportes, taxas moderadoras, internamentos e produtos de higiene e limpeza, como fraldas, suportados pelo A. no montante de € 5 816,09, acrescido de juros vencidos no montante de € 1 229,31, a que deveriam acrescer os vincendos, até efetivo e integral pagamento; b) Pagar ao A. o custo de todas as despesas relativas a medicamentos, tratamentos, consultas, transportes, taxas moderadoras e produtos de higiene e limpeza, como fraldas, que se venham a mostrar futuramente necessários em virtude das lesões sofridas com o acidente; c) Pagar ao A. o valor das pensões anuais atualizadas, vencidas desde o acidente, as quais liquidou até 31.12.2009, no valor de € 34 364,48, acrescidas de juros vencidos até 31.3.2010, no montante de € 7 182,25 e dos vincendos até efetivo e integral pagamento; d) Pagar ao A. o valor das pensões anuais vincendas, devidamente atualizadas; e) Pagar ao A. a quantia de € 53 776,48, vencida até 31.12.2010 e relativa à prestação suplementar equivalente ao salário mínimo nacional mensal para o trabalho doméstico, acrescida de juros vencidos no montante de € 10 584,02 e dos vincendos até integral pagamento; f) Pagar ao A., a título de pensão suplementar, a partir de 01.01.2010, quantia equivalente à do salário mínimo nacional garantido, para o trabalho doméstico, catorze vezes por ano; g) Pagar ao A. a título de subsídio, a quantia de € 3 405,84, equivalente ao salário mínimo nacional garantido, em vigor no ano em que ocorre o sinistro, acrescido de juros às taxas legais, contados desde 31.12.2009 e até ao efectivo e integral pagamento, liquidando-se os vencidos até 31.3.2010, no montante de € 1 737,07.

A Ré contestou, arguindo indevida preterição do tribunal arbitral voluntário, a caducidade do direito de propor a presente ação, a inaplicabilidade da legislação laboral invocada pelo A., mas sim a que se encontrava em vigor à data do acidente, a descaracterização do acidente como acidente do trabalho, por o A. ter sido o único responsável pelo sinistro, na medida em que na ocasião do acidente não acautelara o espaço livre e visível à sua frente e não usava capacete de proteção.

A R. terminou concluindo pela procedência das exceções alegadas e, de todo o modo, pela sua absolvição do pedido.

O A. replicou, pugnando pela improcedência das exceções arguidas e concluindo como na petição inicial.

Proferiu-se despacho saneador, em que se julgou improcedente a exceção de preterição de tribunal arbitral e se relegou para a decisão final a apreciação da exceção de caducidade.

Procedeu-se à seleção da matéria de facto assente e à fixação da base instrutória.

Realizou-se audiência de julgamento e a final emitiu-se decisão de facto.

Em 31.5.2013 foi proferida sentença, em que se formulou o seguinte dispositivo: “Pelo exposto e decidindo, julga-se a acção parcialmente procedente, pelo que: 1.º Julga-se improcedente a excepção peremptória de caducidade do direito de acção do autor arguida pela ré na contestação; 2.º Na parcial procedência da acção, condena-se a ré a: a) Pagar ao autor o custo de todos os medicamentos, tratamentos, consultas, transportes, taxas moderadoras, internamentos e produtos de higiene e limpeza, como fraldas, suportados pelo autor, no montante de € 5.812,09 (cinco mil oitocentos e doze euros e nove cêntimos), acrescido de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, vencidos e vincendos, contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento; b) Pagar ao autor o custo de todas as despesas relativas a medicamentos, tratamentos, consultas, transportes, taxas moderadoras e produtos de higiene e limpeza, como fraldas, que se venham a mostrar futuramente necessários em virtude das lesões sofridas com o acidente; c) Pagar ao autor o valor das pensões anuais actualizadas, vencidas desde o dia seguinte ao acidente, as quais se liquidam até 31 de Dezembro de 2012 no valor de € 51.584,55 (cinquenta e um mil quinhentos e oitenta e quatro euros e cinquenta e cinco cêntimos), valor este que já inclui as vencidas até 31/12/2009, no valor de € 37.712,55 (trinta e sete mil setecentos e doze euros e cinquenta cêntimos), acrescidas de juros de mora às taxas legais de 7% ao ano até 30/04/2003 e de 4% ao ano a partir de 01/05/2003, vencidos e vincendos, contados desde a data de vencimento (em 31 de Dezembro do ano a que respeitam) de cada uma das pensões até efectivo e integral pagamento; d) Pagar ao autor o valor das pensões anuais vincendas a partir de 01 de Janeiro de 2013, devidamente actualizadas nos termos supra exarados em II – B), 5.3. e 5.4; e) Pagar ao autor, a quantia de € 12.896,15 (doze mil oitocentos e noventa e seis euros e quinze cêntimos) vencida até 31 de Dezembro de 2012, valor este que já inclui a vencida até 31/12/2009, no valor de € 9.428,15 (nove mil quatrocentos e noventa e seis euros e quinze cêntimos), e relativa à prestação suplementar prevista na Base XVIII da Lei n.º 2127, de 03/08/1965, acrescida de juros de mora às taxas legais de 7% ao ano até 30/04/2003 e de 4% ao ano a partir de 01/05/2003, vencidos e vincendos, contados desde a data de vencimento (em 31 de Dezembro do ano a que respeitam) de cada uma das prestações suplementares até efectivo e integral pagamento; f) Pagar ao autor, a título de prestação suplementar, a partir de 1 de Janeiro de 2013, quantia calculada nos termos da Base XVIII da Lei n.º 2127, de 03/08/1965; 3.º No mais, julga-se a acção improcedente, pelo que se absolve a ré do restante pedido do autor; 4.º Custas por autor e ré, na proporção do respectivo decaimento (artigo 446.º, n.ºs 1 a 3 do Código de Processo Civil), atendendo-se para tanto à parte líquida do pedido da petição inicial e à parte líquida da presente condenação por referência aos montantes vencidos até à data da petição inicial, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia o autor”.

A Ré apelou da sentença, tendo apresentado motivação em que formulou as seguintes conclusões: 1. O Mm° Juiz do Tribunal a quo entendeu que o Autor agiu com culpa na produção do acidente dos presentes autos na medida em que circulava no eixo da via.

  1. O Mm° Juiz do Tribunal a quo considerou, igualmente, que o condutor do veículo GR agiu com culpa na produção do acidente, na medida em que, quando se apercebeu do veículo conduzido pelo autor circulava parcialmente fora da sua mão de trânsito.

  2. Ficou provado que o embate ocorreu no sentido de marcha norte/sul, com as partes frontais de ambos os veículos.

  3. Não restam dúvidas que o ciclomotor conduzido pelo Autor invadiu a via de circulação destinada ao trânsito de veículos em sentido oposto, por onde, naquele exacto momento, circulava o veículo GR.

  4. O embate entre ambos os veículos ocorre frontalmente e não lateralmente, o que denuncia a invasão da via, por onde circulava o veículo GR, pelo ciclomotor conduzido pelo Autor.

  5. Circulando ambos os veículos junto ao eixo da faixa de rodagem tal não seria passível de provocar o acidente dos presentes autos.

  6. Perante a factualidade dada como provada, o único e exclusivo responsável na produção do acidente sub judice é o Autor.

  7. O facto de o condutor do veículo GR circular junto ao eixo da faixa de rodagem não é suficiente para que a sua conduta seja considerada ilícita.

  8. Ficou provado que no momento do acidente dos autos o Autor conduzia sem capacete de protecção, em clara violação ao Código da Estrada.

  9. O Autor foi o único e exclusivo responsável pela produção do acidente dos presentes autos, tendo com a sua conduta violado as mais elementares regras estradais, nomeadamente, as constantes dos artigos 3°; 11 °, n° 2; 13.°, n°1 e 82° do Código da Estrada.

  10. Considerando que o Autor foi o único e exclusivo responsável na produção do acidente dos autos, tal situação configura a descaracterização do acidente de trabalho.

  11. O comportamento do Autor reflecte um comportamento temerário, arriscado e reprovado por um elementar sentido de prudência, sendo...

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